Um dos grandes especialistas em toxoplasmose vive em Erechim, no norte do Estado, onde comanda o Centro de Referência em Toxoplasmose. É o oftalmologista Cláudio Silveira, que, além da atuação na cidade gaúcha, leciona na pós-graduação da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo. Para Silveira, um dos principais alertas que devem ser dados aos santa-marienses que tiveram diagnóstico positivo é procurar um profissional para realizar um exame de fundo de olho – uma forma de evitar consequências graves, como a cegueira. Confira a entrevista que ele concedeu ao GaúchaZH sobre o surto de Santa Maria:
Como o senhor vê a situação do surto de toxoplasmose em Santa Maria?
Uma das coisas importantes de alertar é que quem teve um exame positivo precisa fazer um exame de fundo de olho, porque o toxoplasma tem predileção pela retina. Tem de ver se atingiu. Essa doença às vezes se adquire, mas fica latente e vai se manifestar daqui a 15 dias, daqui a um mês, daqui a um ano, daqui a 10 anos. As pessoas devem estar atentas a nuvens, pontos pretos, uma visão de neblina, que são sinais de que é preciso procurar o oftalmologista.
Mesmo sem esses sinais, toda pessoa que teve diagnóstico deve procurar um oftalmologista?
Deve. Todos merecem um exame de fundo de olho, que é feito no próprio consultório, com dilatação da pupila por meio de um colírio. O médico vai procurar lesões, marcas no fundo do olho, áreas de necrose. Às vezes, a lesão é pequena, mas depois funciona como um vulcão.
Qual é a importância de identificar essa situação precocemente?
Tratamento já. Evita a cegueira. O tratamento não tem a capacidade de reverter, mas tem a capacidade de limitar a área que teve necrose. O parasita se alimenta desse tecido e depois que ele comeu fica uma marca para sempre. O tratamento é com medicação. O mais difícil não é tratar, é descobrir.
É frequente essa manifestação de problemas na retina em pessoas infectadas?
Tenho experiência de um surto que ocorreu em Santa Isabel do Ivaí, no Paraná, em 2001. Lá, houve contaminação da água da rede pública, e 600 pessoas pegaram. Examinamos centenas, fui várias vezes. O que aconteceu lá é a regra no mundo inteiro: mais de 10% dessas pessoas vão ter lesão ocular tardia. Essa lesão pode ser grave e deixar a pessoa cega. O mais frequente é que seja nos primeiros meses, mas pode levar 10 anos. É uma doença traiçoeira.
O senhor entende que, no caso de Santa Maria, as autoridades estão lidando bem com a situação?
Casualmente, falei com o prefeito hoje e achei que ele está fazendo as coisas da melhor maneira possível. Santa Maria é uma cidade superbem preparada, tem universidade, tem toda a infraestrutura. O que assusta é que é muita gente. Mas não precisa ter pânico, não passa de uma pessoa para outra.
Qual a finalidade da conversa com o prefeito?
Tenho um centro de referência de toxoplasmose, que é considerado um dos mais importantes do mundo. Temos tratamentos de prevenção que foram desenvolvidos em Erechim e hoje são parâmetro para a Academia Americana de Oftalmologia. Então, como Erechim é referência para o mundo inteiro, nossa ideia é colaborar, e oferecemos nossa infraestrutura. Uma das ideia é tirar o pânico, porque não tem motivo. O que aconteceu é pontual. Vamos cuidar dessas pessoas e não alarmar mais do que o necessário, só o suficiente para que procurem uma orientação. Comparo com Erechim, a minha cidade, um dos centros que tem mais toxoplasmose no mundo. Temos 80% da população de Erechim com toxoplasmose e, desses, 15% a 20% vão ficar doentes. A gente lida com isso todo o dia e não tem problema nenhum. As pessoas estão tratadas, têm vida normal. Não é uma situação de pânico. Disse ao prefeito que o pior problema é o desconhecimento.
Pelas informações que chegam de Santa Maria, o que se pode dizer a respeito da dimensão do surto?
Em Santa Vitória do Palmar, tivemos um caso de consumo de um embutido, que teria sido a causa, por uma família de 16 pessoas. Delas, 14 pegaram toxoplasmose. Isso justificou que o Ministério da Saúde fosse lá e considerasse um surto. Em Santa Maria é muito maior, é significativo, é de grande dimensão. Essa experiência tem de servir para melhorar a água de todas as cidades. Não sei se é a água, mas se for a água, não existe um teste de controle para ver se tem toxoplasmose na água. Tem de controlar a qualidade água que se oferece à população.
Santa Maria, além de ter muitos casos, registrou-os em vários regiões da cidade. Num cenário desses, tão disseminado, o que mais poderia ser além da água?
A água. Além da água, poderia ser a água. Estou brincando, mas imagina: se houvesse uma festa, uma romaria, onde mil pessoas consomem determinado alimento, aí muitas pessoas podem pegar. Por isso a água é uma possibilidade, porque é muito fácil de espalhar. As outras possibilidades são difíceis. Mas não dá para descartar. E também não dá para afirmar sem um estudo. A possibilidade da água explicaria por que foi para tantos lugares e atingiu tanta gente.