Em dezembro, com o objetivo de conter um aumento acentuado dos casos de HIV entre os jovens, o Brasil começou a oferecer um medicamento que pode prevenir a infecção daqueles considerados de alto risco. O país é o primeiro da América Latina, e entre os primeiros do mundo em desenvolvimento, a adotar a pílula Truvada, sob um programa conhecido como PrEP, abreviação de profilaxia pré-exposição, como parte integrante de sua política de cuidados de saúde preventivos.
O comprimido azul, que reduz drasticamente o risco de contrair o vírus quando tomado diariamente, estará disponível de graça para brasileiros elegíveis em 35 clínicas de saúde de 22 cidades durante a fase inaugural do programa.
O Ministério da Saúde do Brasil está pagando para o Gilead Sciences, fabricante norte-americano do medicamento, cerca de US$ 0,75 a dose, uma fração do preço que os usuários desembolsam nos Estados Unidos, onde um mês de suprimento da pílula é vendido por até US$ 1.600.
O remédio vem sendo colocado à disposição em um momento crucial no Brasil, com pessoas que trabalham com saúde alarmadas especialmente com o crescimento do vírus entre jovens do sexo masculino e outros grupos considerados de alto risco.
Entre 2006 e 2015, o número de casos de Aids em homens com idades entre 15 e 19 anos quase triplicou, chegando a 6,9 por 100 mil pessoas. Entre homens de 20 a 24 anos, a taxa praticamente dobrou para 33,1 casos por 100 mil pessoas, segundo a UNAIDS, agência das Nações Unidas que coordena as políticas de prevenção do HIV em todo o mundo. Aproximadamente 48 mil novos casos de HIV foram registrados no Brasil em 2016, além de cerca de 14 mil mortes relacionadas com a aids, de acordo com a agência.
Apesar de a transmissão de mãe para filho ter sido significativamente reduzida, cerca de um em dez homens que fazem sexo com homens no Brasil têm HIV, segundo a UNAIDS.
– Nossa esperança é que com a PrEP e outras medidas possamos reduzir a taxa de novas infecções. Mas é um grande desafio – diz Adele Benzaken, diretora do departamento de Aids no Ministério da Saúde do país.
A PrEP está sendo disponibilizada para prostitutas, transgêneros, homens que fazem sexo com homens, alguns usuários de drogas e pessoas cujos parceiros são portadores de HIV.
O Brasil há tempos vem sendo reconhecido por sua energética resposta à epidemia de HIV. Nos anos 1990, o país desafiou empresas farmacêuticas produzindo versões genéricas de antivirais caros, o que diminuiu o preço dessas drogas em todo o mundo. O governo do Brasil compra e distribui mais preservativos do que qualquer outro país e, em 2013, começou a fornecer terapia antiviral gratuita para todos os adultos HIV positivos que buscavam atendimento.
Os defensores do plano de distribuir o PrEP dizem que a experiência brasileira vai mostrar os benefícios econômicos de investir na prevenção.
– Com a adição do PrEP, o Brasil está usando todas as estratégias que recomendamos. Essa é uma operação de larga escala, e o país pode se tornar um exemplo em toda a América Latina de que precisamos ter uma abordagem integrada – explica Georgiana Braga-Orillard, diretora da UNAIDS no Brasil.
Desde que a Administração Federal de Drogas dos Estados Unidos aprovou o Truvada como droga de prevenção do HIV em 2012, vários países procuraram torná-la disponível e acessível para pessoas com risco de contrair o vírus.
Para o primeiro ano do programa brasileiro, o Ministério da Saúde gastou US$2,7 milhões com 3,6 milhões de pílulas. Triagens e cuidados adicionais serão oferecidos de graça em clínicas públicas.
Adele, a funcionária do ministério, diz que o Brasil espera gastar menos com a prevenção no ano que vem, quando versões genéricas da droga chegarem ao mercado.
– Foi um bom negócio. Mas precisamos diminuir o preço ainda mais – afirma a diretora.
Ela conta que duas companhias farmacêuticas, entre elas a Mylan, solicitaram à agência reguladora do país, a Anvisa, a aprovação de versões genéricas do Truvada.
As pessoas têm ficado menos preocupadas com o HIV, o que levou a um declínio no uso de preservativos, segundo José Valdez Madruga, funcionário da Secretaria de Saúde de São Paulo, e um dos coordenadores do teste de uso do PrEP no Brasil realizado antes de sua implementação. O medicamento fornece salvaguardas adicionais.
– Com a PrEP, a decisão fica nas mãos de uma pessoa. Não é necessária a aprovação do parceiro, como acontece com os preservativos – diz Madruga, chefe do centro de aids e doenças sexualmente transmissíveis da secretaria.
Segundo uma pesquisa realizada no Brasil pelo aplicativo de encontros gays Hornet e a UNAIDS, 36 por cento dos entrevistados dizem que provavelmente usariam o PrEP se estivesse disponível.
Os críticos do PrEP afirmam que o medicamento incentiva o sexo sem preservativo, levando à disseminação de outras doenças sexualmente transmissíveis. Marcio Pierezan, de 29 anos, paciente que participou do teste, diz que esses temores são exagerados. Ele começou a tomar a pílula dois anos atrás.
– Foi em uma época em que quatro amigos próximos testaram positivo para o HIV, e eu estava em um relacionamento aberto com uma pessoa que também testou positivo. Tinha um medo constante de ser o próximo, mesmo usando preservativos – conta.
Pierezan diz que a pílula é uma proteção adicional, mas que nunca parou de usar preservativos:
– Ela se tornou parte da minha rotina. Tomo com o café de manhã, e tem sido um grande alívio para mim, meus amigos e minha mãe!
Piero Mori, de 34 anos, analistas de sistemas e homossexual, diz que nunca gostou de usar preservativos, o que significa que novos encontros sexuais geralmente eram motivo de semanas de ansiedade quando ele fazia novamente o teste para o HIV.
– Os preservativos sempre vão ser a proteção mais completa. Mas para quem não pode ou não usa, o PrEP é a salvação. Protege você da doença mais séria – ressalta Mori.
A nova ferramenta do esforço brasileiro para conter a propagação do HIV está sendo lançada ao mesmo tempo em que cortes nos orçamentos de alguns estados levaram a reduções de pessoal e de medicamentos que afligiram vários hospitais. Além disso, escolas públicas que oferecem educação sexual ampla têm sido atacadas por políticos conservadores.
Ainda assim, os funcionários que trabalham com saúde têm grandes esperanças quanto ao impacto que o PrEP pode ter para manter as pessoas saudáveis. Para promovê-lo, eles estão considerando uma parceria com personalidades populares no YouTube e publicidade nos aplicativos de encontros on-line.
– Ainda não temos todas as respostas. Mas estamos usando todas as ferramentas que estão à nossa disposição – garante Adele.
* The New York Times