A consulta pública que está aberta pela prefeitura de Porto Alegre até 24 de novembro sobre a concessão do Parque Farroupilha (Redenção), do Calçadão do Lami, do Parque Marinha do Brasil e do trecho 3 da orla do Guaíba divide opiniões e gera questionamentos por parte da população. O projeto ainda será debatido na Câmara Municipal em duas audiências públicas, agendadas para 17 e 18 de novembro. Mas um dos pontos já causa polêmica: a possível construção de um estacionamento subterrâneo para até 577 veículos embaixo de onde fica o Estádio Ramiro Souto, na Redenção.
A secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, relata que tem recebido sugestões da população por meio da consulta pública para que não seja feito o estacionamento previsto no projeto.
— Seria um ponto que serviria de ligação para diversos modais. Pensamos no estacionamento como investimento obrigatório pela utilidade que teria para a cidade. Mas tendo em vista as sugestões de que fosse investimento opcional, estamos analisando isso — explica, confirmando que a prefeitura recebeu sugestões contrárias tanto de pessoas como de possíveis investidores, que acham pesado o valor, estimado em R$ 80 milhões.
Questionada sobre uma alternativa diferente, Ana Pellini diz que é preciso aguardar pelo mercado.
— Vamos esperar que façam propostas diferentes. Contratamos a Fundação Getulio Vargas (FGV) para nos ajudar nessa demanda. Teremos de ver quais seriam as alternativas — afirma.
Dessa maneira, a titular da pasta não hesita em tratar o tema como indefinido:
— Realmente, não é questão fechada. Vamos decidir após a consulta pública.
O professor Eber Marzulo, do Departamento de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que mora em frente à Redenção e costuma frequentar o espaço no dia a dia, desaprova qualquer possibilidade de se criar um estacionamento em plena área de lazer.
— Em nenhum lugar do mundo se viabiliza e facilita a circulação de automóveis em área central. Não faz sentido e é um equívoco — critica o docente.
Segundo Marzulo, que acredita ser esta a principal pauta de discussões da concessão do parque à iniciativa privada, não há cidades grandes ou pequenas que realizem intervenções urbanas para se produzir estacionamentos em áreas verdes.
— É o ápice do paradoxo — reflete.
Deveríamos estar discutindo aqui, por exemplo, a construção de um metrô em Porto Alegre. Não dá mais para admitir que uma metrópole do tamanho da Capital não tenha um transporte de massas qualificado
LUCIANO FEDOZZI
Integrante do Observatório das Metrópoles
O professor Luciano Fedozzi, do Departamento de Sociologia da UFRGS e integrante do Observatório das Metrópoles, não vê justificativa plausível para o poder público construir um estacionamento subterrâneo no local.
— Não existe um estudo muito concreto sobre a demanda para a construção. É uma pauta muito conservadora do século 20 — avalia.
Fedozzi cita que as principais cidades do mundo fazem justamente movimento inverso, incentivando o transporte público para a população.
— Esta ideia do estacionamento subterrâneo não pode ser dissociada da implementação do programa de concessão das áreas públicas. A prefeitura vem concedendo, como nos casos do Harmonia e da Orla, fazendo com que o poder público não seja mais responsável pela manutenção, qualificação e até ampliação desses espaços — analisa, salientando que o orçamento previsto para 2023 enviado pela prefeitura à Câmara é de 7,8%, o que significa R$ 829 milhões.
O pesquisador coloca na mesa outros temas que poderiam estar no centro do debate:
— Deveríamos estar discutindo aqui, por exemplo, a construção de um metrô em Porto Alegre. Não dá mais para admitir que uma metrópole do tamanho da Capital não tenha um transporte de massas qualificado. Ou até mesmo se discutir o VLT (veículo leve sobre trilhos), como outras cidades têm, como são os casos de Curitiba e do Rio de Janeiro.
O economista aposentado Roberto Jakubaszko é o atual prefeito do Parque da Redenção. Ele sugere substituir a proposta do estacionamento subterrâneo por algo que desenvolva o ecoturismo no lugar.
— A Redenção é uma rota migratória de aves. O ecoturismo e o universo das coisas ligadas à ecologia não poderiam proporcionar muito mais renda? — questiona, trazendo para o debate a possibilidade de exploração do turismo ambiental na Redenção.
Jakubaszko teme que construir no parque altere o ecossistema do espaço natural. Também diz que há pessoas favoráveis e outras contrárias ao estacionamento na Redenção desde que o assunto começou a ser debatido há alguns anos.
— Naquela época, foi feito um levantamento e surgiu uma dificuldade de se construir porque a Redenção é uma bacia de contenção. A parte hídrica complicaria de tal maneira uma construção, que essa possibilidade foi inviabilizada. Então nasceu a ideia de se construir um estacionamento em cima, no Parque Ramiro Souto, como existe na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). A comunidade foi radicalmente contra, alegando que já existia um número substancial de estacionamentos no cinturão do entorno da Redenção — recorda.
Em nenhum lugar do mundo, se viabiliza e facilita a circulação de automóveis em área central. Não faz sentido e é um equívoco
EBER MARZULO
Urbanista da UFRGS
O prefeito do parque garante que não é contrário ao progresso, mas se posiciona levantando outros questionamentos.
— O Conselho de Usuários do parque, que existe há 50 anos e do qual sou um dos fundadores, é contrário ao estacionamento subterrâneo por uma pequena margem. Alguns são favoráveis, mas, como presidente, preciso ver as coisas pelo outro lado. Minha ambivalência é questionar se o futuro é realmente construir lá embaixo — pondera, ressaltando que não adianta fazer um estacionamento sem segurança para as pessoas.
Por sua vez, o Coletivo Preserva Redenção criou um abaixo-assinado na internet para recolher assinaturas contrárias à concessão do parque à iniciativa privada e à exploração comercial. Até a tarde desta segunda-feira (31), mais de 16,3 mil pessoas já haviam assinado. No último dia 22, alguns frequentadores promoveram até uma vigília luminosa em frente ao Monumento ao Expedicionário. A Redenção é patrimônio histórico-cultural tombado por lei desde 1997.
A consulta pública pode ser acessada neste link. Também é possível participar por meio do e-mail concessao.parque@portoalegre.rs.gov.br.