Um dos mais antigos e tradicionais hospitais de Porto Alegre, o Beneficência Portuguesa está sendo vendido para quitar dívidas trabalhistas que se arrastam há 27 anos. A determinação judicial para a negociação do patrimônio ocorreu porque a atual gestora da casa de saúde, a Associação Beneficente São Miguel (ABSM), deixou de fazer pagamentos perante a Justiça do Trabalho.
A venda deve beneficiar 489 credores que têm a receber cerca de R$ 35 milhões.
Além da ABSM, também é devedora no processo a mantenedora do hospital, a Associação Portuguesa de Beneficência (APB), que recorreu da decisão por entender que a São Miguel não pode concordar com a venda de patrimônio que não lhe pertence. A APB questiona ainda a validade do laudo e o baixo valor de avaliação.
O conjunto de prédios situado na Avenida Independência, 270, foi avaliado por perito contratado pela ABSM em R$ 49,1 milhões — para liquidação forçada, o valor indicado é de R$ 34,1 milhões. São nove blocos e um estacionamento em uma área de aproximadamente 12 mil metros quadrados.
A execução centralizada de pendências trabalhistas que está ocorrendo tem origem em uma ação civil pública iniciada em 1994. Ao longo dos anos, créditos pertencentes ao hospital têm sido penhorados pela Justiça do Trabalho, em maior ou menor volume.
Em alguns momentos, conforme consta do processo, a Justiça até liberou valores para que o hospital pudesse arcar com despesas operacionais do dia a dia, como folha de pagamento e depósitos do FGTS. Mas a situação do Beneficência só piorou.
No final de 2017, o local chegou a ficar sem atividades e tinha dívidas em torno de R$ 100 milhões — a reabertura ocorreu no ano seguinte. Em julho de 2018, a mantenedora da casa de saúde e dona do patrimônio, a APB, fez contrato com a ABSM, que prometia reerguer o hospital, reduzir dívidas e qualificar os serviços, em até cinco anos. Passado esse prazo — que vence em julho de 2023 —, a São Miguel seria restituída pela quitação das dívidas recebendo patrimônio da mantenedora.
A São Miguel, além de não ter conseguido arcar com débitos antigos, deixou novas dívidas se formarem e parou de fazer pagamentos perante a Justiça do Trabalho a partir de março de 2020, conforme consta do processo. A Justiça do Trabalho, que já havia penhorado bens do hospital, determinou, em agosto do ano passado, a avaliação para venda do patrimônio e quitação de débitos.
O processo, que reúne quase 500 credores habilitados a receber imediatamente, está no chamado Regime Especial de Execução Forçada (REEF), conduzido pelo juízo auxiliar de execução do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4). No momento, está aberto o prazo para apresentação de recursos sobre a homologação da proposta de venda.
A APB e empresa disposta a comprar o hospital ingressaram com agravo de petição. Os recursos ainda não foram analisados.
Diante do iminente fechamento, o hospital enfrenta ainda outra disputa. Por entender que a São Miguel não cumpriu o que foi acordado em 2018, a mantenedora ingressou com ação na Justiça, em 2020, para tirar a São Miguel do comando do hospital. O pedido liminar foi negado, e o processo que discute quem fica no comando segue tramitando.
A São Miguel fazia a gestão, até agosto deste ano, do Hospital Lauro Reus, de Campo Bom, mas teve o contrato rompido pela prefeitura sob alegação de descumprimentos de obrigações, como ausência de profissionais, precariedade nos atendimentos e falta de pagamento de tributos. Em março de 2021, seis pacientes morreram no Lauro Reus depois que o fornecimento de oxigênio foi interrompido. A associação faz também a gestão do Hospital Porto Alegre.
O Beneficência hoje
GZH procurou a assessoria do hospital sobre a operação atual e o número de leitos disponíveis. A instituição é privada, disse que está em "pleno funcionamento" e, até o fechamento desta reportagem, não informou qual a capacidade do local.
O que disse Alan Costa, gerente jurídico da ABSM:
"Podemos lhe esclarecer que se trata de uma Expropriação Judicial, levada a efeito em processo coletivo, Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho nos anos 90, que tramita desde o ano de 2007 de maneira eletrônica junto ao egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Não se tratando de venda voluntária de bens ou algo do gênero. Exceto quanto a essa ressalva, somente nos manifestaremos nos autos do processo."