O Parque da Redenção é um verdadeiro jardim aberto de obras de arte. Ao mesmo tempo em que monumentos, estátuas, bustos e fontes embelezam o lugar, por outro lado, atraem a cobiça de vândalos interessados apenas em destruir o patrimônio público de Porto Alegre.
Alvos constantes de depredações, pichações e furtos, as peças precisam ser retiradas de seus sítios, restauradas e nem sempre retornam para os locais. Às vezes, precisam ficar escondidas e protegidas das ameaças.
Segundo o Inventário de Monumentos e Obras de Arte do Parque Farroupilha, da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMCEC), 57 itens estão espalhados pelo local. Curiosamente, permanecem nessa lista até aqueles que sofreram algum dano, não se encontram mais completos ou deixaram de ser expostos publicamente.
O busto de Alberto Bins, por exemplo, está sem a cabeça. O de Santos Dumont, que já chegou a ter até o chapéu furtado no passado, necessita de placa de identificação nova, enquanto algumas obras ostentam pichações de todos os tipos.
A arquiteta Manuela Costa, da Diretoria de Patrimônio e Memória, vinculada à SMCEC, avalia quantos monumentos estão danificados atualmente no parque.
— Podemos dizer que 50% dos monumentos da Redenção foram depredados, pichados ou sofreram algum furto — afirma.
Em abril, reportagem de GZH mostrou que a réplica da escultura O Menino da Cornucópia, peça que ornamentava o alto do Chafariz do Roseiral, havia sido novamente alvo de vandalismo no ano passado. Conforme a Diretoria de Patrimônio e Memória, não há previsão de quando a obra voltará ao sítio onde encantava os porto-alegrenses e visitantes de outras cidades.
Localizada nas proximidades da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), entre as avenidas João Pessoa e Paulo Gama, é possível ver a água jorrando na fonte. Mas falta a escultura.
Em torno do meio-dia de quarta-feira (24), o pintor Osmar Batista de Souza, de 60 anos, observava o espaço onde deveria estar O Menino da Cornucópia. O olhar era de desolação.
— Falta educação. É lastimável estar desse jeito. É parte da nossa cultura — lamentava, compartilhando que passeia por ali diariamente.
Dessa maneira, parte da história se perde, ou melhor, vai sendo furtada dos olhos do público.
— O problema principal é no período da noite — prossegue a arquiteta Manuela, acrescentando: — Se começarmos a abrir mão (dessas obras), vamos começar a ter um outro parque. Além do fato de cada monumento contar uma história própria.
Podemos dizer que 50% dos monumentos da Redenção foram depredados, pichados ou sofreram algum furto.
MANUELA COSTA
Arquiteta da Diretoria de Patrimônio e Memória
As agressões aos monumentos do parque são perceptíveis. Parte dessas obras de arte já são réplicas, que também não escaparam dos ataques. Passear pelos espaços da Redenção é dar de cara com bases sem busto, pichações e outros problemas.
— Ficar recolocando para saber que não vai durar é complicado. Por isso, optamos em não recolocar as peças menores, os bustos e pequenas cabeças — explica a arquiteta.
Cada canto do parque possui realidades diferentes, sendo o trecho perto do Viaduto Imperatriz Leopoldina, na Avenida João Pessoa, um dos pontos de maior concentração da ação dos vândalos.
— Se pegarmos o eixo central e a proximidade do Colégio Militar, temos uma situação melhor — percebe Manuela.
Enquanto o cenário não mudar, os bustos e estátuas ficarão guardados em local seguro. Um antigo casarão pertencente à prefeitura, situado na Avenida Independência, abriga muitas dessas peças. A réplica do busto de Joaquim Francisco de Assis Brasil, assim como o de Luís Englert, ambos vindos da Redenção, ocupam espaço dentro do imóvel. Longe dos vândalos e das depredações. Em paz, mas sem visibilidade.
— O furto não é só dos monumentos, estão furtando carros e tampas das lixeiras. É um problema que envolve segurança pública — conclui a arquiteta.
Especialistas sugerem medidas para proteção ao patrimônio público
O historiador da arte José Francisco Alves acompanhou a equipe de reportagem de GZH, na quarta-feira, em visita a alguns dos tantos monumentos, bustos e estátuas da Redenção. Com um exemplar em mãos do livro de sua autoria, A Escultura Pública de Porto Alegre, o autor dava detalhes das obras enquanto avaliava os estragos em alguns pontos.
Em frente ao Chafariz Imperial, que ficava primeiramente onde está o Chalé da Praça XV e depois passou pela Praça Parobé até ser transferido para a Redenção, Alves contextualizava um pouco sobre a história dessa obra.
— O Chafariz Imperial é o último remanescente de um conjunto de sete chafarizes franceses em ferro fundido e um italiano, de mármore, espalhados pela cidade e que tinham a função de abastecimento e de embelezamento.
A bomba d'água não estava ligada, o que deixava as cascatas do entorno do monumento secas. Era possível ver câmeras de monitoramento e luminárias ao redor do espaço.
Não adianta cercar o parque e prender as pessoas. É preciso investir em educação.
MATURINO LUZ
Professor da PUCRS
Em frente ao monumento sem cabeça de Joaquim Francisco de Assis Brasil, o historiador elogiava o que a obra já foi quando estava em sua plenitude.
— O busto é muito bonito e fiel. Foi feito pelo artista André Arjonas.
Entretanto, há rachaduras na estrutura. A placa de identificação está pichada, e faltam outras duas placas maiores. Só sobrou a base, que lembra um pequeno muro.
Nas proximidades de onde fica a estação de embarque do trenzinho da Redenção, outro busto está sem cabeça. Trata-se da obra em homenagem ao ex-prefeito Alberto Bins, feita pelo escultor Antonio Caringi e inaugurada em 1959.
— Um dos maiores prefeitos da cidade. Hoje, é uma memória vazia — lastima Alves.
Questionado sobre o que poderia ser feito para que o patrimônio público não fosse alvo de tantos atos de vandalismo, o historiador enumera medidas que considera fundamentais.
— Seria preciso ter uma boa iluminação no parque para se atrair turistas, ter uma vigilância maior da Guarda Municipal, através de motocicletas, e as habituais câmeras que estão espalhadas pela cidade.
José Francisco Alves, que se coloca como favorável ao cercamento da Redenção, reconhece que essa medida seria muito difícil de ser efetivada.
— O ideal seria cercar, mas é inviável economicamente — analisa, mencionando algumas cidades que têm parques fechados, como Rio de Janeiro, São Paulo e Recife.
Para o professor Maturino Luz, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o problema passa pela educação.
— A melhor ação é a educativa — sugere Maturino Luz, dizendo que é contrário ao cercamento da Redenção.
Para o docente, o vandalismo ocorre também em espaços públicos de outros países.
— Quando era jovem e estudei fora, vi esse mesmo problema em Portugal — relata.
Luz lamenta que nem todas pessoas tenham acesso à educação no país.
— Não adianta cercar o parque e prender as pessoas. É preciso investir em educação — reitera.
Seria preciso ter uma boa iluminação no parque para se atrair turistas, ter uma vigilância maior da Guarda Municipal, através de motocicletas, e as habituais câmeras que estão espalhadas pela cidade.
JOSÉ FRANCISCO ALVES
Historiador da arte
Guarda Municipal pede que população denuncie atos de vandalismo
Segundo a Guarda Municipal, há 26 câmeras de videomonitoramento espalhadas pela Redenção. Existe projeto para criação, até o fim do primeiro semestre deste ano, de um posto fixo, que funcionará 24 horas por dia, perto ao Monumento ao Expedicionário.
— Não há como colocar uma guarnição ou guarda em cada parque 24 horas. Mas cobrimos o máximo de tempo possível de permanência ostensiva no local, justamente para coibir ou prender em flagrante os responsáveis por esses danos ao patrimônio público — esclarece o comandante da Guarda Municipal de Porto Alegre, Marcelo Nascimento.
As denúncias e o videomonitoramento por câmeras auxiliam nas ações da Guarda Municipal.
— Isso depende muito da colaboração das pessoas — reconhece Nascimento, lembrando que quem testemunhar algum ato de vandalismo contra o patrimônio público do município pode ligar para o telefone 153.
Veja como outras cidades do RS lidam com o problema
Em Santo Ângelo, nas Missões, a manutenção dos monumentos nas praças ocorre de forma periódica por parte da prefeitura. Mas um dos segredos para não haver vandalismo ao patrimônio público passa pela educação das pessoas.
— Não sofremos com atos de vandalismo ultimamente. Como tem a questão da identidade cultural da região missioneira, o povo daqui é bem-educado nisso e preserva as esculturas e a sua história — conta o subsecretário de Cultura do município, Douglas Barbosa.
Os espaços públicos em Santo Ângelo ficam sob responsabilidade das secretarias da Cultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano.
— Temos videomonitoramento nessas praças e em pontos estratégicos da cidade. Isso inibe atos de vandalismo que possam vir a ocorrer — garante Barbosa.
Nova Petrópolis, na Serra, é outro exemplo de município bem-sucedido quando o tema é preservar o patrimônio público. Há cerca de 15 monumentos espalhados pela cidade. A manutenção é realizada rotineiramente pelas equipes da prefeitura, que fazem a limpeza e a conservação dos espaços, inclusive das estátuas e dos monumentos.
"A comunidade nova-petropolitana entende a importância histórica e social de cada estrutura e ajuda nos cuidados", compartilha por nota a prefeitura, acrescentando: "Além disso, a maioria dos espaços públicos, como a Praça da Flores, conta com videomonitoramento, o que auxilia a coibir práticas contra o patrimônio e também a identificar quando algo acontece."
Em Bento Gonçalves, também na serra gaúcha, há diversos monumentos em diferentes pontos do município. O Monumento ao Imigrante, na Praça Achyles Mincarone; o busto do General Bento Gonçalves da Silva, na Praça Dr. Bartholomeu Tacchini; e a Pipa Pórtico, na entrada da cidade, são alguns exemplos.
— A Secretaria do Meio Ambiente realiza a manutenção das praças e mantém o cuidado como em casos de pichações. Isso tem diminuído com a presença da Guarda Civil em rondas pela cidade — atesta o secretário da pasta, Osmar Bottega.