Dois artistas que transitam entre diferentes linguagens deram início à programação 2018 do Fronteiras do Pensamento, na noite de segunda-feira, no Salão de Atos da Reitoria da UFRGS. A atriz e escritora Fernanda Torres e o artista plástico Vik Muniz deram início à conversa com uma breve apresentação e mais tarde dedicaram-se a um debate sobre internet, política, arte, novelas de TV e a crise internacional de refugiados, com mediação do jornalista Tulio Milman.
Fernanda começou sua fala lendo uma passagem do ensaio As Ideias Fora do Lugar, do crítico Roberto Schwarz. No trecho (que, na verdade, em sua maior parte não é de fato de Schwarz, mas uma longa citação que o autor faz de um texto do arquiteto Nestor Goulart Reis Filho), fala-se das consequências práticas de se elaborar uma sociedade aos moldes europeus em um país com economia de base escravista: "Sobre as paredes de terra, erguidas por escravos, pregavam-se papéis decorativos europeus ou aplicavam-se pinturas, de forma a criar a ilusão de um ambiente novo, como os interiores das residências dos países em industrialização".
- Para mim, o grande desafio da arte e do artista no Brasil é não se tornar esse papel decorativo ou essa pintura, mascarando o que somos com uma outra ideia que acreditamos querer ser - arrematou Fernanda.
A atriz prosseguiu falando sobre como o atual panorama multifacetado digital pôs em xeque mesmo a autoproclamada missão dos artistas no Brasil, muitas vezes brancos de classe média dispostos a "falar em nome dos que não têm voz". Uma pretensão esvaziada primeiro pela implosão da chamada opinião pública:
_ Se você notar, nós atualmente discutimos o problema do Thor, do Super-
Homem, do Homem-Aranha, no lugar onde a gente antes discutia o problema da manteiga em O Último Tango ou o Apocalipse Now. O que era mainstream 30 anos atrás hoje seria um filme cult, incapaz de atingir essa massa.
Por outro lado, de acordo com Fernanda, o próprio público detonou a pretensão da classe artística hegemônica de ser seu porta-voz:
- A questão que se coloca para um intelectual branco de classe média, como eu, é como achar um lugar que me pertença e que não seja ridículo ou risível e que tenha alguma contundência existencial.
"A política brasileira é um pastelão, é vergonhoso"
Vik Muniz falou por quase o dobro do tempo de Fernanda, aproveitando muitos dos ganchos que a própria atriz havia apresentado em sua fala. Ao comentar a antiga missão autoproclamada da classe artística de falar "em nome do povo", Muniz lembrou as origens humildes da própria família e os motivos por que nunca teria se enquadrado nesse tipo de postura:
- Na minha casa não tinha nenhum quadro na parede, só calendário da quitanda japonesa de três anos antes, que ninguém trocava porque era bonito. Os únicos livros que tínhamos eram de uma coleção da Enciclopédia Conhecer que meu pai ganhou no jogo de sinuca e trouxe para casa em um carrinho de pedreiro. Quando eu ouvia o artista se manifestar "em nome do povo", eu não sabia onde me colocar nesse conundrum, se eu era o povo ou era o intelectual.
Muniz então explicou que considerava a arte como a "evolução da interface entre a mente e a matéria", um processo que foi sendo aperfeiçoado ao longo da história da espécie humana, a capacidade de expressar um conceito mental que traduzisse a visão do mundo exterior do artista. Para ele, o ponto ótimo dessa tentativa humana era a fotografia, mas aquela existente até a última revolução digital.
Sobre as eleições de 2018, Muniz diz que vê com "perplexidade e confusão" o atual momento político do país.
- Eu não me vejo nessa bagunça. A história dos últimos dois anos na política brasileira é um pastelão, é vergonhoso. É uma coisa louca você se sentir desvinculado de um sistema político e no entanto você votou, paga impostos, mas está vendo essa verdadeira Nau dos Loucos no Planalto Central - disse o artista.
Fernanda Torres usou o bom humor para dar uma resposta na mesma linha sobre a política brasileira atual.
- Minha mãe (a atriz Fernanda Montenegro) fala essa frase: "Eu me sinto colonizada por Brasília". E tem mais: se o Bolsonaro ganhar, eu compro um bote e vou embora remando - brincou a atriz, provocando aplausos e risos.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento, parceria cultural PUCRS e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense e Souto Correa. A parceria institucional é da Unicred. Universidade parceira UFRGS e promoção Grupo RBS.
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