Por trás das fantasias "assustadoras" que divertem quem passa pela Travessa do Carmo, na Cidade Baixa, neste sábado (26), estão 31 cachorros resgatados da enchente que ainda buscam um lar definitivo. É a festa de Halloween do Aubrigo da Luz — e, talvez, a última. O espaço deve fechar suas portas no próximo dia 14.
Com detalhe por detalhe organizado por voluntários, o evento temático chama a atenção para um problema ainda não solucionado na Capital: a adoção desses animais. Os protagonistas da festa estão vestidos de bruxas, vampiros e diabinhos. Também teve quem se puxou na cozinha: no cardápio à venda no espaço para arrecadar fundos, há docinhos em formato de abóbora, cupcakes com fantasmas de açúcar até bolo imitando cova.
— Lugar de animal não é em abrigo, nem mesmo no nosso. É uma situação transitória, que já dura meses. Precisamos encontrar uma solução definitiva para os 31 cachorros do Aubrigo — reforça Fernanda Ellwanger, fundadora do Santuário Voz Animal, ONG responsável pelo espaço.
O problema que bate à porta do abrigo agora, no entanto, é o calendário. Não houve renovação dos contratos dos sete veterinários que atuam temporariamente no local desde a enchente pela prefeitura de Porto Alegre. Sem responsável técnico, o espaço, que estava cedido até dezembro à ONG, precisará fechar suas portas antes, no dia 15 de novembro.
Fabiana Ribeiro, secretária do Gabinete da Causa Animal da prefeitura de Porto Alegre, diz que os cães não vão "de jeito nenhum" para a rua:
— Já temos dois abrigos credenciados para recebê-los. E outro em processo (de credenciamento). A tutela é do município.
Ainda assim, voluntários como a Sophie Dall'Ollmo, advogada, entendem ser importante manter as condições de vida que os animais possuem hoje no abrigo:
— Tenho receio de que os cães voltem a ter uma rotina estressante, acorrentados e com pouca interação. O que, em um canil com 300 animais, por exemplo, é o que acontece, infelizmente.
Fabiana disse também reconhecer essa necessidade e, por isso, trabalha junto à Procuradoria Setorial do município para a renovação do contrato dos veterinários por mais um mês.
— Mas ainda é incerto, depende do orçamento — pondera a secretária.
Os peludos
Se dependesse da simpatia dos peludos, o problema já estava resolvido. Ao entrar no local, quem recebe o público é um banner com a frase "Adotar é um ato de amor". Depois, o Gigante, um dos animais para adoção. Para quem chega perto, o cão de porte grande surpreende pela sua doçura: oferece a patinha direita, quase como um cumprimento.
— É um dos xodós do abrigo — revela uma das voluntárias do local.
Mas, claro, também há os com olhares tristes. É o caso da Ana Carolina, uma das cachorras do abrigo que teve câncer de mama. Nas próximas semanas, deve retirar as outras, como prevenção. O Zig é outro. Sofreu maus-tratos e se assusta com movimentos.
Para sensibilizar essas histórias e mobilizar mais adoções, a pequena voluntária Martina Santana usou a sua criatividade de nove anos. Com canetinhas e lápis coloridos, desenhou cada um dos animais e colou os retratos nos canis. Hoje, só o Antônio, outro cão do abrigo, não tem — comeu o seu desenho.
— É o olhar dela para cada um deles. Cada um é único, tem a sua história e um traço diferente — se orgulha Luciane Santana, mãe da Martina, analista de negócios e também voluntária do local.
Hoje com 31 animais, o espaço — que começou no estacionamento do shopping Iguatemi — já foi casa para mais de 300 simultaneamente. Restaram os tipos de menor preferência entre os tutores: cães de porte médio e grande, reativos, doentes e mais velhos.