Apesar da inundação do Rio Jacuí, muitos moradores da região das ilhas, em Porto Alegre, resistem a deixar suas casas, mesmo que provisoriamente. A reportagem de GZH acessou de barco, nesta quarta-feira (27), alguns pontos de difícil acesso. As residências mais baixas já haviam sido invadidas pela água, enquanto as mais elevadas eram ameaçadas pelo rio. Muitos moradores preferem se manter dentro de casa, até o último instante, com medo de que os pertences sejam levados por ladrões.
Na Ilha Grande dos Marinheiros, a água está praticamente na porta da residência da dona Maria, 78 anos, e do seu Jorge, 80. O casal de idosos tem esperança de que o nível do Jacuí não suba mais a ponto de tirá-los de casa. Enquanto isso não acontece, eles vão mudando de moradia em moradia, sempre para uma mais elevada. Em 2015, tudo ficou debaixo d'água.
— Passo por isso desde que eu nasci, me criei aqui na ilha. Tá tudo aqui no pátio — relata Maria Aneli Mendonça de Melo ao se referir às memórias da família.
Jorge está acamado. Teve seis acidentes vasculares cerebrais (AVCs), convive com a doença de Parkinson, entre outros problemas de saúde. Acima dele, pendurado na parede da casa de madeira, um quadro com o santo que carrega o mesmo nome.
— Tô acostumado, é a vida, Deus quis assim. Mas é um viver brabo — diz emocionado.
Mudar de endereço não é algo que está nos planos do casal. Apesar dos transtornos em função das cheias, existe um grande apego pelo local onde construíram suas vidas. Seu Jorge e dona Maria prometem morar na Ilha Grande dos Marinheiros até o fim.
Na manhã desta quarta, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, disse entender o medo de perder pertences que mantém as pessoas nas casas, mas afirmou que a prefeitura atuará para salvar vidas na região das ilhas.
— Se a água está chegando na casa e a pessoa não aceita, a orientação é que as pessoas devem ser acolhidas. Ou seja, "por favor, entra no barco, vocês não vão ficar aqui". Porque este momento é de salvar vidas — afirmou Melo, à Rádio Gaúcha.
O prefeito revelou que elabora um projeto de lei, que será enviado à Câmara de Vereadores, com um auxílio para que as pessoas adquiram novamente bens que sejam perdidos, como móveis.
A Defesa Civil de Porto Alegre informa que foram distribuídas centenas de cestas básicas no Arquipélago. No entanto, o ritmo de entregas no momento enfrenta uma dificuldade: o mesmo efetivo leva cestas atende ocorrências, fazendo resgates, por exemplo. O trabalho, então, deve se estender pelos próximos dias.
Contraste
A inundação que atinge o bairro Arquipélago, em Porto Alegre, chama atenção para os contrastes existentes na região. Ao mesmo tempo que é a região é uma das de maior vulnerabilidade social da Capital, ela abriga casas de alto padrão. Os moradores chamam a metade sul das ilhas de "parte rica".
Para o padre Rudimar Dal´Asta, que dá assistência aos moradores do Arquipélago e transformou a paróquia da Ilha da Pintada em abrigo público, o contexto agrava a invisibilidade de muitas pessoas vulneráveis na região.
— Existe uma visão meio conturbada. Dizem que o pessoal está "no meio dos ricos", isso é muito ruim, pois essas pessoas também precisam de cesta básica. Infelizmente, podemos dizer que essa é a uma parte um pouco esquecida. A gente se esforça para trazer um pouco de dignidade — diz o religioso.
Enquanto GZH reportava a situação registrada na Ilha Grande dos Marinheiros, moradores comemoravam a chegada do padre Rudimar, bastante popular na região. Só na parte sul da ilha, 235 famílias são assistidas pela paróquia em que ele atua.