Nem a chuva que caiu na madrugada deste domingo (5) ofuscou o brilho das escolas que estiveram na passarela do samba no Complexo Cultural do Porto Seco, na zona norte de Porto Alegre. Dias antes do evento, a segunda noite dos desfiles de carnaval teve todos os ingressos esgotados.
Com arquibancada cheia e camarotes repletos, a expectativa por uma retomada — desta vez, sem restrições sanitárias impostas pela pandemia ou adiamentos — foi superada. As agremiações da série Ouro que pisaram na passarela Carlos Alberto Barcellos Roxo na segunda noite foram: Império do Sol, Imperadores do Samba, União da Vila do IAPI, Estado Maior da Restinga e Realeza.
Entre os destaques no Carnaval deste ano está a estrutura que foi montada e os diversos serviços de órgãos da administração da Capital que estavam no Porto Seco. A prefeitura mobilizou atendimento de áreas essenciais como segurança, saúde, assistência social, trânsito e transporte, tecnologia, limpeza e fiscalização.
— A segunda noite está incrível. Por vários anos o Carnaval foi da resistência e esse ano está sendo da retomada. A prefeitura e a Secretaria da Cultura voltaram a investir no Carnaval de Porto Alegre e a festa está voltando a ser como nos tempos áureos — afirmou o Rei Momo, Luiz Pablo Gawlinki.
Os jurados terão trabalho para escolher a vencedora deste ano. A apuração está prevista para segunda-feira (6), a partir das 14h, no Porto Seco. Confira o que cada escola da série Ouro levou para Avenida do Samba na segunda noite:
Império do Sol
Com quase uma hora de atraso, a Império do Sol abriu os desfiles da série Ouro. O enredo da escola defendeu um dos direitos garantidos pela Constituição Federal: "Resido na Morada do Amor, Faço este Samba com Emoção para Falar do Direito à Habitação".
Para apresentar as características habitacionais do Brasil e a luta pela casa própria, a escola trouxe para a avenida quatro carros alegóricos e um tripé. Mulheres grávidas e mães ao lado de filhos formaram a comissão de frente para representar o primeiro lar. O abre-alas da Império do Sol usou do imaginário de uma criança aprendendo a construir um lar, desde casas mais simples a castelos.
— A Império do Sol trabalhou o ano inteiro em prol dessa única noite, e a gente veio preparado e vamos incomodar (as escolas concorrentes) — afirmou Isabel Milano, primeira passista.
Segundo ela, um detalhe emocionante estava presente na bateria. O rosto do intérprete Joel Alves, que faleceu no ano passado, foi estampado nos instrumentos como forma de homenagem.
— Nós perdemos o nosso intérprete, Joel Alves, depois de 32 anos na escola, é o primeiro Carnaval que vamos desfilar sem a voz dele. A escola inteira já está emocionada porque é muito diferente para nós pisar na avenida sem o Joel. Mas ele está no nosso coração — disse Isabel.
Imperadores do Samba
Ao som de gritos e aplausos vindos do público, a Imperadores do Samba trouxe para a pista da Zona Norte um dos mais emblemáticos palcos do Rio Grande do Sul. A vermelho e branco, campeã do Carnaval de 2022, apresentou o enredo "Theatro São Pedro: Sublime Sobre o Tempo", como forma de homenagear a história dos 165 anos do local.
Na concentração, Luana Campos Costa, a primeira mulher a presidir a Imperadores, detalhou a expectativa da noite:
— Ansiedade, coração a mil, mas a escola está bonita e está saindo tudo como planejado. Estamos na expectativa do bicampeonato, vamos brigar por ele.
Um dos desafios dos carnavalescos foi a chuva forte no momento da apresentação. Carnavalescos fantasiados de fantasmas, representando os guardiões do Theatro São Pedro, abriram a pista. No carro abre-alas, o veludo vermelho das cortinas já remetia ao cenário do teatro. A alegoria também trouxe um piano estilizado, homenageando a Orquestra do Theatro São Pedro, pela primeira vez regida pelo maestro Joaquim José Mendanha.
Não faltaram referências a espetáculos ao longo do desfile, como as peças Bailei na Curva e Tangos e Tragédias — que foram as que ficaram mais tempo em cartaz. Os integrantes da bateria, fantasiados de espantalhos, fizeram alusão aos personagens de O Mágico de Oz, peça encenada no palco do teatro. Um dos ápices da apresentação foram as acrobacias realizadas pelo Grupo Tholl, de Pelotas, na ala Imagem e Som.
— Foi feito um trabalho muito coeso e conciso o ano inteiro. Acabou o Carnaval do ano passado e a escola já começou a se preparar com tema do Theatro São Pedro. O que apresentamos na avenida é um show à parte, tudo que acontece no palco do teatro passou pela pista — afirmou a rainha de bateria, Priscila Freitas.
União da Vila do IAPI
A União da Vila do IAPI foi a terceira escola da noite e entrou na avenida com uma temática oriental, em homenagem aos 60 anos da imigração sul-coreana no Brasil. O enredo "Na Locomotiva da Memória, a Vila Canta Bodas de Diamante, Integração Brasil/Coreia do Sul" mostrou um desfile dividido em quatro setores com quatro alegorias e um tripé.
A chuva também foi um obstáculo no trajeto da escola. Alguns tiveram que abandonar seus calçados para não escorregar na pista molhada. A primeira alegoria fez referência à tecnologia coreana, com um tigre que abria a boca e mostrava a locomotiva, símbolo da escola. A segunda alegoria destacou o Rei Sejong, em escultura, além de composições que remeteram à culinária coreana.
— A expectativa está muito grande. Só a chuva foi algo inesperado. Deu tudo certo, alegorias e destaques tudo pronto. A escola se dedicou muito — disse o carnavalesco Sérgio Guerra, que há 16 anos se dedica à IAPI.
A apresentação da escola trouxe uma mistura de culturas ao longo da pista, destacando o legado e o respeito aos antepassados.
— Fiquei cinco anos sem desfilar e esse ano decidi desfilar porque a Vila do IAPI é minha escola do coração. Estamos com um propósito muito grande e muita garra — afirmou a musa Quelen Rodrigues, que atualmente mora em Florianópolis.
Estado Maior da Restinga
O cisne imponente entrou na pista ao som do seu lema: “Tinga teu povo te ama”. Sob aplausos da plateia, a Estado Maior da Restinga levou para a avenida o enredo "Bendita és tu Anastácia, Negra dos Olhos Azuis". A apresentação em homenagem à mulher que se tornou símbolo de resistência à escravidão e luta contra o preconceito racial contou com 21 alas e quatro alegorias.
— A escola está preparada, vamos apresentar um belo espetáculo para Porto Alegre porque a cidade merece. A surpresa é na bateria — adiantou Hélio Garcia, diretor de Carnaval da Restinga.
A primeira alegoria trouxe referência à região onde os antepassados de Anastácia viviam antes da escravização. Presente na composição do carro, o cisne grande em tom mais escuro. Ao longo do desfile, alegorias também destacaram o período da escravidão e a religiosidade de Anastácia.
Em frente à bateria, Viviane Rodrigues desfilou pela última vez no posto de rainha. Emocionada, ela afirmou que a escola está preparada para ser campeã:
— É um momento muito importante para mim. Encerramento de um ciclo para iniciar outro. E tenho certeza que a Estado Maior da Restinga está com muita vontade de vencer, a comunidade veio cantando o samba e daqui uns dias queremos cantar “é campeã”. Faz 12 anos sem título e agora chegou nossa hora.
A bateria foi responsável por um dos ápices do desfile, quando os integrantes fizeram uma coreografia, com movimentos de reverência, que parava por alguns instantes o andamento da ala.
— Os guris da bateria ensaiaram muito para que esse momento fosse grande destaque do desfile — afirmou Viviane.
Realeza
A segunda noite foi fechada pela Realeza, escola promovida ao grupo principal no ano passado. Com o dia raiando e sem chuva, a escola apresentou uma homenagem a Nega Lu, personagem ousada e perseverante que deixou sua marca na cena boêmia da Capital.
— A escola no grupo principal depois de muitos anos, a comunidade está muito feliz e estamos focados para permanecer (na série Ouro) — disse Maurício Santos, vice-presidente da Realeza.
O enredo "Divina Realeza do Basfond é uma Dama de Barba Malfeita" contou com um espetáculo em 14 alas e três alegorias. Entre as referências, a escola mostrou a ligação da personagem com o Carnaval e a paixão dela pela cultura francesa, elemento que se fez presente em diversos momentos.
O abre-alas remontou de forma lúdica a “Encruzilhada do Samba”, título atribuído ao local onde a escola realiza seus ensaios. A segunda alegoria retratou os palcos onde a homenageada atuou, desde cenários da boemia aos dos grandes teatros. O último carro apresentou um altar para Nega Lu em um palco iluminado.
Um dos autores do samba-enredo, o ator e comediante Marcelo Adnet desfilou no Porto Seco. Adnet, emocionado, enalteceu o Carnaval de Porto Alegre:
— Está sendo emocionante demais, é o Carnaval mais popular do Brasil e o Carnaval que mais merece crescer é esse aqui. Esse Carnaval merece todo apoio, das instituições, da prefeitura, do governo. Apoiem e deem carinho para o Carnaval de Porto Alegre e a gente vai corresponder vocês.
Adnet também manifestou carinho pela escola.
— Maravilhosa, a escola que conheci, fui até a Encruzilhada do Samba. É uma escola que me fez muito feliz e me recebeu muito bem. Estou apaixonado e espero sair muito mais com a Realeza em Porto Alegre — afirmou o ator, que foi ovacionado pelo público no trajeto.
Encerrando a noite, a Realeza arrastou o público na avenida até a dispersão.