Após estudos mostrarem a eficácia do canabidiol — um derivado da Cannabis sativa, a maconha — no alívio de sintomas como convulsões em pacientes com epilepsia, uma pesquisa desenvolvida no Rio Grande do Sul quer agora verificar se o mesmo princípio ativo pode se provar útil também no tratamento de outra doença neurológica: o Parkinson.
O objetivo é conferir se a substância teria a capacidade de reduzir efeitos como os tremores e a rigidez nos músculos de quem sofre com a doença. A pesquisa está sendo formulada na faculdade de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas.
Os estudos clínicos, se aprovados pela comissão de ética da faculdade — processo em que se encontra agora —, devem ser realizados em 120 pessoas com Parkinson em diversos Estados brasileiros. Eles devem ser divididos em três grupos: um que receberá placebo, outro em que serão administradas doses de canabidiol e um terceiro que receberá uma pequena quantidade de tetraidrocanabinol (THC), princípio ativo da erva, junto com o canabidiol, para avaliar seus efeitos.
— Algumas dicas da literatura médica sugeriram que canabidiol poderia ajudar no tratamento do Parkinson. Fomos atrás e vimos que tinha muito pouco estudo sobre isso, então começamos a pensar em desenvolver um trabalho assim. Ainda não houve uma pesquisa nessa escala, e pretendemos desenvolvê-la na esperança de chegar a resultados conclusivos aqui no Brasil — explica Jorge Luiz Winckler, professor regente de Neurologia na Ulbra.
A proposta é trabalhar com pacientes voluntários entre 45 e 75 anos que tenham Parkinson em níveis considerados de moderado a grave para avaliar os efeitos da substância. Winckler estima que o canabidiol não poderá promover uma "cura" para a doença, mas diminuir alguns de seus efeitos físicos mais nítidos:
— Parkinson é como o diabetes, como a pressão alta, no sentido de que você consegue controlar, mas não curar. Minha impressão é de que o canabidiol pode ajudar a melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
O estudo foi apresentado nesta semana durante um simpósio sobre os benefícios do canabidiol que contou com a participação de representantes da Associação Nacional dos Usuários de Canabidiol (Anuc) e da HempMeds Brasil, subsidiária do grupo americano Medical Marijuana Inc. e primeira empresa autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a importar um produto à base de canabidiol no país. O simpósio teve como público-alvo os próprios médicos, já que o uso medicinal da substância só é autorizado no Brasil mediante prescrição de um profissional habilitado.
Conforme Stuart Titus, CEO da Medical Marijuana Inc., a empresa vai fornecer o material necessário para o andamento dos estudos.
— Um grande número de famílias tem usado o canabidiol com sucesso, mas nem o fato de que esse produto está se mostrando seguro convence quem acha que esses pacientes estão usando algum tipo de droga com efeito psicotrópico. Mas acreditamos que mais informação significa menos resistência ao uso do canabidiol — afirma Titus.
Defendendo o caráter humanitário dos medicamentos com canabidiol, o executivo americano estima que, se a pesquisa gaúcha e outras que contemplem mais doenças como a epilepsia e o Parkinson avançarem, esse tipo de produto poderá ser usado em conjunto com remédios tradicionais para diminuir os sintomas dos males neurológicos.
O canabidiol para tratamento de saúde no Brasil
2014
Em maio, em um simpósio sobre o tema em São Paulo, a Anvisa admite pela primeira vez a retirada do canabidiol da lista de substâncias proibidas no país.
2015
A Anvisa retira o canabidiol da lista de substâncias proibidas e o classifica como medicamento de uso controlado.
2016
Em março, é oficialmente autorizada a prescrição médica e a importação – por pessoa física e exclusivamente para tratamento de saúde – de medicamentos e produtos com canabidiol e tetra-hidrocanabinol (THC, também presente na maconha) em sua formulação. Já em novembro, são definidas pela Anvisa regras para a venda de medicamento à base de canabidiol, o que abre caminho, além da comercialização, também para o registro e a produção de medicamentos compostos por maconha no Brasil.
2017
É aprovado pela Anvisa, em janeiro, o registro do primeiro medicamento à base de maconha no Brasil, o Mevatyl, conhecido no Exterior pelo nome comercial Sativex. Em fevereiro, a prescrição de RSHO (Real Scientific Hemp Oil), medicamento à base de maconha, é autorizada pela primeira vez no país para o tratamento de um paciente que sofre da doença de Alzheimer.