Paulo Sérgio, um dos motoristas da linha 188 Assunção, sentado ao volante, entrega meu troco enquanto gira a cabeça para trás: precisa conferir se nenhum espertalhão vai subir pela porta de desembarque, no fundo do ônibus.
Quem cuidava dessas coisas – troco e passageiro malandro – era o cobrador, que deixou de existir em 20 linhas de Porto Alegre. Daqui a quatro anos, conforme o plano da prefeitura, nenhum ônibus da cidade vai contar com esse profissional. Era o cobrador quem puxava a cordinha para alguém descer, quem dava informações, quem ajudava cadeirantes a embarcar, quem mediava conflitos e respondia pela ordem do veículo. Agora, é tudo com o motorista.
Paulo Sérgio não reclama, apenas admite algum receio de não dar conta. E os passageiros, tanto no Assunção quanto no Caldre Fião – outra linha em que circulei –, se mostram compadecidos com o acúmulo de funções do condutor. Significa que os cobradores deveriam ser mantidos? Não: a extinção do cobrador é uma realidade no mundo todo. Significa que as funções que o cobrador exercia também precisam acabar – ou, no mínimo, ser revistas.
No Chile ou na Colômbia, por exemplo, não tem cobrador mas também não se aceita dinheiro. É só tíquete ou vale-transporte (como o nosso cartão TRI). Algumas cidades, na verdade, até aceitam dinheiro vivo, mas não existe troco: ou o passageiro paga o valor exato da passagem, ou paga mais – se a tarifa custa R$ 4,80 e o usuário só tem R$ 5, vai gastar R$ 5.
– Não dá para sobrecarregar um profissional que precisa se manter atento ao principal, que é o trânsito. Motorista não pode ficar cuidando se alguém entra pela porta de trás; ele tem que olhar para a frente – diz Luis Antonio Lindau, PhD em transporte e diretor do programa de cidades do instituto WRI Brasil.
Em países da Europa, segundo Lindau, o passageiro entra pela porta que quiser, mas a fiscalização aparece de surpresa em algumas viagens para checar se a passagem foi paga. Se não foi, multa nele. Claro que a estratégia aqui pode ser diferente, desde que alivie o motorista. Uma possibilidade seria garantir compensações: em cidades que adotaram ônibus elétricos, por exemplo, sem troca de marcha, sem trepidação e sem ruído, o nível de estresse dos condutores despencou.
– As esposas perceberam seus maridos mais felizes – diz o doutor em transporte.
Verdade que a extinção dos cobradores recém atravessa fase de testes em Porto Alegre. Mas, justamente por isso, não há momento melhor para apontar o que vai mal.