Siddhartha Mukherjee foi provocador: repetidas vezes ao longo de sua palestra nesta segunda-feira (3) no Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre, o oncologista indiano-americano indagou à plateia, diante de situações hipotéticas envolvendo a possível descoberta de doenças antes mesmo do nascimento de um feto, o que faria.
— Se vocês pudessem saber, com considerável precisão, baseada na genética, que a filha de vocês que está por nascer tem alto risco de desenvolver câncer de mama, que decisão tomariam?
As situações, ele revelaria, já não são assim tão hipotéticas:
— Estamos prestes a inventar um mundo em que podemos prever o risco de desenvolvimento de um tipo de câncer muito antes de isso se tornar detectável. Um risco que pode ser verificado ainda no feto — sentenciou o médico.
O tom provocativo, explicou Mukherjee, não tinha a intenção de assustar, mas de informar. Foi com esse mesmo objetivo que ele escreveu o livro O Imperador de Todos os Males – Uma Biografia do Câncer, que se tornou best-seller e surgiu a partir da conversa com uma paciente em que o oncologista percebeu não existir, então, uma obra que pudesse indicar para explicar o câncer de sua origem até os dias atuais. A obra levou o Prêmio Pulitzer em 2011 na categoria geral de não ficção.
Diante de um Salão de Atos da UFRGS lotado para a quinta conferência do ciclo Fronteiras do Pensamento neste ano, Siddhartha Mukherjee começou a palestra afirmando que, em uma pesquisa realizada há 22 anos nos Estados Unidos, as duas palavras que os entrevistados mais disseram temer eram "tubarão" e "câncer". Sobre a primeira, ele explicou, não teria muito o que falar; já sobre a doença, tinha bastante o que dizer.
— O que é essa coisa de que temos tanto medo? Como surgiu, por que ainda existe, qual o futuro do câncer? São algumas das perguntas que eu quero responder hoje. Quero que vocês tenham menos medo, quero que entendam que estamos fazendo de tudo para resolver esse problema — afirmou o palestrante.
A diversidade de tipos de câncer em humanos é igual à diversidade de seres humanos. Não há uma única outra doença cuja diversidade espelhe a diversidade de pacientes que têm a doença. E esse é um dos maiores desafios.
SIDDHARTHA MUKHERJEE
médico e escritor indiano
O medo — mais do que da palavra, da doença — tem origem também no pouco conhecimento que se tinha do câncer, algo que Mukherjee explica em sua "biografia" da doença. O termo "câncer", ele afirma, sequer era ouvido nos círculos médicos há uma centena de anos. Atualmente, sabe-se muito mais sobre suas origens, seu desenvolvimento no corpo humano e seus efeitos. Ainda assim, todo o conhecimento científico em que têm sido concentrados esforços para compreender a doença não bastam para explicá-la completamente. Isso porque o câncer é um mal sem precedentes:
— Cada caso de câncer é um caso individual. A diversidade de tipos de câncer em humanos é igual à diversidade de seres humanos. Não há uma única outra doença cuja diversidade espelhe a diversidade de pacientes que têm a doença. E esse é um dos maiores desafios da medicina — garantiu o oncologista.
E por que isso não deve causar medo? Porque o câncer, garante o médico indiano, tem sido muito melhor compreendido. A partir de abordagens personalizadas, levando hereditariedade, genética, hábitos de cada pessoa em consideração, tem sido possível pesquisar e desenvolver novos tipos de tratamento, que cada vez mais conseguem possibilitar sobrevida aos pacientes. Em nenhum momento da palestra, porém, Mukherjee propôs esperanças de encontrar alguma cura que seja aplicável a todos os casos de câncer.
Questionado, ao fim da apresentação, em conversa mediada pelos médicos Carlos Alexandre Netto e Luiz Antônio Nasi, com participação da plateia, sobre o medo que os pacientes oncológicos tanto sentem do futuro — pergunta em que foi lembrado o livro Hoje Eu Venci o Câncer, do jornalista David Coimbra —, o oncologista explicou:
— É algo que ocorre fundamentalmente, porque não sabemos o que pode acontecer (com o desenvolvimento da doença em um paciente). Não posso prevenir a morte. Mas posso tirar a dor física. Posso evitar alguns fatores que podem levar à morte — disse Siddhartha Mukherjee, propondo uma mensagem realista, mas também, na medida do possível, otimista aos presentes.
Com os livros, com as palestras, o médico explicou que sua intenção é levar a sociedade a se aproximar desse universo científico. Para ele, é preciso fazer que esses questionamentos, que os problemas envolvidos no combate ao câncer e também as boas notícias cheguem ao alcance de todos:
— Eu posso ter as informações técnicas, os dados, mas as decisões são comuns a toda a humanidade. E, por isso, as pessoas precisam saber onde estamos. Se você não souber agora, isso vai acabar chegando até você — concluiu Mukherjee, mantendo o tom provocador.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento, parceria cultural PUCRS e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense e Souto Correa. A parceria institucional é da Unicred. Universidade parceira: UFRGS. Promoção: Grupo RBS.