Estados e municípios passarão a ter, a partir de 2018, ampla autonomia para a aplicação de recursos repassados pelo Ministério da Saúde. Os R$ 75 bilhões transferidos poderão ser usados de acordo com os interesses de cada gestor, observadas as recomendações dos planos locais de saúde.
— É uma revolução — afirmou o ministro da Saúde, Ricardo Barros.
A mudança, no entanto, desperta grande preocupação de médicos sanitaristas.
— É um desastre para o Sistema Único de Saúde. Com uma portaria, o ministério vai desmoronar uma construção feita ao longo dos últimos 30 anos — afirmou o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gastão Wagner.
Atualmente, 95% do orçamento federal é repassado para Estados e municípios para determinadas ações, como atenção básica, ações de média e alta complexidade, Samu, HIV-Aids e vigilância sanitária. Tais recursos devem ser aplicados tanto por Estados quanto por municípios em ações específicas.
O mecanismo é considerado por Wagner como essencial, para garantir que ações tomadas como de pouca visibilidade mas de grande impacto sejam mantidas em todo o país. É o caso da vigilância sanitária. A partir do próximo ano, o Ministério da Saúde vai continuar repassando o dinheiro em seis blocos (atenção básica, média e alta complexidade, assistência farmacêutica, vigilância sanitária e vigilância em saúde).
A princípio, Estados e municípios têm de respeitar essa lógica. Mas nada impede que, ancorados em uma permissão de conselhos de saúde locais, esse dinheiro seja usado para outra finalidade. Assim, a verba que seria para controle de vetores, por exemplo, poderá ser usada para financiar leitos de hospital.
— Estamos empoderando os municípios. Vivemos ao longo de 20 anos com uma lógica que mostrou que não dá certo — justificou o ministro.
Ele afirmou, por exemplo, que a decisão vai permitir que o município use o recurso de acordo com a sua realidade:
— Não adianta baixar uma norma que não cola.
Pelas contas do Ministério da Saúde, R$ 7 bilhões não foram gastos por Estados e municípios porque os recursos estavam "carimbados" para ações consideradas de pouco interesse local. Ou porque as secretarias não tinham como usá-lo.
A partir dessa nova regra, recursos de custeio serão aplicados de acordo com as diretrizes de planos locais de saúde. Um plano que não foi feito por cerca de 400 municípios. A lei determina que, nesses casos, o repasse não seja realizado. Mas o ministério já avisou que não vai tomar essa medida. A ideia é estabelecer um prazo maior para que tais municípios cumpram a exigência. A fiscalização da aplicação dos recursos será feita a cada dois meses, por meio eletrônico.
— Estamos aplicando o que está na lei e a recomendação dos órgãos de controle — disse Barros.
Wagner, que é também professor da Universidade Estadual de Campinas, não concorda.
— O Sistema Único de Saúde é fruto de uma combinação delicada entre a descentralização, a autonomia de município e a centralização, aquilo que é regra para todo mundo. Há determinadas ações, definidas por representantes de secretarias estaduais e municipais, além do ministério, que devem ser seguidas por todos — completou.
É o caso, por exemplo, do programa Saúde da Família.
— Essa é uma estratégia vitoriosa, que sabidamente tem um impacto positivo na saúde. Se é dada a liberdade, há um risco de municípios retrocederem nessa ação — alertou o professor.
Isso também vale para ações do HIV-Aids e saúde mental.
— Municípios estão felizes porque vão ter liberdade, poderão fazer qualquer coisa. Estados se calaram. Mas nossa expectativa é de que essa mudança será tão ruim que, dentro de algum tempo, diante do impacto negativo, o modelo atual será retomado — disse.
A liberdade para uso de recurso vale para ações de custeio, que representam cerca de 96% dos repasses do orçamento do governo federal. As ações de investimento continuarão a ser feitas por meio de contratos.