Autorizada por uma lei sancionada em agosto de 2014, a aplicação de vacinas em farmácias e drogarias foi regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no começo de dezembro. De acordo com a resolução aprovada pela Diretoria Colegiada do órgão, os estabelecimentos precisam seguir uma série de requisitos para ter o serviço autorizado. Publicada nesta quinta-feira (28) no Diário Oficial da União, a medida levantou críticas de entidades médicas e de enfermagem, que se posicionam contra a regra.
A maior preocupação da categoria diz respeito à segurança dos pacientes em caso de reação inesperada ao imunizante. Ao contrário do que é exigido em clínicas privadas, as farmácias seriam isentas de um médico como responsável técnico, que responde por qualquer evento imediato ou posterior à vacinação.
— Se ocorrer uma reação adversa grave, quem vai prestar o atendimento? Sintomas leves como alergias ou dor local são comuns. Agora, se a pessoa tiver uma convulsão? — indaga a médica infectologista Lessandra Michelin, coordenadora do Comitê de Imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Outras questões apontadas são a complexidade do calendário vacinal (existem precauções e até mesmo contraindicações para determinadas doses em determinadas pessoas, há intervalos a serem respeitados, bem como idades específicas para administração dos imunizantes) e a estrutura da sala de vacinação (que deve ser exclusiva para esta atividade), além da questão da fiscalização, que precisará ser ampliada para dar conta do total de estabelecimentos que ofertarão o serviço.
Ampliação da cobertura é questionável
A ampliação do acesso à vacinação e a redução nos preços em função da concorrência maior são as bandeiras levantadas pela Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), que comemorou a aprovação da Anvisa.
"Na região de Ontário (Canadá), por exemplo, a economia para o sistema de saúde foi da ordem de 41,81% no primeiro ano, graças ao aumento da cobertura vacinal", argumenta nota divulgada pela entidade.
A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) não acredita em impacto nos números de vacinação. Conforme a SBIm, a rede nacional conta com cerca de 36 mil salas de vacinação, o que torna baixa a procura por estabelecimentos pagos.
— É uma parcela pequena que usa a rede privada. Na nossa opinião, o acesso, que é uma das justificativas para a resolução, terá um pequeno impacto nas coberturas vacinais — diz o segundo secretário da SBIm, Juarez Cunha.
Abaixo, veja o que dizem algumas entidades:
Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma)
Defende aumento na concorrência e queda nos preços das vacinas, assim como aumento na cobertura de algumas doses. Sobre as reações adversas, a entidade afirma: "Vacinas são seguras, os efeitos adversos relatados são raros, e os profissionais Farmacêuticos são tão competentes para ministrá-las com segurança, tanto quanto outros profissionais de saúde".
De acordo com nota divulgada pela Associação, a resolução só ratifica as normas que já disciplinam a atividade e coloca o Brasil no mesmo nível de países como Argentina, Austrália, Canadá, Estados Unidos e Inglaterra, que oferecem esse tipo de serviço em farmácias.
Conselho Federal de Medicina (CFM)
"Com respeito à anunciada decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de permitir que farmácias e drogarias comercializem e apliquem vacinas, o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifesta sua posição contrária (...)".
O CFM enumera que a medida expõe os pacientes a riscos em caso de eventos adversos, é desnecessária, pois a rede pública oferece as doses gratuitamente e pode estimular o uso inadequado das doses.
Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI)
Através de um comunicado divulgado à imprensa, a SBI defende que a resolução pode comprometer a saúde da população à medida que não exige responsabilidade técnica de um médico capaz de assistir o paciente diante de uma reação inesperada ao imunizante.
"As exigências determinadas pela Anvisa para esses estabelecimentos comerciais sobre adequação do ambiente, treinamento de profissionais e possibilidade de responsabilidade técnica para profissional não médico são insuficientes para garantir a assistência correta e imediata frente a um evento adverso grave, colocando em risco a vida do cliente. Além disso, os locais de comercialização de remédios não possuem câmara fria para manter, em qualquer circunstância durante o dia e a noite, a temperatura ideal para preservar a qualidade de um produto tão importante."
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
"Permitir a venda e aplicação de vacinas em drogarias e farmácias banaliza seu uso e torna a vacinação mais um produto com finalidade comercial do que uma estratégia para a prevenção de doenças", diz um trecho do texto, que ainda ressalta que a medida é desnecessária, pois o país conta com uma rede de vacinação estruturada, que disponibiliza as doses em postos de saúde e hospitais.
Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)
A Sociedade se preocupa com a resolução e faz uma série de ressalvas quanto à responsabilidade técnica dos serviços, pessoas que sejam capacitadas, principalmente em relação a eventos adversos, estrutura física para vacinação, fiscalização adequada da atividade pensando sempre na segurança do paciente, defende Cunha.
Em nota, a entidade destaca que "vacina é um medicamento, mas a vacinação é um serviço médico", e menciona o rigor ao qual os estabelecimentos precisam se submeter para garantir um serviço de qualidade e seguro, ponto que, segundo a Associação sofre flexibilização com a aprovação da norma.
Salienta um conflito entre informações da resolução. Conforme a entidade, O Manual de Normas e Procedimentos para vacinação do Ministério da Saúde define que "as atividades da sala de vacinação são desenvolvidas pela equipe de Enfermagem treinada e capacitada para os procedimentos de manuseio, conservação, preparo e administração, registro e descarte dos resíduos resultantes das ações de vacinação. A equipe de vacinação é formada pelo enfermeiro e pelo técnico ou auxiliar de enfermagem, (…)", enquanto os termos atuais apenas mencionam a necessidade de um responsável técnico habilitado para a função, sem especificar sua formação.