Aguardada há anos e envolta em imbróglios no repasse para a iniciativa privada, a concessão do Cais Mauá deu novo passo nesta terça-feira (6). Em leilão com lance único na B3, a bolsa de valores brasileira, a entrega da operação do local à iniciativa privada foi confirmada. O Consórcio Pulsa RS, formado pelas empresas Spar Participações e Desenvolvimento Imobiliário e Credlar Empreendimentos Imobiliários arrematou o projeto no evento realizado em São Paulo.
O critério de julgamento foi o de menor valor de aporte público. No caso desse leilão, a contraprestação pública ocorre no âmbito da transferência do imóvel das docas, que poderá ser utilizado para incorporação imobiliária. Essa estrutura está avaliada em cerca de R$ 145 milhões, que seria o teto para a contribuição do governo (veja mais no quadro abaixo).
O edital da concessão prevê administração privada do trecho da Usina do Gasômetro até a Estação Rodoviária de Porto Alegre pelo período de 30 anos, com investimento previsto de R$ 353,3 milhões. O consórcio terá de reestruturar armazéns tombados e o pórtico central e revitalizar as docas nos cinco primeiros anos.
Durante a cerimônia, integrantes do governo afirmaram que o fato de apenas uma empresa participar do leilão não preocupa. Na avaliação do Piratini, o que mais importa é a participação de um grupo que esteja habilitado para assumir a operação de um empreendimento desse porte e dentro das expectativas. Além disso, reforçaram que o Estado vai fiscalizar o processo para garantir as entregas e auxiliar a concessionária durante a execução do projeto.
— Diria que esse é o leilão mais bem-sucedido. Nem tão inviável a ponto de dar deserto, nem uma barbada tão grande, uma oferta, de quase torrar um patrimônio público tão relevante, a ponto de todo mundo se interessar por esse negócio — reforçou o secretário adjunto da Casa Civil, Gustavo Paim, sobre o fato de apenas uma empresa apresentar proposta.
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, citou a possibilidade de garantir agilidade nos processos de licenciamento da obra, garantindo o bom andamento dos serviços na área. Citando o exemplo do Cais Embarcadero, disse que empreendimentos desse porte reforçam o potencial de turismo na Capital:
— O Embarcadero é um pedacinho do gosto do que vai acontecer com o Cais Mauá. Quando você fala de turismo, fala de emprego, renda, mais gente trabalhando, mais cultura.
Garantias do vencedor
Questionado sobre como o governo se cercou durante a habilitação da empresa proponente para evitar problemas como os observados na privatização da CEEE, vencida pela Equatorial, o secretário de Parcerias e Concessões, Pedro Capeluppi, afirmou que o processo seguiu os pré-requisitos do edital. Ou seja, foi verificada a capacidade da concessionária operar, eliminando aventureiros na disputa, segundo Capeluppi:
— As exigências todas de qualificação e habilitação técnica trazem mais uma série de requisitos para comprovação da experiência, nas pessoas que vão participar da construção da concessionária, da capacidade para poder executar um projeto desse porte, complexo.
Governo prevê início das obras até o fim do ano
O governador Eduardo Leite afirmou que os casos de parcerias, privatizações e concessões que apresentam problemas, como o serviço de energia elétrica no Estado, ganham mais destaque do que os que deram certo, como os da Corsan. Em seguida, reforçou que a entrega do Cais Mauá para a iniciativa privada no modelo atual foi “exitosa”. Na avaliação de Leite, a ausência de outras propostas pode fazer parte de uma estratégia de parte dos interessados baseada no esvaziamento do leilão para realização de uma nova formatação da parceria.
— É altamente exitosa a modelagem que o Estado fez. E será especialmente exitosa quando a gente ver naturalmente as obras acontecendo — disse.
Nas contas de Leite, a expectativa é de assinar o contrato em cerca de 60 a 90 dias a partir da habilitação. Esse prazo conta a partir da homologação da licitação, que deve ser realizada ainda em fevereiro, segundo expectativa do governo. Vencendo essa etapa, os trabalhos no local devem começar nos próximos meses, segundo o governador:
— A partir da assinatura do contrato, (sã0) seis meses para começarem as obras. O que nos dá a expectativa de termos até o final do ano o início das obras, das intervenções dentro desse espaço.
A proposta
- O critério para definir o vencedor do leilão era o de menor valor de aporte público, regra exigida em casos de parcerias público-privadas (PPPs). No caso do Cais Mauá, a contrapartida do governo do Estado é a transferência da área das docas, que poderá ser utilizada para construir edifícios. O espaço foi avaliado em cerca de R$ 145 milhões pelo BNDES, valor homologado pelo Patrimônio do Estado.
- A única proposta para o valor da contrapartida do Estado foi de R$ 144.883.080 — contribuição máxima do governo estipulada no edital.
- Em leilões, normalmente, os competidores oferecem deságio, ou seja, um desconto em relação à contribuição pública.
- No leilão do Cais Mauá, como será doada área, não é possível oferecer desconto. Nesse caso, se houvesse disputa, seria necessário fazer um pagamento ao Piratini em conta vinculada ao contrato, porque um deságio equivaleria a "desvalorizar" a área.
A parceria
- A concessão do Cais Mauá é uma parceria público-privada. O objeto do negócio são os armazéns, que daqui a 30 anos podem voltar para o Estado. Existe a possibilidade de prorrogação por cinco anos, mas apenas para fins de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em caso de remuneração insuficiente.
- A concessionário tem de revitalizar a área, usando R$ 210 milhões no início, e chegando a R$ 353 milhões com serviços de manutenção.
- Como a receita projetada com aluguéis nessa área, na avaliação do BNDES e do Piratini, não seria suficiente para remunerar o investimento, o Estado decidiu complementar, com a transferência do imóvel das docas. Na medida em que as obras forem entregues, serão doados 67,5 mil metros quadrados no total. Como são três trechos de área de cais, será uma parte a cada vez.
- No caso do Cais Mauá, a modelagem alternativa tinha uma peculiaridade. A lei das PPPs prevê que o critério de seleção seja o "menor valor de aporte público". Como a "contraprestação" é patrimônio público, caso houvesse disputa no leilão, o vencedor teria de transformar o "desconto" em um pagamento em conta vinculadas ao contrato.
O local
- O espaço conta com 12 armazéns e três docas, que poderão ser utilizadas para empreendimentos residenciais ou corporativos. Pessoas poderão circular pelo espaço e será proibida a cobrança de ingresso para acesso ao cais a pé. A área tem extensão de três quilômetros e 181,2 mil metros quadrados.
- Além da reforma dos armazéns, o projeto prevê a substituição de parte do Muro da Mauá por outro tipo de sistema de contenção de cheias, que terá de ser aprovado pelos órgãos competentes.
Tentativas anteriores
O leilão estava programado para setembro de 2022, mas acabou sendo adiado para dezembro daquele ano. Nessa ocasião, nenhuma empresa apresentou proposta. Com isso, a disputa foi transferida para o fim de 2023, mas foi novamente delongada a pedido de interessados.
Nos mesmos moldes de leilões recentes no Estado, como os que privatizaram a CEEE, a Corsan e a Carris, a disputa pela concessão do Cais Mauá foi unilateral.
Na semana passada, apenas uma proposta foi apresentada dentro do processo, a do Consórcio Pulsa RS.
A concessão que agora avança ocorre após outra tentativa de entregar o espaço à iniciativa privada fracassar. Em 2010, a empresa Cais Mauá do Brasil assinou arrendamento da área por 25 anos. Em 2019, após uma série de imbróglios, o governador Eduardo Leite anunciou o rompimento do contrato com a empresa, alegando que a companhia descumpriu pelo menos seis compromissos firmados. Ausência de obras, descumprimento de prazos, falta de manutenção de armazéns e problemas em pagamentos estavam entre os pontos citados pelo Piratini na época. Em seguida, o Executivo começou nova tentativa de ocupação do espaço, às margens do Guaíba.