Uma força-tarefa deu início, nesta sexta-feira (03), aos resgates de dezenas de pessoas que ficaram ilhadas em meio à enchente no bairro Arquipélago, em Porto Alegre. A base para saída e retorno das embarcações foi estabelecida junto à Usina do Gasômetro.
Botes e barcos motorizados foram colocados à disposição por várias instituições, como Defesa Civil, Exército, Corpo de Bombeiros Militar, Marinha, Guarda-Vidas Civil, Polícia Civil e Polícia Federal. A Polícia Rodoviária Federal disponibilizou apoio aéreo. Empresas e voluntários em geral, por parte da sociedade civil, reforçaram os trabalhos com jet-skis, barcos e lanchas.
O vaivém foi constante pelas águas do Guaíba. A equipe de reportagem de GZH acompanhou o resgate de moradores da Ilha da Pintada. Durante a ida, foi possível observar pessoas no segundo piso de uma casa acenando, pedindo socorro.
— Eu moro numa casa mais alta. O prejuízo foi total. Não foi nada salvo. Tá tudo "colado" no forro da casa — disse um dos moradores socorrido. Ele relatou a existência de muitos vizinhos à espera de ajuda.
Questionado sobre o que levou a permanecer dentro de casa, mesmo diante das previsões dos meteorologistas e alertas emitidos pelos órgãos públicos, ele respondeu:
— A gente tava esperando ver se dava pra salvar alguma coisa. Mas não deu. Perda total.
Centenas de pessoas estavam na orla do Guaíba, apesar do tempo chuvoso. Em plena sexta-feira, em vez de lotarem o espaço para contemplar o "pôr-do-sol mais bonito do mundo", o que mantinha o público por perto era surpresa com o que estava se passando em Porto Alegre e a expectativa de que mais pessoas fossem salvas.
Denise Castro de Lima mora no Centro Histórico, em uma parte mais elevada e que, a princípio, não corre risco algum de inundação. Ciente do que se passava na região, decidiu ir até a Usina do Gasômetro.
— Pra ver de perto o que é a fúria da natureza e ver se eu consigo levar uma mãe com criança para o meu apartamento. Em vez de ir para um abrigo, vai para o conforto de uma casa — relatou a mulher, que teve familiares afetados pela inundação em Charqueadas, na região Carbonífera do Estado.
Supervisão médica e voluntariado
Ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) foram posicionadas de frente para a orla, ficando à disposição de quem precisasse de assistência e até mesmo de encaminhamento para o hospital. Uma das situações atendidas nesta sexta-feira envolveu o socorro a um grupo de crianças com hipotermia.
Todas elas foram socorridas pelos bombeiros em uma das ilhas da cidade. Cada uma foi avaliada pelos profissionais da saúde. Nenhuma apresentou quadro clínico grave.
Médico socorrista do SAMU, Paulo Tigre explicou como costuma funcionar o atendimento a esse tipo de caso, bastante comum porque as pessoas socorridas se encontram em meio a uma enchente, estão molhadas há muito tempo aguardando por resgate. Algumas técnicas criativas foram adotadas diante do contexto atual.
— Primeiro fazemos o chamado "aquecimento passivo", secando, trocando as roupas, colocando um cobertor e uma manta térmica que protege a pessoa da perda do calor que ainda tem no corpo. Hoje, tivemos alguns casos com temperatura abaixo dos 33°C. Alguns voluntários cederam água quente do chimarrão, botamos numa garrafa que já tinha um pouco de água mineral e colocamos nas axilas para aquecer tanto as axilas como a parte abaixo do umbigo.
De acordo com o médico, em casos mais extremos pode ser adotado o "aquecimento ativo", injetando no nariz uma sonda para que a água morna chegue ao estômago e aqueça os órgãos internos.
Próximo à ambulância, foi montada uma tenda de acolhimento às vítimas da enchente. No local, são disponibilizados calçados, roupas e fraldas, além de alimentação. Água, café, bolacha, sanduíche e marmita são algumas das opções oferecidas por voluntários em parceria com a Defesa Civil.
— Como eu moro aqui perto, vim dar um passeio e ver a situação. Aí me deparei com esse ponto de apoio e que não parava de chegar gente das ilhas, então fiquei para ajudar da melhor forma. As pessoas chegam muito fragilizadas, algumas em estado de choque porque foi uma catástrofe. A gente vem esperando uma coisa e não tem dimensão — afirmou um dos voluntários, Tarcísio Soares.
Foi na tenda que GZH encontrou a família do Jeferson Ribeiro, 32 anos. Em conversa com a equipe de reportagem, mencionou que a casa onde mora é bem alta e que a inundação do ano passado havia ficado a alguns degraus da residência, não chegando a atingi-la. Por isso, dessa vez, decidiu ficar por mais tempo na residência - até que ficou impossível de abandonar o local sem auxílio de embarcações.
— É triste ver tudo isso. A minha mãe, que mora do meu lado, teve que sair muito antes de mim porque a casa dela é mais baixa. Ela pediu para eu ficar dando uma olhada. Hoje de manhã, quando fui ver, chorei muito junto com ela porque só ficou o telhado de fora.
Pai de três filhos, entre cinco e 11 anos, Jeferson ressaltou que o que mais importa nesse momento é estarem todos vivos.
— Bens materiais a gente corre atrás de novo pra conquistar. O que mais vale é a vida da gente, da nossa família. Tá todo mundo bem, então fico feliz por isso. A vida é uma só. Minha família está bem então fico muito mais aliviado — concluiu o morador do bairro Arquipélago.
Governador acompanha os trabalhos
O governador do Rio Grande do Sul compareceu, no início da noite desta sexta, à grande base organizada ao lado da Usina do Gasômetro. Eduardo Leite concedeu entrevista à imprensa e disse compreender a aflição das pessoas, mas observou que existe uma grande mobilização - contando com apoio de outros estados - para resgatar quem precisa.
— É altamente angustiante, mas eu asseguro a elas: tudo o que puder ser feito está sendo feito. A gente está em campo com estrutura, com as Forças Armadas, Corpo de Bombeiros daqui e de outros estados que chegaram e que estão sendo empregados, voluntários com capacidade técnica.
Apesar dos esforços, Leite reafirmou que o cenário é preocupante e esta é uma das maiores tragédias naturais já vivenciadas em solo gaúcho.
— As pessoas têm que compreender que é crítica a situação e se colocar em situação de segurança, mas estou torcendo para que a gente possa ter menos elevação das águas e, assim, chegar em quem está em alguma localidade segura, em cima de um telhado, numa pequena ilhota, num pedacinho de terra que ainda não tenha sido atingido, para que a gente possa resgatar todo mundo.