Cerca de 3,8 mil pessoas seguem em suas casas inundadas, algumas delas sem energia há 12 dias por conta do risco de choque elétrico, em Alvorada, na Região Metropolitana. Motoristas, vigilantes, técnicas de enfermagem, pedreiros e outros trabalhadores se vestem de pescadores, com macacões de borracha que cobrem dos pés ao peito, para vencer o metro de água que impede os deslocamentos secos no bairro Americana. As casas mais baixas estão alagadas desde o último dia 11.
Crianças e mulheres foram levadas para a residência de parentes. Homens ficam para proteger os imóveis dos furtos. De acordo com relatos que pedem anonimato, ladrões circulam com barco sem motor, aproveitando a escuridão e abandono das ruas, entram em casas desocupadas e as saqueiam. Alguns moradores resistem para defender o patrimônio - alguns armados chegam a disparar para o céu ou em direção a água pra tentar intimidar os achacadores.
Para os que ficam o banho é gelado, o alimento precisa ser levado a algum local onde exista geladeira funcionando, as refeições são trazidas prontas por doações e voluntários. O Centro de Referência em Assistência Social (Cras) da prefeitura oferece cama seca, comida e roupas doadas, mas a oferta não convence quem prefere proteger a própria casa dos ladrões.
Matheus Torbes, 29 anos, ajuda os vizinhos na Rua Marquês do Pombal levando e trazendo mantimentos com a ajuda de Nathan Silva, 16, piloto da lancha de alumínio que carrega eles. O mais novo anseia pela volta da energia elétrica para a casa onde mora com o irmão Thauã, 22, a irmã Nathália, 11, o pai André Silva, 40, e a mãe Rosimeri, 39. São apenas quatro casas ocupadas em uma faixa de quatro quadras alagadas.
— Somos os primeiros a ter a casa inundada e os últimos a ter a energia religada — queixa-se Rosimeri.
— Se sairmos da casa, no outro dia já levaram tudo — justifica o vizinho Torbes, denunciando a ação dos ladrões que vêm de outros bairros.
Fernando Henrique e Marcos Juliano da Costa, patriarcas de outras famílias do mesmo bairro, se revezam entre a rotina de trabalho e os cuidados com o seus. O primeiro trabalha com construção civil e está hospedado na casa da sogra com os quatro filhos - entre 9 meses e 13 anos. Na noite de segunda, foi até a casa inundada para buscar uma bicicleta para que os filhos brincassem.
— Ainda nem vimos o que foi perdido ou o que pode ser aproveitado, mas tem muita coisa debaixo d'água. Venho todos os dias para ver se roubaram algo ou não — comenta Fernando.
Já Marcos trabalha como motorista de transporte público e não deixou a casa. Diz que sai todos os dias às 6h e volta às 19h. Por volta das 20h, foi buscar a esposa Sílvia, 44, técnica de enfermagem, depois de voltar de ônibus para casa alagada após mais um dia de trabalho.
— Cresci aqui e é isso que acontece sempre. Tem a parte climática, que nunca tinha acontecido nada parecido, mas o maior problema é a falta de investimento na construção do dique e na segurança — avalia, depois de calçar o macacão com botas e antes de caminhar na "lagoa" que cobre a esquina.
As águas do Arroio Feijó vêm da altura da Avenida Protásio Alves, entre Viamão e Porto Alegre, e correm na direção do Rio Gravataí, na divisa de Porto Alegre com Alvorada. O Gravataí, por sua vez, deságua no Guaíba, que seguia com o nível elevado nesta segunda-feira (25).
Este cenário faz com que a água do arroio fique represada, provocando a inundação nos bairros mais baixos há mais de 10 dias.
A previsão do tempo projeta mais chuvas nos próximos dias. O sol voltaria a aparecer apenas na quinta-feira (28). Até lá, a tendência é que os rios, arroios e lagos sigam acumulando água, transbordados e inundando as regiões ribeirinhas e de várzea.
Contrapontos
A CEEE Equatorial afirma que monitora as estimativas de chuvas e faz vistorias locais priorizando a segurança dos clientes. Na noite de segunda-feira (25), eram 420 clientes sem luz elétrica apenas no bairro Americana, de acordo com a comunicação da empresa.
Leia a nota da empresa:
"A decisão sobre este desligamento parte de uma avaliação conjunta entre CEEE Equatorial, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, que analisam os riscos à segurança. Especificamente em Alvorada, a solicitação partiu da Defesa Civil.
As áreas alagadas são monitoradas em vistorias diárias, quando se verifica o nível do alagamento e a previsão de evolução das cheias. Enquanto o nível dos arroios da região se mantiver acima da cota de segurança, não é possível estabelecer nenhum tipo de previsão de normalização do abastecimento."
Procurada por GZH, a comunicação do 24º Batalhão de Polícia Militar (BPM) da Brigada Militar, responsável pela segurança da área, não comenta sobre os furtos e diz que ajuda com resgates e transporte de doações:
"O 24 BPM, através de seus policiais, desde o primeiro dia da enchente vem trabalhando para auxiliar os moradores que foram vitimados pela enchente. Inclusive, no primeiro dia, realizou resgates sem equipamentos e meios adequados devido à urgência que algumas famílias enfrentavam, acessando os alagamentos com a água passando pela cintura. Desde então, a Brigada Militar, em todos os turnos de serviços, tem efetuado patrulhamento, até onde é possível acessar, sem que se corra o risco de acidentes ou danos e pontos fixos na localidade, visando transmitir à comunidade a segurança necessária. Ainda, diariamente, estamos em campanhas para recolhimento de doações de roupas e alimentação, as quais são entregues imediatamente para as famílias atingidas."