Consagrado no Brasil e no Exterior, o artista paulista Vik Muniz, 55 anos, possui obras nas mais prestigiadas instituições de arte do mundo. Ao mesmo tempo em que figura na lista dos cem artistas mais valorizados do planeta, ficou conhecido para além da arte, com trabalhos como a abertura da novela Passione (2010) ou a cerimônia dos Jogos Paralímpicos, no Rio de Janeiro (2016).
Apesar de envolver com complexas questões da arte e da percepção, a produção de Vik tem apelo popular, e o artista ficou conhecido por trabalhos com materiais inusitados, como geleia e sucata. Também atua como embaixador da Boa Vontade da UNESCO, e o engajamento social encontrou a arte em projetos como o que realizou com catadores do enorme aterro localizado no Jardim Gramacho (atualmente fechado), em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A experiência foi mostrada no documentário Lixo Extraordinário, indicado ao Oscar e premiado no festival de Berlim e no Festival de Sundance.
Principal atração do Canela Foto Workshops, que ocorre até 7 de junho em Canela, na Serra, Vik fará uma palestra neste domingo, às 17h, no Grande Hotel Canela (Rua Getúlio Vargas, 300), na qual promete fazer um apanhado de sua carreira, que já dura três décadas.
Atualmente, o artista mora e trabalha entre Nova York e Rio de Janeiro, além de estar sempre viajando para montar exposições ao redor do mundo. De Washington, falou por telefone com Zero Hora sobre arte, fotografia e política.
Você é um dos poucos brasileiros que alcançaram sucesso de público no mercado de arte e entre a crítica. Como atingiu esse equilíbrio que tantos artistas gostariam de encontrar?
Uma coisa, para ser inteligente, não tem de ser exclusiva. É muito fácil criar uma coisa com apelo erudito. Quanto menos as pessoas entendem, mais fácil é de fazer. Eu sempre dou o exemplo dos Simpsons – você pode ter 50 anos ou cinco, você ri. Tem tudo ali, tem uma estrutura em que o pessoal fala de Nietzsche e ao mesmo tempo tem uma coisa básica, e é engraçado para qualquer audiência. Acho que, como em quase toda a obra de arte bem-sucedida, tem de haver um apelo para os seus sentidos, independentemente do que entende de fotografia. As regras para conseguir fazer isso estão em percepção, em composição, em foco, muito mais do que em subjetividade, mais do que o que você está mostrando. Eu venho de uma família superpobre, meus pais nunca foram a museu, galeria. Comecei a descobrir um equilíbrio saudável no que estava fazendo quando passei a procurar por exposição em outros círculos, fora da galeria. Isso trouxe muita gente para dentro da galeria e do museu para observar meu trabalho.
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Alguns dos seus trabalhos são releituras de obras-primas. E você já declarou que não acredita na busca de uma nova ideia visual, mas na variação infinita das ideias que já existem. Pode falar sobre isso?
O que às vezes é muito mais interessante e sincero em cópias do que em trabalhos que buscam uma originalidade é que, na cópia, o artista tem uma maneira de expressar quase instintiva, orgânica, a diferença que ele tem da pessoa que criou a imagem original. Se eu fosse copiar um desenho de Michelangelo, eu não ia conseguir copiá-lo com a consciência que o Michelangelo tinha do mundo. Esse desenho estaria impregnado de realidade virtual, drone, vídeo, internet, de alguma maneira ele seria diferente. Acho que as chances de criar algo diferente, não vou falar novo, mas que tenha frescor ou a impressão de ser diferente, estão mais relacionadas a você buscar uma experiência autêntica. Tentar criar uma coisa nova não deve fazer parte da ambição do artista. Sou contra a ideia de originalidade como princípio para fazer arte.
É por isso que você recorre a materiais inusitados para criar, como chocolate, açúcar, sucata, poeira?
É uma questão de processo. A razão pela qual eu busco materiais e formas diferentes é para me expor a experiências diferentes. Se eu for fazer tudo com lápis e borracha, fico na minha mesa e não saio dali, vou fazer o que todo mundo já fez, da maneira como todo mundo tem feito há séculos. No momento em que faço uma coisa que tem de ser vista através de um microscópio ou a partir de um helicóptero, porque é muito grande, feita de diamante ou de lixo, estou me expondo a diferentes materiais, e o material dita o processo que vai te levar a realizar a obra. A escolha de materiais não ortodoxos tem a ver com experiências não ortodoxas.
Você é conhecido pelo engajamento social. Acha que a arte deve refletir a atual crise brasileira?
Não. Eu acho que toda arte que nasce de uma ideia política já é um natimorto. O valor da arte é muito maior do que isso. Ideias políticas se desenvolvem a partir da relação das pessoas com o mundo. É justamente isso que é o mundo da arte, é você criar as ferramentas para que essa relação seja sana, intensa, significante. A arte dá significado para as coisas. Se as pessoas tivessem mais arte na vida delas, não estariam fazendo tanta besteira. Eu fico pensando naquela pessoa que mata outra na rua, ela não dá valor para a própria vida, essa pessoa nunca foi ver uma ópera, nunca foi ver um concerto, nunca foi ver um filme em 3D. Se você empobrece a sua relação com o mundo, não liga para os outros. Acho que a maioria desses políticos sem vergonha que estão em Brasília agora tem uma relação péssima com o mundo, não tiveram acesso às ferramentas para lidar com ele, não tiveram uma educação artística rica o suficiente, talvez. Você vê que em país desenvolvido onde você tem mais igualdade econômica as pessoas têm uma vida cultural muito rica, leem muito. Quando eu vou para Brasília, vejo ali um grande deserto cultural. Isso que é legal aí no Sul, mesmo sendo fora das megalópoles, o pessoal tenta desenvolver isso.
Em todo o país, temos visto os recursos financeiros para a cultura secarem. Como você enxerga essa situação?
Quando a coisa começa a ficar ruim, a primeira coisa que vai é a cultura.
Em Nova York também funciona assim?
É a mesma coisa. É mundial. Agora essa criança que assumiu o governo americano quer acabar com o NEA (National Endownment for the Arts), com a NPE (rádio pública), com toda forma genuína de produção cultural. Mas ele não conseguiu passar isso no Congresso, pelo menos tem gente mais inteligente do que ele que não permitiu que isso acontecesse. Mas é sintomático. Em qualquer lugar do mundo, a primeira coisa que vai é a cultura. Tudo aquilo que você tem que fica é a cultura, a música, a arquitetura, a relação das pessoas entre elas, esse é o patrimônio de uma nação. E é isso justamente a primeira coisa que as pessoas sacrificam.
Você tenta passar essas lições nos seus projetos sociais?
Nos meus projetos sociais, eu sou cidadão. Como uma pessoa que teve muita sorte e tenta dar oportunidade para pessoas que estavam na mesma posição que estava, mas que talvez não tenham tido sorte. Mas a ambição política no meu trabalho é de criar questões na cabeça das pessoas que possam vir a desenvolver um discernimento em relação à realidade que permita a elas ter uma visão mais lúcida do mundo. O artista trabalha com a interface entre a mente e o material, entre imaginação e realidade e isso tudo é muito pertinente para você assumir posições políticas que são reais, puras, mais justas. Todo o resto é opinião. Trabalhar a relação das pessoas com a realidade é o papel político do artista, independente de partido, de posicionamento político. Quando você ensina as pessoas a verem a realidade melhor você está fazendo um papel político.
E está mais difícil fazer isso hoje em dia com essa explosão de imagens e a popularização da manipulação?
Eu trabalho com a ideia de manipulação através da imagem. No começo dos anos 90, com tecnologias como Photoshop, Corel, a imagem fotográfica começou a perder o valor como evidência. A partir daí, eu pensei que se a gente não pode se apoiar na imagem visual, que é algo que temos desde a Idade da Pedra, a coisa vai ficar complicada. Tenho falado muito sobre isso em escolas, sobre como o mundo iria sobreviver à obsolescência do documento visual. A informação visual já não tem mais a condição da matéria impressa. Da mesma forma que o Cézanne pegava o cavalete e ia pintar a paisagem eu estou pintando uma paisagem também, só que a minha paisagem é completamente diferente, metade dela é eletrônica, ela chega a mim por meio de extensões que não existiam na época do Cézanne, ela é feita de bilhões de referências, de um mundo visto através de ferramentas infinitamente mais sofisticadas e ricas do que o visto no século 19. O artista está tentando atualizar a maneira como as pessoas veem o mundo.
Qual é o papel da fotografia no seu trabalho?
A fotografia é a maneira principal como a gente foi desenvolvendo a nossa relação com a nossa realidade. A fotografia ainda é aquela que marca e pontua os eventos das nossas vidas. Tenho uma série nova que se chama Álbum. Sou autodidata, então, durante 30 anos, consegui acumular uma coleção de mais de 200 mil fotografias de álbuns de família que eu compro. A maior parte das coisas que aprendi sobre fotografia foi observando fotografia vernacular, de álbum de família, popular. Eu obviamente estudei a história do meio, a parte teórica, faço minha parte, como profissional, de tentar entender da maneira mais técnica e filosófica possível, mas as questões mais profundas que consegui desenvolver no meu trabalho em relação à fotografia vêm das fotografias comuns que as pessoas tiram. Você vê o desejo, a relação da pessoa com o lugar onde está, o que elas entendem de fotografia, trabalho muito com essa bagagem do espectador, o que ele traz para dentro, o que espera ver, e como eu consigo lidar com essas concessões no meu trabalho.
Quais são os projetos em que está envolvido atualmente e quais as questões que mais têm lhe interessado?
Entre o ano passado e agora, comecei um trabalho completamente novo em que tudo é abstrato. Sempre fiz imagens que representavam alguma coisa. Também estou começando a me envolver em projetos que têm a ver com tecnologia, algumas ferramentas que estou descobrindo que posso usar, e estou voltando a fazer escultura. No Brasil, não tenho nada marcado, mas estava começando a cogitar fazer uma grande exposição de novo e estava falando com o pessoal do MAM para refazer uma exposição itinerante, porque já tem muita coisa nova. Tem um projeto de livro com Aperture Foundation, aqui em Nova York, para o ano que vem.
VIK MUNIZ
Palestra com Vik Muniz sobre sua obra e carreira, com apresentação do escritor Eduardo Bueno, o Peninha.
Domingo, às 17h, no teatro do Hotel Lage de Pedra (Rua das Flores, 222). Ingressos: R$ 80 (ou R$ 40 para os inscritos nos workshops).