Em novembro, entra em vigor uma nova resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) permitindo a realização de psicoterapia online. Essa medida atualiza a resolução de 2012, que restringia esse tipo de atendimento a no máximo 20 encontros. Agora, o tratamento completo pode ser feito por meio de dispositivos tecnológicos como videochamadas, mensagens e e-mail, de forma síncrona ou assíncrona (de forma imediata ou não).
Na prática, a mudança não deve interferir na técnica psicoterápica, garantem especialistas. O que pode variar é o formato como ela será feita, presencial ou por meio de computadores, smartphones e aplicativos, diz o coordenador do curso de Psicologia da Feevale, Marcus Levi Lopes Barbosa.
— Essa é uma mudança importante para legitimar e regulamentar o trabalho. Nas universidades, isso não transforma o curso, só que o assunto deve ser mais abordado — prevê.
Tema em discussão desde 2005 pelo CFP, o uso de novas tecnologias dentro da psicologia era permitido, inicialmente, em caráter experimental, direcionado para estudos. Sete anos mais tarde, veio a norma que permitiu os 20 encontros e outras abordagens, como processos seletivos preliminares, aplicação de testes e supervisão.
— Era permitido prestar serviços online somente em formato de orientação psicológica, que é um conceito vago e confuso. Além disso, os profissionais tinham que ter um site cadastrado junto ao CFP, que funcionava como o "endereço" dele — lembra o vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRPRS), Cleon Cerezer.
Para tornar esse processo mais claro, foi formado, no fim de 2016, o grupo de trabalho que começou a pensar na atualização. Integrante dessa equipe, Cerezer diz que ao longo da discussão houve algumas críticas à novidade, mas foi possível chegar ao consenso, que resultou no documento publicado em 11 de maio.
— A ideia é falar de tecnologia em vez de criticar o que não conhecemos. O problema não é a tecnologia em si, mas o uso que eu faço dela — comenta.
Sem mudanças na técnica, a nova modalidade também não deve impactar no preço cobrado pelas sessões, acredita Cerezer.
Prazo de 180 dias deve servir para ambientação à novidade
Alvo de muitos estudos e já em uso em locais como Reino Unido e Estados Unidos, a psicoterapia online é vista com cautela por alguns profissionais. Zuleika Gonzales, professora do curso de Psicologia da Unisinos, destaca algumas questões que ainda devem ser discutidas:
— Em princípio, é um encaminhamento na profissão que nos inquieta e nos convoca a pensar na forte demanda gerada para esta forma de atendimento. Como e a partir do que ela foi gerada? Outro ponto a se pensar é sobre os efeitos que esses procedimentos terão sobre o nosso campo profissional e sobre as pessoas que venham a utilizar essa modalidade de atendimento. Entendo que a resolução procura garantir serviços em psicologia dentro dos princípios e parâmetros estabelecidos nas normativas legais, mas fica a questão: em que dimensão ética se sustenta a relação estabelecida neste serviço psicológico?
Até entrar em vigor oficialmente, o que está previsto para ocorrer no dia 11 de novembro, a ideia é debater, discutir e tirar dúvidas tanto dos psicólogos quanto da sociedade sobre a nova resolução.
Cuidados a serem tomados
Assim como acontece com a psicoterapia presencial, a busca por esses profissionais que atuem online deve ser feita por meio de recomendação de pessoas próximas e de confiança, sugere Cerezer. Fora isso, é imprescindível certificar-se de que o psicólogo esteja com o cadastro junto aos conselhos em dia e ativo. Essa é a garantia de que se trata de alguém habilitado e apto a atender por intermédio tecnológico. Lembrando que a nova resolução não obriga nenhum profissional a atender online.
O texto traz ressalvas importantes no que diz respeito a algumas situações específicas. O atendimento online é vedado em casos de urgência ou emergência, quando há risco de suicídio ou o paciente está em sofrimento intenso, por exemplo. Fica proibido, também, sessões online em casos de desastres _ como o caso da Boate Kiss _ e de violência ou violação de direitos. Em todas essas situações, o profissional deve encaminhar o paciente para um atendimento presencial, seja em consultório ou na rede pública.
— Não é que eu não vou falar com a pessoa. Posso escutar, mas não iniciarei o processo psicoterápico — esclarece Barbosa.
Quando o assunto é psicoterapia com crianças, a nova resolução não traz novidades em relação ao texto anterior, apenas exige que menores de 12 anos tenham autorização dos responsáveis. Fica a critério do profissional avaliar se o tratamento pode ou não ser feito por meio dos dispositivos tecnológicos.
— O contato presencial com crianças faz toda a diferença, mas a decisão fica a critério do psicólogo, que avalia se o meio é adequado ou não. O que pode acontecer é: em casos de adolescentes que não saem da frente do computador, a primeira abordagem pode ser feita online e, depois de "descongelar" essa situação, levar o paciente para o consultório — exemplifica Cerezer.
Como escolher os profissionais:
Busque recomendações de pessoas da sua confiança, como faria para um atendimento presencial
Verifique se o profissional está cadastrado e com registro ativo no conselho regional
Confira no site do conselho se o psicólogo se declara apto a realizar atendimentos online
Casos em que o atendimento é proibido
Situações de emergência: quando o paciente está em sofrimento intenso, por exemplo.
Situações de desastre: casos de comoção pública, que afetem muitas pessoas, como foi o caso da Boate Kiss, não podem ter atendimento online.
Situações de violação de direitos ou violência: quando há casos de agressão ou abusos, por exemplo.
Em todas essas situações, cabe ao profissional indicar um atendimento presencial, seja ele em consultório ou mesmo na rede pública.
Cuidados com sigilo
Lembre-se de garantir que o sistema usado para as sessões esteja protegido, o que garante a privacidade e o sigilo. Se forem usadas mensagens ou e-mails, o paciente precisa estar ciente de que deve manter as informações em segurança.