Crianças acompanhadas de adultos, adultos levando idosos e cachorros vira-latas se esgueirando entre pés que sambavam no asfalto quente da Avenida Macêdonia na tarde deste domingo (4), quando a Restinga recebia seu Carnaval de rua com temperatura de 34°C. Não havia com o que se preocupar: no bairro periférico da zona sul de Porto Alegre, todo mundo se conhece e a folia é comunitária.
De uma população estimada pelo IBGE em mais de 60 mil pessoas, cerca de 10 mil devem participar do carnaval da Tinga, segundo os cálculos de José Ventura, presidente do Ponto de Cultura Africanidade, Ong que pleiteou verba no edital da prefeitura para estimular os blocos de rua da cidade. Com apoio de R$ 118 mil, a festa, além de animar a vizinhança, também faz girar a economia local de um bairro tido como um dos mais carentes de Porto Alegre.
— A festa está gerando emprego para a comunidade. Pessoal da limpeza e da segurança são daqui da Tinga, sem falar nas vendas para o comércio local. A maioria das pessoas que participam dos blocos é integrante da mesma família. Ou amigos, colegas, tudo gente que se criou junto. E um cuida do outro para que tudo aconteça da melhor maneira. Aqui nem tem gradil nas calçadas, porque não queremos impedir ninguém de se juntar aos blocos e brincar — disse Ventura, 67 anos, ativista social conhecido na Restinga.
Seis blocos foram chamados para fazer a folia ao longo da Avenida Macedônia, rua residencial em que bares vendem latão de cerveja a R$ 6 e água mineral a R$ 2. Mas um deles atraía atenção especial: o das Donzelas, o mais tradicional do carnaval da Tinga, com mais de 30 anos de trajetória, em que homens se trajam de mulher e elas se vestem como se fossem eles.
De batom vermelho e aplique de fios cacheados até a cintura, Aldo Louzada, 48 anos, fazia trejeitos com as mãos e rebolava até o chão na frente de amigos e família.
— É para descontrair, soltar o meu lado feminino — brincou o motorista que se define como "cria da Tinga".
Vestida de bermudão e camiseta larga, sua filha, Priscielle Costa, 24 anos, mantinha uma postura mais carrancuda.
— Ô, pai! Gatinha! — bradou a jovem ao progenitor, entregando a ele um copo de capeta, bebida com vodka, frutas e leite condensado.
A Tinga contagia. As pessoas são maravilhosas, comunicativas, afetivas.
LUIZA PASSUELLO
Moradora do Hípica com comércio na Restinga
Moradora do Hípica, Luiza Passuello, 61 anos, fez questão de sair do bairro vizinho para fazer folia na comunidade onde mantém um comércio há 15 anos.
— A Tinga contagia. As pessoas são maravilhosas, comunicativas, afetivas. Ao contrário do que todo mundo pensa, que morre de medo da Restinga, aqui é um bairro familiar, todo mundo se preocupa uns com os outros.
Fundador da escola campeã do carnaval de Porto Alegre em 2023, a Estado Maior da Restinga, Flavio Luciano Silva da Conceição também lidera o grupo de samba VGB, criado por ele somente para alegrar e engrossar a folia de uma comunidade cujo tamanho se assemelha ao de uma cidade.
— A Tinga é uma comunidade distante do centro de Porto Alegre, que gosta de festa, gosta de Carnaval. Uma comunidade com milhares de habitantes merece uma festa bem organizada que seja do povo.