Porto Alegre foi por muito tempo um importante polo industrial, até que as empresas passaram a fechar as portas em busca de espaços maiores e mais baratos em outros pontos do Estado. Agora, investimentos milionários impulsionam uma nova vocação econômica e estimulam a reocupação de espaços urbanos subaproveitados desde que as antigas fábricas deixaram de operar em áreas como o 4º Distrito — centro da nova onda de aportes.
Desde 2020, projetos de abertura de grandes data centers somam quase R$ 1 bilhão já aplicados ou anunciados para instalar estruturas destinadas a armazenar e processar gigantescos volumes de dados digitais. A perspectiva de conectar a cidade a um cabo submarino, o que aumentaria a capacidade e a velocidade de envio de informações, reforça a competitividade da Capital para atrair empreendimentos de tecnologia e inovação.
Os valores envolvidos nesse setor costumam ser expressivos. Nos últimos anos, apenas três empresas respondem por iniciativas que totalizam R$ 965 milhões destinados à implantação de quatro data centers de grande porte, dos quais três já se encontram em atividade. Esse ciclo teve início quando a Elea Digital adquiriu uma antiga instalação da operadora Oi no bairro Bela Vista, quatro anos atrás, e lançou um primeiro centro de dados por cerca de R$ 75 milhões. Depois disso, deu início a um novo empreendimento a ser lançado em fases no 4º Distrito — até agora, foram desembolsados mais de R$ 100 milhões de um total de R$ 400 milhões previstos.
Outras duas corporações completam a lista de planos em andamento: a Scala desembolsou R$ 240 milhões para erguer sua estrutura na Rua Pernambuco, no bairro Navegantes, e a V.tal prevê aplicar R$ 250 milhões em mais um data center também localizado no distrito da Zona Norte.
Mas a relevância desse tipo de estrutura não se limita ao desembolso imediato. A disponibilidade de portos seguros para informações virtuais tende a atrair outras empresas ligadas à inovação que dependem de locais confiáveis para guardar e processar seus dados, e favorece a atração e a permanência de profissionais especializados.
A proliferação desse tipo de empreendimento abre as portas da Capital para uma área em forte expansão no mundo e coloca a cidade na disputa por outros investimentos ao lado de capitais brasileiras mais consolidas nesse mercado, como São Paulo (que já conta com dezenas de unidades), Rio de Janeiro e Fortaleza, no Ceará — esta última, uma cidade considerada estratégica pela proximidade com a Europa e os Estados Unidos e principal ponto de desembarque no país dos cabos submarinos de fibra ótica que permitem a interconexão entre países e continentes.
A multiplicação da nova geração de data centers ocorre pela necessidade cada vez maior de processamento de dados por conta de atividades que vão desde transações bancárias até assistir a um filme por um serviço de streaming ou fazer uma postagem em rede social. Antigamente, era mais comum cada empresa construir uma unidade própria, mas os custos envolvidos e a necessidade de contar com sistemas de segurança cada vez mais robustos estimulam o surgimento de estabelecimentos que alugam o espaço para diferentes clientes. Parte dessa clientela é formada por big techs do porte da Meta, responsável por Facebook e Instagram, que já utiliza uma estrutura do tipo na capital gaúcha (por contrato de confidencialidade assinado entre as partes, não se pode confirmar qual).
— A pandemia intensificou a demanda por dados em todo o planeta, e empresas como Instagram ou Netflix estão tendo de chegar mais perto dos usuários — avalia o diretor do Escritório +4D da prefeitura de Porto Alegre, Vicente Perrone.
Essa iniciativa faz parte de uma estratégia que estimula a construção dos chamados "edge data centers" e favorece localidades como Porto Alegre. Os empreendimentos edge ("borda", em inglês) são instalações que processam, armazenam e distribuem dados localmente, mais próximos do usuário final, o que melhora muito a velocidade de transmissão.
— Quando tu clicas para ver um filme na Netflix, como aparece tão rápido na tua tela? O arquivo daquele filme, provavelmente, está perto de ti. O sistema seleciona o data center mais próximo disponível e envia o arquivo — explica o professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Lucas Schnorr.
Esse ganho de tempo é ainda mais importante para aplicações de última geração como telemedicina, carros autônomos ou internet das coisas (conexão de dispositivos com a rede). Por isso, um número crescente de grandes empresas como Google, Meta ou Amazon, por exemplo, cada vez mais procura processar seus dados mais perto de quem utiliza seus serviços. Porto Alegre tem como vantagem o fato de estar em uma região que abrange o sul do país, o Uruguai e a Argentina.
— O segmento de data centers e edge data centers está crescendo e seguirá nesse ritmo nos próximos anos. Isso se deve às novas tecnologias e aplicações que geram quantidades cada vez maiores de dados, que precisam, ao mesmo tempo, ser transportados e processados o mais rapidamente possível, com baixa latência (tempo de resposta). Manter a hospedagem de conteúdo na borda, ou seja, no local mais próximo possível do uso da aplicação pelo usuário final, é estratégico para as operadoras, e para os provedores de conteúdo que conseguirão viabilizar a baixíssima latência e a melhor experiência para os clientes finais — afirma o vice-presidente de Engenharia da V.tal, Cicero Olivieri.
Para o coordenador do programa de pós-graduação em Computação Aplicada da Unisinos, Rafael Kunst, a vocação porto-alegrense é se tornar uma referência no âmbito do Mercosul.
— A região metropolitana e o interior de São Paulo têm instalações de várias big techs, Fortaleza e Recife também são polos fortes pela chegada dos cabos submarinos da Europa e dos Estados Unidos. Aqui, vamos fazer uma conexão mais focada no Mercosul em razão da nossa posição geográfica, que pode fomentar a vinda de empresas grandes — analisa Kunst.
Por que o 4º distrito
Se o novo cenário tecnológico de data centers mais descentralizados favorece localidades como Porto Alegre, dentro da Capital o 4º Distrito desponta como foco do interesse das empresas desse setor. Um conjunto de razões explica essa atração.
As companhias de inovação se beneficiam, por meio do programa Creative, de uma redução de 5% para 2% na alíquota do Imposto sobre Serviços (ISS) em toda a cidade. No caso do distrito da Zona Norte, caso as edificações atendam a certos critérios de sustentabilidade, também podem receber abatimentos de IPTU e Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
— O 4º Distrito tem ainda outras vantagens, como um custo por metro quadrado mais baixo em comparação a outras regiões da cidade e grandes áreas disponíveis, com espaço para colocar geradores de energia, por exemplo. Data centers demandam muita energia. É uma zona que permite grandes projetos a um custo viável — avalia o secretário de Inovação da Capital, Luiz Carlos Pinto.
Presidente da empresa Elea, que já abriu duas unidades no município, Alessandro Lombardi afirma que o 4º Distrito potencializa vantagens estratégicas da cidade como um todo.
— O sul do Brasil concentra 20% do PIB brasileiro, mas não tem ainda uma infraestrutura compatível. Acreditamos que Porto Alegre acabará sendo um polo de data centers para o sul do Brasil, mas também para Uruguai e Argentina — sustenta Lombardi.
Os planos das empresas de tecnologia não se limitam à Capital. A Scala, que abriu seu primeiro centro de dados no município no ano passado, revela que já tem planos de expansão para outras localidades próximas.
— Planejamos, em uma fase dois, expandir para a Região Metropolitana — confirma o vice-presidente sênior de Customer Experience da Scala, Cleber Braz, ainda sem detalhar o local.
A quantidade de empregos diretos criados nessas unidades não é tão significativa, e costuma variar entre 20 e 50 vagas em cada local. Mas o impacto indireto pode chegar a centenas de postos de trabalho, e ajudar a atrair outras empresas de tecnologia que movimentam setores variados, desde a construção civil até a implementação de sistemas de ar-condicionado, por exemplo — os racks que guardam e processam os dados digitais exigem grande capacidade de refrigeração.
Por isso, é um setor considerado fundamental para pavimentar um novo futuro para o antigo polo industrial do Estado.
Desafios que ainda restam
Na corrida para se consolidar como um centro de distribuição de dados virtuais, Porto Alegre ainda tem desafios a superar no mundo real. Entre eles está a necessidade de aprimorar o nível educacional e de formação de mão de obra especializada na área de tecnologia, além de contornar problemas históricos de infraestrutura como alagamentos que atingem justamente pontos da Zona Norte que vêm concentrando o interesse de empresas ligadas à inovação.
O vice-prefeito Ricardo Gomes admite que o município tem um tema de casa analógico a cumprir nos próximos anos:
— Precisamos avançar em capacitação de mão de obra ainda, fazer um esforço de digitalizar a nossa educação. Mas já temos aulas de programação em escolas municipais.
Gomes também reconhece que será preciso qualificar a infraestrutura urbana em áreas como drenagem e pavimentação.
— A cidade tem problemas, claro. Todas têm. Mas, se formos esperar não termos qualquer problema para ir em busca de inovação, isso não vai ocorrer nunca.
— O importante é que esse processo (de se consolidar como polo tecnológico) não aumenta os nossos problemas, mas contribui para resolvê-los. O que precisa ser feito é termos a capacidade de solucioná-los de forma cada vez mais rápida — sustenta o vice-prefeito.
Ricardo Gomes destaca ainda que a Capital tem trunfos que compensam os eventuais pontos fracos, como suas universidades, instituições voltadas à inovação, como o Instituto Caldeira, bons indicadores socioeconômicos em comparação à média nacional, além de eventos que ajudam a divulgar a cidade internacionalmente como centro de tecnologia, a exemplo do South Summit. Anualmente, o encontro de inovação reúne milhares de pessoas de diferentes Estados e países e buscar reforçar a vocação da Capital para o empreendedorismo digital.