Os primeiros estrangeiros do Mais Médicos desembarcaram no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, há cinco anos, em 23 de agosto de 2013. O projeto foi lançado pelo governo federal com o objetivo de amenizar a falta de médicos nos postos de saúde, principalmente nas regiões mais pobres do país. Desde então, 37 mil profissionais do Brasil e do Exterior participaram do programa, que segue recebendo críticas de entidades médicas. Ainda assim, o plano do Ministério da Saúde é ampliá-lo.
Segundo a pasta, atualmente, são 18,2 mil vagas preenchidas em 4 mil municípios e 34 distritos indígenas, beneficiando 63 milhões de pessoas. No Rio Grande do Sul, são cerca de 1,2 mil em 365 municípios. Na primeira fase, apenas 38 prefeituras gaúchas haviam firmado convênio.
— Novos editais estão sendo lançados para atender municípios que não aderiram ao programa — afirmou Rogério Luiz Abdalla, que era secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do ministério, sem especificar o quanto o programa vai ser ampliado.
O secretário concedeu a entrevista na semana passada. Nesta quinta-feira (23), após a reportagem ser veiculada na Rádio Gaúcha, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde entrou em contato para comunicar que Abdalla foi exonerado do cargo, sem detalhar os motivos. A pasta reiterou, no entanto, a informação de ampliação do programa.
Abdalla admitiu que o programa não resolve o problema da carência de médicos, mas contribui para minimizá-lo, especialmente fora dos grandes centros. Foram as "pontas" — locais com "difícil deslocamento" e que eram a "necessidade iminente" do país na área da saúde — que os estrangeiros vieram cobrir, diz Abdalla.
— Em lugares onde não tinha um médico para atender, melhorou 60% — estima.
Essa tendência é corroborada pela plataforma digital do Mais Médicos, na qual profissionais podem tirar dúvidas sobre o sistema.
A demanda que nós tínhamos de falta de médicos diminuiu drasticamente. Havia municípios que deixavam de ganhar recursos federais porque não tinha médicos para abastecer seus programas.
ELSON ROMEU FARIAS
Diretor do Departamento de Ações de Saúde da Secretaria Estadual da Saúde
— A demanda que nós tínhamos de falta de médicos diminuiu drasticamente. Havia municípios que deixavam de ganhar recursos federais porque não tinha médicos para abastecer seus programas. Hoje, isso reduziu muito — relata o médico Elson Romeu Farias, diretor do Departamento de Ações de Saúde da Secretaria Estadual da Saúde.
Farias avalia que o grande mérito do programa, além do reforço de pessoal, foi o de trazer para a sociedade o debate sobre a importância da atenção primária no Sistema Único de Saúde (SUS):
— Nós precisamos avaliar, do ponto de vista funcional, que as equipes de saúde da família do SUS necessitam do médico para melhorar a qualidade da atenção.
Entidades médicas questionam qualidade dos profissionais
Presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Fernando Matos alega que a principal crítica das entidades médicas é de que a origem do programa teve uso político:
— Alguns milhares de médicos brasileiros se inscreveram e nunca foram chamados. O programa tinha cunho eleitoreiro. Havia vontade de passar dinheiro do pagamento dos profissionais para outros países.
Até hoje, os conselhos de medicina não sabem se os profissionais de outros países que vêm para o Mais Médicos são médicos ou agentes de saúde. Alguns casos de falta de habilitação para o trabalho foram comprovados.
FERNANDO MATOS
Presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers)
Matos se refere ao convênio do Brasil com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que faz a intermediação dos contratos com médicos cubanos. A polêmica maior é porque parte da remuneração é enviada pela entidade diretamente ao governo de Cuba. Outro problema, segundo ele, é que não há como fiscalizar os profissionais que vêm de fora:
— Até hoje, os conselhos de medicina não sabem se os profissionais de outros países que vêm para o Mais Médicos são médicos ou agentes de saúde. Não há como fiscalizarmos isso. Alguns casos de falta de habilitação para o trabalho foram comprovados.
O secretário da Saúde de Porto Alegre, Erno Harzheim, traz dados que contestam essa teoria. Pesquisador da área de atenção primária, ele participou recentemente de um estudo nacional encomendado pela Opas no qual foram entrevistados 6,1 mil pacientes em todas as regiões do país. Foram comparados profissionais cubanos e brasileiros do Mais Médicos com brasileiros que não fazem parte do programa.
Nessa primeira parte dos dados da pesquisa, cai por terra alguma ideia, quiçá até um pouco preconceituosa, de que os médicos que vinham do Exterior teriam uma qualidade inferior. Eles têm a mesma qualidade dos brasileiros.
ERNO HARZHEIM
Secretário da Saúde de Porto Alegre
— A análise dessa pesquisa, cuja coleta foi feita ao longo de 2016, ainda não foi finalizada, mas os primeiros resultados mostram uma equivalência de qualidade desse profissionais — aponta.
Segundo Harzheim, os médicos atingiram notas entre 6,5 e 7, numa escala de zero a 10, valor considerado adequado:
— Nessa primeira parte dos dados, cai por terra alguma ideia, quiçá até um pouco preconceituosa, de que os médicos que vinham do Exterior teriam uma qualidade inferior. Eles têm a mesma qualidade dos brasileiros.
Apesar das críticas por parte das entidades, Matos, do Cremers, também vê méritos no Mais Médicos:
— Contribuiu no sentido de mostrar para a sociedade que há necessidade de atendimento na periferia, para os menos assistidos.
Na avaliação de Farias, da Secretaria Estadual da Saúde, a tendência é de que o SUS vá substituindo os médicos estrangeiros e reduza a patamares de outros países que já estão com esse projeto há mais tempo, como Canadá e Espanha.
O Mais Médicos
Participam do programa médicos cooperados (cubanos) e intercambistas (brasileiros médicos formados no Exterior ou de outras nacionalidades) de países como Peru, Uruguai, El Salvador, Venezuela, República Dominicana, Honduras, Palestina, Argentina, Itália, Portugal, Haiti, Guatemala, Espanha, México, Bolívia, Equador e Paquistão.
O contrato dos médicos é de três anos, com possibilidade de prorrogação. Os profissionais recebem bolsa-formação de R$ 11,8 mil e ajuda de custo inicial entre R$ 10 mil e R$ 30 mil para deslocamento para o município de atuação. Além disso, todos eles têm moradia e alimentação custeadas pelas prefeituras.