Considerada por muito tempo uma das ruas mais badaladas de Porto Alegre, a Padre Chagas, no bairro Moinhos de Vento, vem perdendo público e atrações nos últimos anos. Antes consagrada pela presença de diversos bares e restaurantes, a via agora possui poucas opções de gastronomia e lazer abertas até tarde.
A reportagem esteve no local numa sexta-feira e constatou que pontos antigamente movimentados, como a esquina com a Rua Fernando Gomes, já não apresentam nenhum estabelecimento funcionando durante a noite. Em toda a extensão da rua, eram poucas as pessoas que passavam caminhando, além de um reduzido número de bares e restaurantes abertos.
GZH também visitou a Cidade Baixa, onde constatou que o movimento nas ruas cresceu e voltou a incomodar moradores, reacendendo antigo debate entre eles, os frequentadores e as autoridades; e o 4º Distrito, que busca virar protagonista na noite da cidade, mas com o desafio de não repetir problemas de outras regiões.
Um dos estabelecimentos que seguem abertos na Padre Chagas é o Thomas Pub, remanescente do período pulsante da via. Inaugurado há mais de 12 anos, o bar — chamado atualmente apenas de Thomas — operou por muito tempo em um estilo "irlandês", inspirado nas tradicionais tavernas do país europeu. Ao menos dois outros espaços na rua se valiam do mesmo modelo e acabaram fechando.
Atualmente, o espaço se tornou uma mistura de casa de festas com restaurante. A transformação, segundo o gerente do Thomas, Lucas Ariel, foi uma consequência das transformações sofridas pela região.
— Hoje a vida noturna da Padre Chagas se resume ao Thomas. A gente sente muita falta dos outros comércios, ficar sozinho nunca é bom. Recentemente tivemos que mudar muito o conceito da casa para se adaptar ao mercado. Ao perceber que estávamos isolados aqui, pensamos ser necessário mudar a estratégia. Hoje, preferimos abrir mais tarde, pois o happy hour já não possui um movimento tão significativo — comenta.
A gente sente muita falta dos outros comércios, ficar sozinho nunca é bom.
LUCAS ARIEL
Gerente do Thomas
O "esvaziamento" do coração do Moinhos de Vento impactou também o movimento em ruas perpendiculares, como a Hilário Ribeiro. Alguns importantes estabelecimentos que atraíam frequentadores para a região já não funcionam mais. Uma tradicional hamburgueria, por exemplo, que abriu as portas em outras partes da cidade, decidiu encerrar as atividades na rua em janeiro deste ano. Até o momento, nenhuma outra empresa adquiriu o imóvel.
O guardador de carros Dirlei Santos trabalha nesse ponto há 25 anos. Se antes os espaços para estacionar na rua eram raros, diz que hoje há poucos carros para vigiar.
— Com a pandemia se arrastando, muito lugar fechou, aí o movimento diminuiu. Antes, tinha muito mais gente circulando na rua. Começava pelo meio-dia e ia até 11 da noite. As pessoas andavam pra cima e pra baixo — conta Dirlei.
São vários os motivos que ajudam a explicar a mudança na Padre Chagas. Uma delas remonta ao período mais severo da pandemia: em meio às restrições econômicas e sanitárias, muitos jovens acabaram escolhendo a rua para passar as noites e madrugadas, causando aglomerações então proibidas.
O ponto escolhido era a esquina com a Rua Luciana de Abreu, onde ficavam bares que vendiam bebidas alcoólicas. Com isso, Guarda Municipal e Brigada Militar dispersaram diversas reuniões, em alguns casos com centenas de pessoas. Em um desses episódios, em junho de 2021, chegou a ser registrado um público de 2 mil pessoas nas calçadas.
— Há uma série de fatores que explicam esse fenômeno. Na época, a rua ainda era referência para eventos abertos, em razão do St. Patricks (festa irlandesa que era comemorada no Moinhos até 2019, mas que passou para o 4º Distrito em 2022). Tinha também a questão da proximidade, é uma zona central da cidade, de fácil acesso. E, por fim, tinham dois bares que existiam, bem próximos uns dos outros, que acabavam atraindo esse público — explica o presidente da Associação de Moradores e Empresário do Moinhos de Vento (AME Moinhos), Claudio Goldsztein.
Em razão desse fenômeno, os moradores começaram a se mobilizar para que a prefeitura colocasse regras mais rígidas na região. Em novembro de 2021 foi publicado um decreto com normas de convivência, similares ao colocado em prática na Cidade Baixa. A medida exige que bares, restaurantes e similares funcionem apenas na parte interna a partir da meia-noite. Além disso, a atividade de ambulantes fica proibida entre meia-noite e 7h.
A avaliação das autoridades é de que, no Moinhos, as medidas foram positivas para evitar conflitos com quem vive no bairro. Dados da BM apontam que em abril deste ano foram apenas duas ocorrências por perturbação de sossego na região.
— Chegou uma época em que o número de ocorrências por perturbação era similar à da Cidade Baixa. Com o decreto, a situação melhorou muito. Dá para se dizer que a região, em termos de perturbação alheia, está praticamente pacificada — analisa o comandante do 9° Batalhão de Polícia Militar (9° BPM), tenente-coronel Fábio Schmitt.
"A boemia aqui está um pouco mais tranquila"
Ao final do período de isolamento social, o retorno esperado da população aos bares e restaurantes não se concretizou. Isso porque muitos estabelecimentos que fecharam as portas na fase mais aguda da pandemia acabaram não reabrindo.
Presente na Padre Chagas há 20 anos, a empresária Vivian Gobatto Neuls considera que, assim como muitos negócios fecharam, outros começaram a surgir a partir de 2022, mas sem a mesma estabilidade econômica.
— Acho que o pessoal guardou um dinheirinho depois da pandemia e quis empreender com alguma coisa, mas não sabe fazer e, por isso, fecha logo depois — explica Vivian, que faz parte da associação dos comerciantes da Padre Chagas.
No entanto, não são apenas motivos negativos que explicam a diminuição de público na rua. Para Vivian e outros frequentadores consultados pela reportagem, há um aumento na oferta de bares e restaurantes em outras partes da cidade, incluindo regiões próximas, como a Rua Nova York, no bairro Auxiliadora, e as ruas Miguel Tostes e São Manoel, no Rio Branco.
— Às vezes, alguns turistas que ficam em hotéis próximos vêm até minha loja pedir indicação, a partir de locais que eles pesquisaram. Antigamente era tudo por aqui. Hoje já aparecem locais próximos à Usina do Gasômetro, por exemplo. Tem muita coisa boa abrindo em outros lugares da cidade — diz Vivian.
No próprio Moinhos de Vento há um movimento de novos locais abrindo em outras vias, como a Dinarte Ribeiro e a Praça Doutor Maurício Cardoso. Em grande parte destes estabelecimentos, o movimento principal se dá na parte interna, com poucos clientes na rua.
O gerente de um dos bares localizados na praça, Daniel Priebe, reconhece que, mesmo com boa presença de público, o perfil da boemia no bairro não é mais o mesmo. O negócio especializado em cervejas artesanais, que possui franquias em outras regiões de Porto Alegre, abriu já no processo de retomada econômica, no final de 2021.
— A gente nota que o fluxo de movimento vem melhorando ao longo dos meses, mas tu sente que é um público do bairro. Não existe mais aquela movimentação entre bairros, de pessoas que vêm de fora para consumir no Moinhos. A boemia aqui está um pouco mais tranquila — reconhece.