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Elas usam smartphones como se já tivessem nascido sabendo operar os aparelhos. Navegam na internet como nativos e escolhem os desenhos – e os canais do YouTube – que querem assistir sem a ajuda de ninguém. A julgar pela afinidade que têm com as novas tecnologias e com o mundo cada vez mais imediatista, é de se imaginar que as crianças desta geração sejam menos pacientes do que as de décadas anteriores. Contudo, um estudo da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, mostrou exatamente o contrário.
Publicado em junho na revista científica Developmental Psycology, a pesquisa mostrou o resultado da aplicação de um exame conhecido como teste do marshmallow em crianças nascidas nos anos 2000. Esse experimento, criado há cerca de 50 anos pelo psicólogo Walter Mischel, consiste em oferecer o doce para os pequenos. Eles podem optar por comê-lo na hora ou ter a recompensa dobrada caso esperem o tempo estipulado. Na análise dos resultados dos testes feitos nos anos 1960, 1980 e 2000, ficou evidente que os participantes do segundo milênio esperaram, em média, dois minutos a mais do que as crianças da década de 1960 e um minuto a mais em relação às da década de 1980.
— Embora a gente viva em uma era de gratificação instantânea, onde tudo parece estar disponível imediatamente via smartphone ou internet, nosso estudo sugere que as crianças de hoje conseguem adiar a recompensa por mais tempo em relação as dos anos 1960 e 1980 — disse a psicóloga e líder do estudo, Stephanie M. Carlson.
Explicações para esse fenômeno não faltam: de acordo com os pesquisadores, houve um aumento estatisticamente significativo nos escores de QI nas últimas décadas, crescimento do pensamento abstrato — que pode contribuir nas funções executivas, como atraso na gratificação —, e também um acesso maior ao ensino pré-escolar.
Porém, a psicóloga Denise Quaresma, professora da pós-graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Feevale, levanta outras hipóteses:
— Entendo que as crianças atualmente são privilegiadas pela evolução da sociedade ao respeitarmos e saciarmos as necessidades delas, porém percebe-se que há um excesso prejudicial. Elas acabam não necessitando ou desejando, pois recebem absolutamente tudo antes de sentirem falta, necessidade ou desejo. No passado, ganhar um marshmalow tinha sentido, pois a guloseima era algo especial, desejado. Ao não deixarem este espaço vazio, desejante, os pais impossibilitam as crianças de buscarem, pois o que nos move na vida é o que nos falta, não o que possuímos.
Segundo ela, é como se a vida fosse um jogo de “resta um”, no qual sempre precisamos ir atrás do que nos falta.
— Enquanto não preenchemos todas as casinhas do jogo, nos mantemos nele. Quando o completamos, ele acaba. Diria que as crianças deste estudo, que são as da atualidade, parecem ter todas as casinhas do jogo preenchidas pelos pais, por isso, não buscam o marshmallow — avalia.
Em contrapartida, ela destaca que, ao mesmo tempo que são menos afoitas, as crianças dos anos 2000 são as que mais sofrem com depressão, hiperatividade e as que mais cometem suicídio. Para Denise, mesmo recebendo tudo, essas crianças sentem-se vazias, sem desejos pelos “doces” que a vida lhes oferece como recompensa quando acertam.
Veja como é feito o teste: