Reprovados nos testes científicos dos alimentos saudáveis, pirulitos, balas, salgadinhos, frituras e outras guloseimas terão de deixar a escola. A Assembleia Legislativa do Estado aprovou na terça-feira um projeto de lei do deputado Tiago Simon (MDB) que proíbe a venda desses produtos em cantinas escolares das redes pública e privada.
O cerco ao açúcar e aos produtos industrializados no ambiente escolar segue a tendência mundial de contra-atacar o aumento dos índices de obesidade infantil e de outras doenças relacionadas à alimentação inadequada na infância e na adolescência. Uma estatística regional também fez a diferença nas justificativas para se aprovar o projeto: o Rio Grande do Sul é um dos Estados brasileiros com a maior prevalência de sobrepeso e obesidade entre crianças e adolescentes. Segundo dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) de 2017, quase 17% das crianças gaúchas entre sete e 10 anos atendidas pelo SUS apresentaram peso elevado para a idade. A legislação também chega atrasada frente à de outros Estados, como Paraná e Santa Catarina, que há alguns anos regulam o que é ofertado nas lanchonetes escolares.
Especialista em nutrição materno-infantil da AMA Nutrição e Cozinha e mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFRGS, a nutricionista Mariana Brito, que atua também em escolas de Porto Alegre, celebra a decisão do Legislativo como mais um reforço à consolidação das boas práticas alimentares entre os estudantes. Segundo ela, as famílias têm enfrentado o desafio de garantir diariamente um lanche saudável às crianças, mas, na falta de tempo, optam pelos produtos industrializados ou dão dinheiro para que a gurizada se alimente nas cantinas.
– Pelo menos, se a criança ou o adolescente for comprar, terá opções mais saudáveis. É um pouco do que falamos também aos pais sobre o que consumir em casa. Se não quer que a criança tome refrigerante ou coma doce todos os dias, melhor é não comprar. Na escola, se ela tiver esses produtos à disposição, provavelmente vai optar por eles – diz Mariana.
As instituições de ensino não foram surpreendidas pelo projeto, até porque o tema alimentação saudável já circula com força na sala de aula. Em maio deste ano, o presidente Michel Temer sancionou uma lei que exige a inclusão de educação alimentar e nutricional nos currículos escolares dos ensinos Fundamental e Médio.
A regra passa a valer em novembro, mas muitas escolas já levaram essa questão para o debate com os alunos, em disciplinas e atividades extraclasse. No Colégio Marista Rosário, um dos mais tradicionais da Capital, há um ano e meio, refrigerante e outros doces foram banidos das três cantinas. A decisão começou a ser discutida um ano antes de ser colocada em prática e envolveu pais, professores e os responsáveis pelas lanchonetes – “expulsar” os alimentos nocivos à saúde foi uma decisão quase unânime.
– Foi um diálogo com toda a comunidade escolar. Foram mudanças que implementamos junto a outros projetos pedagógicos para estimular a boa alimentação, como o dia da fruta e as oficinas culinárias – explica a coordenadora pedagógica das séries iniciais do Rosário, Caroline Brandelli Garziera.
Cardápio de desafios na rede pública
Na rede estadual, na qual 500 cantinas operam, a possível nova lei estadual se soma à outra norma que há 10 anos tenta mudar a cultura alimentar dos estudantes. A lei estadual 13027/08 já preconizava mais oferta de frutas e alimentos naturais nesses estabelecimentos, inclusive prevendo a divulgação, nesses locais, de informações nutricionais dos produtos, além de proibir cartazes e publicidade de balas, salgadinhos, refrigerantes e afins. Neste universo de 2,5 mil escolas, o tema alimentação saudável caminha a passos mais lentos, também porque é preciso mais rigor na fiscalização. Como essa lei deixava margem a “interpretações” sobre o que é saudável, as adaptações nas cantinas não ocorreram de forma regular. A coordenadora da Alimentação Escolar do Rio Grande do Sul, Luana Petrini, acredita que a nova proposta, com especificação clara dos itens proibidos, ajudará na batalha para promover bons hábitos à mesa.
– Já temos cantinas adaptadas e outras que ainda seguem um modelo antigo, ofertando esses produtos, porque não tinham, muitas vezes, noção do que de fato era nocivo. Essa proposta vem a somar – diz.
Nas redes municipais, onde a alimentação é fornecida pelas prefeituras, os cardápios têm, via de regra, priorizado produtos in natura. Em Porto Alegre, desde 2012, o foco tem sido reduzir sal, óleo e açúcar no preparo das refeições, além de um desafio mais amplo: levar a educação alimentar às famílias.
– Tentamos, com palestras e reuniões, mas vivemos uma guerra injusta diante da propaganda dos industrializados – lamenta Cíntia Silva dos Santos, coordenadora do setor de nutrição da Secretaria de Educação de Porto Alegre.
O texto final do projeto de lei aprovado na Assembleia deve ser concluído nos próximos dias e encaminhado para análise do governador José Ivo Sartori, que terá 15 dias úteis para sancioná-lo ou vetá-lo, a contar do recebimento pelo Executivo. Se a proposta virar lei, as cantinas terão, considerando o que foi aprovado pelos deputados, 180 dias para adaptação. A fiscalização ficará por conta da vigilância sanitária, das secretarias de Educação e de representações de pais e mestres.
Pontos do projeto
Proíbe a venda dos seguintes produtos em cantinas escolares:
-Balas, pirulitos, gomas de mascar, biscoitos recheados
-Refrigerantes e sucos artificiais
-Salgadinhos industrializados
-Frituras em geral
-Pipoca industrializada
-Bebidas alcoólicas
-Alimentos industrializados cujo percentual de calorias provenientes de gordura saturada ultrapasse 10% das calorias totais
-Alimentos cuja preparação utilize gordura vegetal hidrogenada
-Alimentos industrializados com alto teor de sódio
-Alimentos que contenham em suas composições químicas nutrientes que sejam comprovadamente prejudiciais à saúde
A cantina tem de oferecer
-Pelo menos duas variedades de fruta da estação in natura, inteira ou em pedaços, ou na forma de suco.
-Sucos de frutas, bebidas lácteas e demais preparações cuja adição de açúcar é opcional serão oferecidos ao consumo conforme a preferência do consumidor pela adição ou não do ingrediente.
-O contrato entre a escola e a cantina escolar, quando for o caso, conterá cláusulas observando as exigências desta lei.
-É proibida no ambiente escolar a publicidade de produtos cuja comercialização seja proibida por esta lei.