A prefeitura de Porto Alegre informou, nesta sexta-feira (29), que o prazo para a retirada dos carrinheiros das ruas deverá ser estendido por mais 12 meses, prorrogáveis por mais seis meses. Não serão aplicadas multas aos trabalhadores durante este período de transição. O prazo atual se encerra neste domingo (31) e, a partir do dia seguinte, seria proibido para os catadores de materiais recicláveis circular com os carrinhos pela cidade. O prazo já havia sido estendido em três oportunidades, a mais recente em setembro de 2020, em função da pandemia da covid-19.
— Nós temos um ambicioso programa de formação e capacitação para essa população ingressar em alguma forma de trabalho formal ou protegido. Esse programa ainda está em formação — explica o secretário de Desenvolvimento Social da Capital, Léo Voigt, salientando que o município trabalha nessa estratégia de geração de oportunidade para os carrinheiros, inclusive com captação de financiamento internacional.
O secretário de Governança Local e Coordenação Política, Cassio Trogildo, ficará responsável por fazer a emenda parlamentar que prorrogará o prazo. O vereador Airto Ferronato (PSB) entrou durante a semana com projeto de lei na Câmara Municipal, onde pede que seja realizada nova prorrogação até 31 de dezembro de 2024.
— Vamos pedir urgência e acredito que em 30 dias conseguiremos votar. Simplesmente proibir o trabalho de 10 mil pessoas em Porto Alegre é desumano — observa Ferronato.
O político critica a forma como a situação está sendo tratada pela prefeitura:
— Acredito que será a mesma história que ocorre há décadas. Primeiro proíbem a atividade que é o ganha-pão e prometem cursos que não ocorrem ou, quando acontecem, são meia-boca. O correto seria primeiro promover a formação dos carrinheiros, e não o inverso.
Ele é contra a extinção sumária da atividade, em especial agora com o aumento do desemprego e da crise.
— Sou contra simplesmente retirar os carrinheiros. Tem que buscar uma alternativa. Por que não pegar esse pessoal e empregar em empresas de coleta de lixo seletivo? — questiona. — Olha o que houve com os guardadores de carros? Tinha muito pai e mãe de família trabalhando ali — compara.
O Programa de Redução Gradativa do Número de Veículos de Tração Animal e de Veículos de Tração Humana previa oito anos para a retirada desses veículos das ruas. Apenas as carroças deixaram de circular.
Outros colegas de Câmara possuem opinião semelhante à de Ferronato. Cassiá Carpes (PP) é um deles:
— Se não tem um plano para qualificação dessas pessoas é preciso prorrogar novamente. O certo é qualificar antes de retirá-los das ruas — acredita.
Cassiá garante que o assunto voltará a ser tema de debate. Os vereadores, que estão em recesso e retornam às atividades na segunda-feira (1°), deverão discutir o problema.
— Pode extinguir, mas tem que trazer uma novidade. A prefeitura pode fazer um projeto para qualificar esse pessoal. Se tu abandonares essas pessoas será mais um problema social para a cidade — afirma.
A vereadora Daiana Santos (PCdoB) também é taxativa quanto a simplesmente retirar os carrinheiros das ruas:
— A retirada dos carrinhos das ruas atingirá em torno de 6 mil famílias que sobrevivem da coleta de lixo na cidade. Apesar do programa aprovado em 2008 prever ações de transposição para outras áreas de trabalho e a qualificação profissional dos carrinheiros, isso, na prática, não se consolidou. Tal situação tem potencial para piorar ainda mais a realidade de diversas famílias que atualmente não só estão passando por dificuldades financeiras, mas também daqueles que estão em situação de rua — analisa.
Segundo Daiana, a Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana da Câmara realizou reunião para tratar da lei 10.531/2008, que instituiu o programa de Redução Gradativa de Veículos de Tração Animal e Humana em Porto Alegre.
Se proibirem, muitas pessoas vão ficar desempregadas. Um carrinho sustenta de duas a três famílias
ANTÔNIO CARBONEIRA
Líder dos carrinheiros
— Foi encaminhado um ofício conjunto dos vereadores que participam da Comissão solicitando o adiamento do prazo, mas não houve nova flexibilização e por isso a data se manteve.
O vereador Cláudio Janta (SD), líder do governo no Legislativo, diz que será difícil a votação acontecer antes de 30 dias.
— Na minha opinião temos que continuar defendendo o fator humano. Os carrinhos, às vezes, viram nas ruas, mas é o sustento dessa população — reconhece.
Janta vai adiante em suas observações:
— O governo não se manifestou ainda sobre isso (carrinheiros), e o tema também passou batido pela Câmara. A imprensa é que tem pautado o assunto — completa.
A vereadora Lourdes Sprenger (MDB) conta que acompanha o problema desde 2004, quando se discutia a possibilidade de se retirar as carroças e os próprios carrinheiros de circulação.
— Não vejo problema nenhum em se prorrogar esse prazo. Acho que até o Executivo deseja essa prorrogação — diz.
Lourdes pensa que é preciso haver um projeto de inclusão social para esses carrinheiros, e que o Executivo deve ficar responsável por isso.
— Os carrinheiros podem ser encaminhados para os galpões de reciclagem na periferia da cidade. Esses galpões podem ser melhorados e receber mais pessoas — sugere.
Por sua vez, a vereadora Laura Sito (PT) compartilha que coordenou, no primeiro semestre, reunião para discutir o problema com carrinheiros, associações e com a presença da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS).
— Nem a prefeitura conseguiu cumprir os requisitos para que as condições se viabilizassem, quanto o próprio cenário de pandemia piorou significativamente as condições dessa parcela da população, e ainda ampliou o conjunto de pessoas que vivem da reciclagem — relata Laura, recordando que houve reunião recente onde o pedido de prorrogação do caso foi feito.
A petista também antecipa os próximos passos:
— Estamos dialogando com a prefeitura para que o período possa ser estendido até o final de 2023, prorrogável por mais seis meses. Não só sou favorável como tenho sido protagonista nesse diálogo entre os carrinheiros e a prefeitura. A perspectiva é que tenhamos a prorrogação pelo menos até o final de 2023 — prevê.
Líder acredita em prorrogação de prazo
Muitos carrinheiros trabalham e vivem no Loteamento Santa Terezinha, mais conhecido como Vila dos Papeleiros, na Rua Voluntários da Pátria, na entrada de Porto Alegre. O ex-carrinheiro Antônio Carboneira, líder da Associação de Reciclagem Ecológica da Vila dos Papeleiros (Arevipa), é veementemente contra a proibição:
— Se proibirem, muitas pessoas vão ficar desempregadas. Um carrinho sustenta de duas a três famílias — atesta, salientando que os carrinhos são a ferramenta de trabalho dos catadores.
Carboneira, que também é conhecido como Antônio Conselheiro na comunidade, não poupa o poder municipal:
— A prefeitura prometeu um monte de coisa e não cumpriu — lembra.
Professor da UFRGS sugere carrinhos elétricos semelhantes aos grilos
O professor de Planejamento Urbano Eber Pires Marzulo, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não apenas é favorável à prorrogação da permissão da atividade dos carrinheiros, como ainda sugere a disponibilização de veículos elétricos (semelhantes aos grilos) e até movidos por energia solar.
Ter um grupo social que trabalha no recolhimento do lixo reciclável para a reciclagem é uma movimentação econômica relevante
EBER PIRES MARZULO
Professor da UFRGS
— O carrinho podia ser avançado. A prefeitura deveria incentivar a produção de veículos como os grilos para oferecer, a custos baixos, a esses trabalhadores — reflete, destacando que a UFRGS possui polos na Engenharia de Produção capazes de desenvolver veículos movidos por energias alternativas.
— Imagine a cidade com um grilo desses sendo conduzido por carrinheiros integrados a cooperativas de reciclagem? — vislumbra, dizendo que não vê essas pessoas como problema no cenário urbano.
Marzulo afirma que o trabalho dos carrinheiros é de extrema importância, inclusive para a preservação do meio ambiente.
— É um importante fator de geração de renda para as populações mais pobres. Por outro lado, é uma atividade fundamental e relevante não apenas na geração de renda, mas no aproveitamento da reciclagem de lixo — analisa, exemplificando os problemas da quantidade de partículas de plástico encontradas em todos os ambientes, nos oceanos e até no corpo humano.
O que mais diz a prefeitura
A prefeitura informou, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), que, entre 2014 e 2017, a cidade desenvolveu o projeto Todos Somos Porto Alegre, para preparar os carrinheiros para a execução da lei. O Executivo apresentou os seguintes dados:
- Foram abordadas 2.143 famílias e 2.646 pessoas
- 868 pessoas migraram para outras atividades com renda
- 718 receberam bolsas durante os cursos de construção civil, gastronomia, beleza, gestão de resíduos, cooperativismo e empreendedorismo
- Mais de 5 mil vagas foram oferecidas para cursos profissionalizantes (986 qualificações foram concluídas).