A recorrente falta de pediatras no Pronto-Atendimento 24 Horas (Postão) de Caxias do Sul passou a afetar os usuários do serviço até em plantões em que há profissionais trabalhando. Durante a noite de sábado e a madrugada de domingo, as duas pediatras atuando foram ordenadas pela administração do local a não atender novos pacientes, já que a partir das 8h não haveria profissionais para manter o acompanhamento.
A informação foi divulgada pelo vereador Rafael Bueno (PDT) durante sessão na Câmara de Vereadores, na manhã desta terça-feira.
— Sábado à noite tinha pediatras no Postão e eles estavam proibidos de atender. Isso é gravíssimo — declarou.
Um servidor do Postão que quis ter a identidade preservada confirma:
— As crianças que chegassem sábado de noite deveriam ser atendidas na UPA (Unidade de Pronto Atendimento Zona Norte). A gente questionou também o porquê de os pediatras não atenderem. Não tem muita lógica — afirma.
A prefeitura havia divulgado, por nota, que não haveria profissionais atuando das 8h às 20h do domingo, mas nada sobre o plantão anterior. A terapeuta Léa da Silva dos Santos, 41 anos, foi uma das usuárias do serviço surpreendidas pela situação. Conforme relatou ao Pioneiro no fim de semana, ela havia procurado o Postão para o filho Arthur, nove meses, por volta do meio dia da sexta-feira. Ele havia batido a cabeça e precisava ser transferido para um hospital para fazer uma tomografia. Como não havia leitos, os dois ficaram no Postão até as 22h de sábado, quando Léa optou pela transferência para um hospital privado.
— A confusão começou a partir da tarde de sábado. Eu não entendi o motivo, mas disseram que a partir da meia-noite não teria mais pediatras. No horário da troca de plantão (20h), deram alta para quem podia sair e deslocaram os outros para outros locais — lembra.
Mesmo tendo realizado o diagnóstico na rede privada, o marido de Léa voltou ao Postão por volta das 5h de domingo para entregar o laudo.
— Naquele momento, estava tudo vazio e escuro. Já não tinha pediatras, só uma enfermeira — conta.
Por meio da assessoria de imprensa da Secretaria Municipal da Saúde, a diretora-executiva do Postão, Demirse Ruffato, confirmou que o atendimento a novos pacientes foi interrompido às 20h do sábado. Ela explica que, como a demanda durante o dia foi muito grande, os profissionais do plantão passaram a atender somente os pacientes que já estavam na sala de emergência e em observação.
Conforme Demirse, em outras ocasiões em que não havia pediatras, o atendimento a novos pacientes era interrompido cerca de duas horas antes do plantão sem profissionais. No sábado, porém, verificou-se que o tempo necessário para transferir os pacientes internados para outros serviços seria maior. Ela destaca ainda que as pediatras presentes não passaram o plantão sem trabalhar, já que estavam acompanhando os pacientes já internados. Segundo a diretora, atender mais crianças naquele momento seria imprudente.
"O grande problema é não ter profissionais"
O Conselho Municipal de Saúde já tinha conhecimento da decisão tomada pela direção do Postão. Para a presidente da entidade, Fernanda Borkhardt, a situação expõe a o momento grave vivido pela saúde pública em Caxias.
— O grande absurdo é não ter pediatras durante o dia. Eu não tenho como emitir opinião se eles deviam ou não ter atendido (novos pacientes). Eu acho que nessa situação atípica e caótica também fica complicado para os profissionais seguirem atendendo durante a noite se no dia seguinte eles não teriam um colega para assumir aquele plantão — aponta.
A falta de pediatras no Postão e outros problemas do Sistema Único de Saúde (SUS) em Caxias foram discutidos em reunião com o secretário Municipal da Saúde, Geraldo Freitas Júnior, na tarde desta terça.
— Isso não pode mais estar acontecendo, não dá para esperar um pronto-atendimento pediátrico, que não é a solução, para resolver uma demanda que tem que ter uma medida para ontem. Precisamos analisar essas coisas. É um erro achar que só o que falta é o profissional, falta também toda a retaguarda. Depois que atende, ele precisa local adequado, medicação e leito para deixar a criança em observação — defende Fernanda.
Superlotação se repete
O Postão está superlotado há pelo menos três dias. A situação piorou nesta terça, conforme observado pelo Pioneiro. Por volta das 16h, os leitos da emergência estavam ocupados, bem como as poltronas da sala de observação, com 18 pessoas. Pacientes entraram em contato com a reportagem para relatar que por volta das 15h, uma das médicas teria informado aos usuários que a emergência estava lotada. Pelo menos cinco pacientes confirmaram ao Pioneiro que a médica usou a palavra interdição.
O diretor da rede de urgência e emergência do Postão, Fábio Baldisserotto, nega a interdição. Ele deixa claro que essa medida não pode ser tomada sem comunicação prévia ao Conselho Regional de Medicina e ao Ministério Público.
— Há, sim, superlotação, não conseguimos dar vazão aos leitos porque os hospitais que atendem a rede pública estão lotados. Muitos pacientes estão no Postão em regime de internação. Mesmo com a superlotação, qualquer emergência é atendida, e quem faz a regulação dos casos graves é o Samu, por meio do (programa) vaga zero. Casos de pacientes que não correm risco de vida têm de aguardar leito pela Central de Regulação de Leitos. Garanto que nenhum paciente deixará de ser atendido.
A UPA Zona Norte também está com a emergência lotada, e pelo menos oito pacientes aguardavam leito hospitalar há pelo menos 24 horas. No Postão, pelo relato dos usuários que esperavam atendimento nesta terça, desde as 9h havia fila e só por volta das 16h30min os pacientes começaram a ser chamados.
Ecografias
O Postão também não oferecerá ecografias até o domingo, dia 22. O médico que realiza os exames está em licença-saúde. Conforme a diretora-executiva do local, porém, a demanda para o procedimento é baixa e os médicos têm outras soluções para diagnosticar os pacientes.