Em setembro do ano que vem, a circulação de carrinhos de catadores de resíduos recicláveis se tornará proibida em Porto Alegre. Publicada em 10 de setembro de 2008, a lei municipal 10.531 estabelecia o prazo de oito anos para os veículos de tração animal (VTA) e de tração humana (VTH) serem eliminados do trânsito da Capital. Em 2017, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou, por unanimidade, o projeto de lei que prorrogaria até o ano de 2020 o prazo para permissão de circulação dos chamados carrinheiros.
Enquanto isso, o programa Todos Somos Porto Alegre, política pública elaborada pela prefeitura para emancipar carroceiros e carrinheiros por meio de novas oportunidades de trabalho, deveria ter implantado uma série de ações para ajudar esses trabalhadores na recolocação no mercado de trabalho. Mas, conforme depoimento dos papeleiros, não evoluiu.
O programa estava estruturado em três frentes: inclusão produtiva de Condutores de VTAs e VTHs, reestruturação do Sistema de Triagem de Porto Alegre e Educação Ambiental.
Redesenho
O DG pediu esclarecimentos para todas as secretarias municipais envolvidas no programa, já que ele não tem mais uma pessoa responsável pela sua condução.
A prefeitura resolveu, então, emitir uma nota única com os esclarecimentos e disse, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte, que o governo prevê um redesenho do Todos Somos Porto Alegre.
Segundo a nota, “o plano é preservar seus três principais eixos, integrando todas as secretarias envolvidas no processo para atingir resultados mais significativos. Especialmente no setor de capacitação profissional e identificação de novas oportunidades profissionais para aqueles que desejam trocar de atuação. Ou no setor de educação ambiental para aqueles que desejarem se dedicar a este trabalho. O projeto já realizou um bom trabalho, de 2012 a 2017, junto aos carrinheiros com o objetivo de prepará-los para a execução desta lei. Foram cadastrados 524 carrinheiros, 1,7 mil famílias receberam benefícios. No total foram abordadas 2.143 famílias e 2.646 pessoas. Durante o programa, 868 pessoas migraram para outras atividades com renda e 986 concluíram cursos de qualificação profissional”.
Questionada sobre a atuação no ano de 2018, a prefeitura disse que só seguiu fazendo contatos.
“Prometeram serviço e não deu em nada”
Para o vereador Marcelo Sgarbossa (PT), atual membro da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana e autor do projeto que havia proposto em 2017 a prorrogação do trabalho dos carrinheiros até 2022, o programa não funcionou. O Todos Somos Porto Alegre, criado em 2008, deveria ter concluído todas as frentes de trabalho em 2016.
— Em 2015, a prefeitura contratou uma entidade para fazer a busca ativa dos recicladores, ou seja, ainda estava atrás dessas pessoas, algo que fazia parte da primeira parte do programa. E o atual governo não tocou nisso. O que deveria ser feito era chamar esses trabalhadores para tentar ajudá-los na reorganização e remunerá-los pelo que fazem — opinou.
Para Antônio Carboneiro, 72 anos, presidente da Associação de Reciclagem Ecológica da Vila dos Papeleiros (Arevipa), o programa proposto pela prefeitura não passou de uma ideia malsucedida:
— Prometeram serviço e não deu em nada. Eu cheguei a trabalhar em uma empresa por um ano e me dispensaram.
A verdade é que os papeleiros gostam de ser seu próprio patrão. Dentro da vila tem todo tipo de gente, alguns que já tiveram problema na Justiça, analfabetos, idosos. Que empresa vai dar emprego para eles?
Carboneiro diz que a aplicação da lei irá tirar de inúmeras famílias o sustento de uma vida inteira. Só na associação, são 150 carrinheiros que dependem da atividade.
A expectativa dos trabalhadores é de que a lei ainda possa ser extinguida. Eles buscam apoio na Câmara de Vereadores, no Ministério do Trabalho e Defensoria Pública.
— Para mim, cada carrinheiro é um pequeno ambientalista — define o líder.
Dúvidas e expectativa entre os catadores
Os maiores atingidos pela mudança ainda não sabem explicar o que será do futuro.
— O que vai acontecer? Pois é, nem eu sei! — exclama o catador Marcelo Haack, 45 anos.
Marcelo recolhe resíduos nas ruas de Porto Alegre há 30 anos. Foi com esse trabalho que ele sustentou e criou nove filhos. Hoje, a esposa e alguns dos filhos auxiliam na atividade.
Marcelo sai de casa todos os dias às 8h e vai para o Centro. Em um mesmo ponto, na Rua Barros Cassal, ele recolhe material todo dia há 22 anos. Quando chega na Arevipa, por volta das 16h, é o restante da família que toma conta do trabalho: separa e faz o processo da triagem.
— Se tirarem os papeleiros das ruas de Porto Alegre, essa cidade vai ficar entupida de lixo — prevê.