A possibilidade da implementação de um exame de proficiência para médicos, semelhante ao que se exige dos bacharéis em Direito para que advoguem, voltou a ser discutida. A ideia é tornar obrigatória a obtenção de um bom resultado para que se possa receber o registro profissional e exercer a profissão. Na última terça-feira (5), em Brasília, Lincoln Ferreira, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), uma das entidades defensoras da proposta, discutiu com Claudio Lamachia, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), aspectos jurídicos que sustentam a aplicação do Exame da Ordem e a experiência adquirida ao longo dos anos. Para que a avaliação dos novos profissionais da saúde seja criada, é necessária uma mudança na legislação.
O objetivo do exame, segundo Ferreira, seria criar um "filtro" para garantir a qualidade dos profissionais que chegam ao mercado. Formar bons médicos custa caro, alega o presidente da AMB, e formar maus médicos custa mais caro ainda — a falta de preparo sobrecarrega o sistema de saúde com a requisição de exames desnecessários e períodos de internação maiores, por exemplo. Ferreira critica a abertura de um grande número de faculdades de Medicina no país, muitas delas mal equipadas, não vinculadas a hospitais-escolas e sem títulos de mestre e doutor em seus quadros docentes:
— Essa explosão de escolas não foi acompanhada da estrutura necessária. Consequentemente, é imperativo um exame de proficiência para que a pessoa comprove que está em condição de exercer o seu ofício.
Sobre a proliferação de cursos e vagas "em áreas tão específicas e importantes", Lamachia salientou:
— É algo inquietante e que terá reflexos perversos para a sociedade no médio e longo prazos.
O exame de proficiência médica deve ser diferente do equivalente da OAB, respeitando-se as particularidades da graduação em medicina e variando na periodicidade. Em vez de uma prova aplicada apenas após a conclusão da faculdade, o curso de Medicina poderia ter vários testes nos seis anos de duração. Na atual etapa de discussões, o foco é a criação do exame. O projeto de lei do Senado 165/2017 está tramitando no Congresso Nacional. Uma vez estabelecido o exame de proficiência, a regulamentação ficaria a cargo do Conselho Federal de Medicina (CFM).
— O resultado da avaliação progressiva teria não o intuito de avaliação individual, mas o resultado coletivo seria publicado para que a escola fizesse correção de rumos. Isso culminaria em uma avaliação final, que diria se o aluno poderia registrar o diploma (junto ao Conselho Regional de Medicina) — explica Ferreira.
A proposta divide opiniões. Em nota, a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) se mostrou contrária à iniciativa, justificando que o exame não garante a boa qualidade da formação dos estudantes, o caráter terminal da prova penaliza apenas o aluno e a designação de uma entidade única como responsável pela coordenação do teste pode favorecer posições corporativas e comprometer a credibilidade do projeto. "Reduzir a avaliação à dimensão discente é ignorar a complexidade da formação médica e desresponsabilizar o governo em seu papel republicano de garantir a qualidade do ensino por meio de processos regulatórios (autorização e regulação dos cursos)", diz o texto.
Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers), Fernando Weber Matos também condena a profusão de cursos de baixa qualidade e afirma que a prova seria uma medida para solucionar o problema apenas em parte.
— Seria uma cirurgia de urgência. Não nos resta outra opção a não ser tentar fazer o exame, mas acho que temos que atacar o problema no início. A iniciativa deveria partir do Ministério da Educação, que deveria avaliar as instituições que estão produzindo médicos. O correto é atuar antes que a pessoa se forme. Há famílias que investem até R$ 10 mil por mês em uma faculdade, empobrecem, e depois ficaria o estigma: o cara mal formado que só depois de três, quatro tentativas (no exame) conseguiu o seu registro — afirma.
Seria uma cirurgia de urgência. Não nos resta outra opção a não ser tentar fazer o exame, mas acho que temos que atacar o problema no início. A iniciativa deveria partir do Ministério da Educação, que deveria avaliar as instituições que estão produzindo médicos.
FERNANDO WEBER MATOS
Presidente do Cremers
Jefferson Braga da Silva, decano da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), lembra que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) já avalia os recém-formados nas faculdades de lá — as instituições participantes recebem um relatório de desempenho dos alunos, que têm a identidade preservada, para aprimoramento. O professor acredita que qualquer instrumento de avaliação que contribua com a formação do futuro médico é válido. Ele apoia um sistema que, primeiramente, colabore para avaliar escola. Depois, pode-se pensar em barrar os maus profissionais.
— Para um aluno que é bem formado, fazer mais uma prova, menos uma prova, não faz diferença. Isso contribuiria para aperfeiçoar o ensino — opina Silva, acrescentando que o teste deveria ser aplicado a profissionais em diversos pontos da carreira: — Tem gente que se forma e nunca mais estuda.
Formando da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mateus Lech, 25 anos, é favorável ao exame de proficiência por acreditar que estudantes estejam sendo lançados despreparados no mercado de trabalho, mas teme que a prova exima o governo da função de fiscalizar as faculdades. Seria um erro, para Mateus, uma prova que contemplasse apenas questões teóricas, já que o curso tem grande parcela de atividade prática.
— Uma prova que fosse diluída ao longo do curso seria a forma mais correta, menos injusta, de avaliação — pensa o aluno, que pretende se especializar em oncologia.