Há quase dois meses, Santa Maria vive um surto de toxoplasmose, com 460 casos confirmados da doença. Esse já é considerado o maior surto do mundo. O recorde anterior ocorreu entre 2001 e 2002 em Santa Isabel do Ivaí, no Paraná. Lá, foram 426 doentes diagnosticados.
Até o momento, as autoridades públicas não avançaram na confirmação do agente causador da toxoplasmose em Santa Maria. De acordo com Alexandre Streb, superintendente da Vigilância em Saúde, ainda não se sabe também se as pessoas seguem se contaminando ou se elas foram contaminadas no início do surto:
— Essa é a grande pergunta: se existem pessoas se contaminando ainda. Estamos debruçados e correndo contra o tempo para poder responder isso. Os questionários que passamos para a população é que geram os dados para identificarmos, por meio dos exames clínicos, o tempo de contaminação dessa pessoa. Além disso, o questionário também observa, entre outros, os hábitos alimentares, o início e o fim dos sintomas. Essa é uma pergunta que ainda não está respondida.
Pela amplitude com que os casos se dão em Santa Maria, Streb acredita que o vetor de contaminação possivelmente tenha origem em "uma fonte de abastecimento bastante ampla":
— O toxoplasma responsável pelo surto vem de uma infecção em massa e tem uma característica própria. No caso de Santa Maria, acreditamos, pela abrangência que foi demonstrada nos últimos boletins, que isso vem de uma fonte de abastecimento bastante ampla. Não é simplesmente de um açude pequeno, de uma carne de porco que seja, por exemplo, de um determinado rebanho. Os dados sugerem que o surto venha de algo que esteja sendo distribuído nas grandes redes de supermercado, que possa estar sendo utilizado água em comum para abastecer, talvez uma produção de hortaliças que abasteça toda a cidade. Por tudo isso, o fator de contaminação seja algo bastante amplo, que tenha potencial de distribuição dentro da cidade bastante grande.
Complexidade
Streb acrescenta ainda que a complexidade técnica de identificação da causa da doença é um limitador e, logo, torna o trabalho mais demorado:
— A complexidade é um fator a ser levado em conta. Exemplo disso é a própria rede de abastecimento da Corsan. É muito difícil de se coletar amostras e dar uma resposta imediata dessas análises. Outra questão, igualmente complexa, é a rede de abastecimento de alimentos. Recebemos alimentos de vários municípios do entorno, temos grandes redes de supermercados e ainda várias feiras de pequeno porte.
As únicas amostras de água da rede de abastecimento da Corsan foram coletadas em abril e apresentaram resultado negativo para a doença. Streb relata, contudo, que novas análises apenas serão solicitadas a partir de mais informações obtidas por meio dos questionários aplicados aos pacientes:
— Nossas ações são determinadas pelo que esses questionários apontam. Contudo, não podemos ficar esperando respostas muito precisas. O que temos feito é dentro, do possível, realizar fiscalizações em restaurantes, supermercados e feiras.
Números
O município tem ainda 1.116 casos notificados de toxoplasmose, dos quais 166 estão em investigação e 140 foram descartados. Dos 460 casos confirmados, 35 são gestantes infectadas, e dois foram abortos ocorridos em decorrência da doença.
A médica infectologista Jane Costa afirma que tem atendido pacientes que apresentaram os sintomas tanto em março - no início da identificação do surto - quanto recentemente, há algumas semanas:
— Temos, basicamente, duas situações: pacientes que tiveram sintomas em março, assim como pacientes que começaram a apresentar (os sintomas) há uma semana. Ainda não se tem nenhum subsídio para dizer que o surto esteja perdendo força. Continuamos recebendo pacientes novos. Então temos que manter as chamadas "medidas de guerra" que são: água fervida e não ingerir alimento cru. Isso vale para todos.
Jane acrescenta ainda que o trabalho deve ser feito baseado em duas frentes principais - uma de prevenção e outra de investigação:
— Educação da população e a realização incessante de exames até que então tenhamos identificado a fonte desse surto são as duas frentes que devemos trabalhar. Os cuidados básicos da população nos darão uma folga para que novos casos não apareçam, enquanto isso, vamos fazendo exames para identificarmos a fonte.
O tratamento
O Ministério Público Federal (MPF) expediu, recentemente, uma recomendação de fornecimento de alguns medicamentos específicos para o tratamento da doença – que não estão disponíveis na rede de atenção básica – ao Ministério da Saúde. Foi dado o prazo de 10 dias, a contar da última quinta-feira (24), para que a União providencie os remédios, sob pena de judicialização.
Conforme a procuradora da República Bruna Pfaffenzeller, há medicamentos direcionados ao tratamento dos pacientes incluídos nos grupos de risco, como os imunodeprimidos, que são de responsabilidade da União e que não foram repassados.
— Esses medicamentos que são indicados para o tratamento dos pacientes imunodeprimidos, gestantes, crianças ou pessoas com lesões ocular são considerados estratégicos, o que significa que são de competência da União. Porém, não há um protocolo nacional quanto a isso. Sabemos que o governo federal não tem esse estoque e, aparentemente, já se teria aberto uma licitação. Contudo, a entrega desses medicamentos ocorreria apenas em setembro. Dessa forma, o município fez já duas licitações em caráter de urgência para poder adquirir esses medicamentos e se acertar, posteriormente, com a União com relação a isso. O Estado também buscou empréstimos com outros estados que tinham estoque desses remédios, por já terem enfrentado algum tipo de surto.
A Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou a GaúchaZH que conseguiu, por meio de solicitação a outros Estados, 45 mil medicamentos para aqueles pacientes diagnosticados com toxoplasmose.
GaúchaZH solicitou, na segunda-feira (28), uma posição do Ministério da Saúde com relação ao repasse desses medicamentos, mas não obteve retorno até o momento.