Apesar de estar localizado em uma rua sem saída, o Educandário São João Batista, na zona sul da Capital, representa a porta de entrada de uma nova vida para diversas famílias em vulnerabilidade social. É o caso da de Amanda Dutra, de nove anos. Quando ela tinha cinco, começou a ter convulsões diárias. A menina estava matriculada em uma escola regular, mas não tinha desenvolvimento motor nem de fala. Então, seus pais realizaram uma entrevista com a Secretaria Municipal de Educação e Amanda foi encaminhada para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).
No entanto, os tratamentos oferecidos no local eram pontuais, e não acompanhariam a garota durante sua adolescência. Foi quando Thaiana Dutra de Barcelos e Peterson Bruno da Silveira, pais da menina, conheceram o Educandário, através de uma assistente social:
— Nós chegamos aqui destruídos, porque não sabíamos o que ela tinha. Até conhecer, foi um perrengue, pois todos os outros lugares ofereciam tratamentos a curto prazo. Então, aqui, nós encontramos o lugar certo que ela e nós precisamos — descreve a mãe de Amanda.
A família, atualmente, mora em Palmares do Sul, no litoral norte do Estado. Todas terças e quintas-feiras, se deslocam 150 quilômetros até Porto Alegre para que Amanda tenha suas sessões de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e participe de algumas aulas da escola especial do Educandário. Essas atividades ocorrem das 13h às 17h. O transporte é custeado pela Secretaria de Saúde do Estado, e a melhora da menina é explícita, conforme seus pais.
— Na teoria, a pessoa com deficiência tem acesso aos seus direitos, mas na prática, só tivemos aqui. Toda evolução que ela teve foi graças ao Educandário. O processo não é fácil, mas com o apoio, a gente vê a melhora e tudo faz mais sentido — relata Peterson.
Além das atividades oferecidas pelo local gratuitamente, Thaiana descreve um sentimento de fraternidade e companheirismo entre os profissionais que os atendem e as próprias famílias. É como se uma comunidade se formasse na casa que abriga a clínica e a escola da entidade.
— O Educandário abraça a família. Eles perguntam "como vocês estão?". E, com isso, estamos evoluindo junto com ela. Aqui é uma família para nós, porque as pessoas de fora não entendem a limitação de ter um filho com necessidades especiais. Então, todos conseguimos nos acolher juntos, é como se fôssemos parentes — conta Thaiana.
Festa solidária
Para dar continuidade ao atendimento gratuitamente, o Educandário se mantém, principalmente, por doações. Segundo Priscila Gomes da Silva, profissional de Relações Públicas da instituição há 15 anos, a despesa média mensal do local é de R$ 100 mil. Para arrecadar recursos, a ONG realiza diversos eventos ao longo do ano. Entre eles, a festa de São João, que terá sua edição de 2024 que ocorrerá neste sábado (13). Doações de comidas típicas como pinhão, vinho para quentão, rapadura, pé de moleque, pipoca, pão para cachorro-quente, salsicha, cebola e tomate são bem-vindas. Os alimentos serão preparados e vendidos durante o evento e o dinheiro será revertido para a manutenção da instituição. Porém, os pacientes do Educandário receberão fichas para consumir as gostosuras juninas gratuitamente.
Oferta de acompanhamento contínuo
Rosiele Dutra, mãe de Vicenzo Dutra Frazzon, um ano e sete meses, concorda com o sentimento descrito por Thaiana. Seu filho nasceu com 26 semanas. Por ser muito prematuro, a família já imaginava que o garoto teria que realizar um tratamento específico. Porém, aos três meses de idade, descobriram que Vicenzo também é portador de síndrome de Down. Quando começaram a frequentar o Educandário, encontraram um lugar de afeto, que compreende as dificuldades da família.
— O Educandário foi um presente na nossa vida em todos os sentidos, uma dádiva. Encontrei muito carinho e afeto — finaliza Rosiele, emocionada.
Até os 21 anos
Caminhar pelos corredores do Educandário é ver crianças sendo cuidadas e acolhidas de todas as formas. Na sala de fisioterapia, as brincadeiras e os sorrisos deixam um ambiente de tratamento mais leve. Abraços e cantigas embalam a sala de estímulos precoces, onde é realizado o atendimento inicial de crianças com dificuldades motoras. E conversar com as famílias dos assistidos constrói um fio de esperança.
Segundo Priscila, no Sistema Único de Saúde (SUS), não há um tratamento contínuo disponível nas áreas de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Porém, as pessoas com deficiência precisam de acompanhamento por mais tempo, e é isso que o Educandário se propõe a fazer. Além do atendimento clínico, uma escola de Ensino Fundamental incompleto está abrigada na casa quase centenária na zona sul da Capital.
— Nós atendemos, atualmente, 166 pacientes. Muitos deles começaram o tratamento pelo SUS e tiveram alta, mas ainda precisavam de ajuda. Então, além do atendimento inicial, nós conseguimos dar um acompanhamento até os 21 anos de idade — conta Priscila.
De acordo com Natália Brites, fisioterapeuta do instituição, o objetivo do tratamento oferecido pela ONG é, além da melhora funcional dos pacientes, o de manutenção, para que não precisem de intervenção cirúrgica tão cedo, por exemplo. Para a profissional, tudo está relacionado à qualidade de vida dessas crianças e jovens.
— Nós damos um acompanhamento para dar uma independência dentro do contexto de cada criança. Para que elas consigam demonstrar o que querem. Infelizmente, por desconhecimento e falta de informação, os pais demoram pra vir — conta a fisioterapeuta.
História da instituição
Fundado em 1939, o Educandário São João Batista surgiu de um desejo de inclusão da sua fundadora, Déa Cesar Coufal. Enquanto trabalhava voluntariamente em uma creche de Porto Alegre, a mulher, que pertencia à alta sociedade da cidade, presenciou uma mãe não deixando um de seus filhos na escola, pois ele tinha uma deficiência. Mobilizada, Déa criou a Casa da Criança Inválida, para acolher crianças que tinham a doença poliomielite.
A instituição foi sediada em quartos do Hospital Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre, e em um local na Avenida João Pessoa, antes de ocupar o terreno do bairro Ipanema. Com 84 anos, o agora nomeado Educandário acolhe 166 crianças, fornecendo atendimento em diversas frentes de saúde, além de educação especial nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
Festa Solidária de São João
- Data: sábado, 13 de julho
- Horário: das 11h às 16h
- Endereço: Educandário São João Batista (Rua Tenente Coronel Mário Doernte, 200, bairro Ipanema)
- Mais informações: no Instagram @educandario.sjb
*Produção: Elisa Heinski