Desde fevereiro, quando entrou em vigor o projeto que prevê a extinção gradual dos cobradores de ônibus em Porto Alegre, quatro em cada 10 linhas já operam sem o profissional. Segundo dados da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU), até agora, 101 linhas da Capital já circulam apenas com o motorista, o que representa 37,5% do total de 269 itinerários da cidade.
A meta da prefeitura é reduzir em 25% o efetivo de cobradores no transporte público da Capital até o fim do ano. Até agora, chegou a 21,5%. O planejamento do Executivo prevê extinguir totalmente a função em 2025.
Apesar de os planos da prefeitura estarem avançando como o esperado, a medida ainda provoca estranhamento entre passageiros. GZH acompanhou a movimentação no ônibus da linha 490.6 Morro Santana/Jardim Ypu, que liga os dois bairros da Zona Leste ao Centro Histórico, durante o final da tarde de terça-feira (8), considerado horário de pico.
O agricultor Adelmir Bibergue, 64 anos, mora em Santo Antônio da Patrulha e ainda não havia utilizado o transporte da Capital desde que a mudança passou a vigorar. Ao entrar no coletivo, ficou alguns instantes olhando para o assento vazio do cobrador, até ser chamado pelo motorista.
— Achei meio estranho. Pensei: “será que eles só aceitam cartão?”. Aí o motorista me chamou pra pagar para ele, só ali eu entendi — conta.
Reduzir número de pagantes é principal desafio
Embora a maior parte dos passageiros utilizasse o cartão TRI, muitos entregavam dinheiro ao condutor. Quando o pagamento era feito com valores maiores, era preciso parar o veículo para a devolução do troco.
— Por eu ter uma cédula menor, não demorou muito, mas tem gente que paga R$ 50 e aí tranca bastante a entrada — conta a estudante Isadora Moraes, que precisou usar dinheiro pela primeira vez com o novo sistema.
Conforme mais pessoas embarcavam, uma aglomeração ia se formando logo após a catraca, ainda na entrada do ônibus. A maquiadora Rafaela Morais acredita que, com a ausência de cobrador, a disposição dos passageiros fica desorganizada. Além disso, na avaliação dela, os usuários ficam sem a orientação necessária.
— Algumas pessoas entram sem saber informações como para onde vão e quando devem descer. Muitas vezes, não dá pra questionar para o motorista. O cobrador ajudava muito nisso e também na organização. Eu vejo muita gente que fica muito na frente do ônibus, e ele orientava para que fossem para o fundo e dessem espaço aos demais — relata.
Usuária frequente da linha, Rafaela diz já ter presenciado uma briga entre motoristas:
— Há uns três dias, ele (condutor) demorou um pouco mais pra pagar o troco e o motorista do outro ônibus que tava atrás bateu na porta reclamando que tava demorando — conta.
O motorista do ônibus que Rafaela utiliza é Luan Martins. Ele conta que vem circulando sem a dupla há três semanas e que tem enfrentado mais dificuldade em horários de maior movimento:
— Em horário de pico, a cobrança de passageiros fica mais complicada. Aqui em Porto Alegre, a gente tem muito pagante em dinheiro ainda. Se fosse só a bilhetagem eletrônica, seria um pouco mais fácil. Cada parada de embarque que sobe doze a treze passageiros, se oito pagam demora um pouquinho mais para fazer um embarque mais rápido — afirma.
O grande número de pagantes, relatado pelo motorista e por passageiros, é também a principal preocupação da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Segundo o gerente de transporte da empresa, Flávio Tumelero, atualmente 20% dos usuários de transporte público na Capital ainda usam o dinheiro em papel para pagar o bilhete. O objetivo, segundo ele, é diminuir esse índice o máximo possível para facilitar a operação sem cobrador:
— O desafio é a gente reduzir esses percentuais. Para isso, precisamos apostar em campanhas incentivando o TRI, além de uma série de medidas para tentar avançar em relação a isso.
O diretor admite também que há questões de adaptação que ainda precisam ser melhor compreendidas, como a organização e entrada dos passageiros.
— Esse ano de 2022 ainda é um aprendizado pata todos os agentes que estão envolvidos nessa mudança, inclusive para os funcionários. A gente vai buscando melhorias para tornar a experiência do usuário melhor — acrescenta, sem citar, contudo, quais medidas concretas serão empregadas para resolver os problemas.
Apesar das preocupações, a prefeitura avalia o andamento do projeto de forma positiva. Segundo a EPTC, desde fevereiro, foram feitas 23 reclamações formais a respeito da falta de cobrador, o que corresponde a menos de 0,5% do total de queixas da população ligadas ao transporte público.
Bilhete com QR Code
Desde março, algumas empresas de ônibus têm testado novas tecnologias que devem ser implementadas com o objetivo de agilizar a entrada dos usuários. A primeira delas permite que o motorista gere bilhetes com QR codes por meio de uma máquina.
Ao pagar com dinheiro, o passageiro recebe o papel e aproxima o código do leitor, já utilizado para usuários do cartão tri (veja o vídeo). Atualmente, o condutor aperta um botão para liberar a roleta.
Segundo o diretor de transportes da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), Antônio Augusto Lovatto, seis ônibus de quatro linhas já estão operando com a máquina. A ideia é que, nos próximos meses, o instrumento seja ampliado para todas as linhas.
— É um projeto pioneiro no Brasil. Passamos meses estudando qual era o melhor tipo de equipamento e a forma de utilizar. Agora, nós vamos adquirir mais 500 desses equipamentos para daí sim implantar em escala total — afirma.
A ATP estuda, a partir desse mecanismo, incluir o pagamento antecipado das passagens, por meio de Pix. A estimativa é que a tecnologia comece a ser utilizada ao longo de 2023.
Realocação de cobradores
O projeto de extinção gradual dos cobradores prevê que os profissionais que deixam de exercer suas funções tenham acesso a cursos profissionalizantes na área do transporte público para exercer demais ocupações nas empresas. A medida está sendo colocada em prática por meio de uma parceria da prefeitura com o sistema SEST/SENAT.
Segundo a instituição, estão sendo oferecidos 171 cursos presenciais e outros 84 EAD (ensino a distância). Até agora, cerca de 300 trabalhadores já passaram pelas aulas.