O início das obras na Avenida Otávio Rocha, primeiro local do Quadrilátero Central onde o projeto de revitalização ocorre, mudou a rotina de quem trabalha no trecho final da via. Na manhã desta segunda-feira (13), equipes da prefeitura removiam os paralelepípedos do chão a partir da esquina com a Vigário José Inácio. A passagem de veículos está bloqueada para que a retroescavadeira pudesse juntar as pedras no canteiro central, por onde nem pedestres podem passar desde a semana passada.
Apesar das adaptações, não houve prejuízo relatado pelos quatro comerciantes entrevistados por GZH. As vendas no Dia dos Namorados ficaram “empatadas” com a edição de 2021.
As calçadas agora concentram o fluxo de pessoas que antes transitavam pelo meio da avenida, aproximando os olhares dos produtos oferecidos pelas lojas. Porém, tanto os floristas deslocados quanto os demais lojistas com pontos fixos entre a Rua Doutor Flores e a Praça Parobé fazem queixas sobre a escuridão à noite. As cinco luminárias que faziam a iluminação pública daquela quadra foram desligadas para o início das obras. Esse problema deve ser resolvido dentro de até dois dias, projeta o secretário municipal de Obras e Infraestrutura, André Flores:
— Entre hoje (segunda) e os próximos dois dias, vai ser providenciada a volta da luz, pois os próprios funcionários da obra precisam da iluminação para seguir os trabalhos até a madrugada. Estamos trabalhando com afinco nessa solução — explicou, enquanto fiscalizava o andamento dos trabalhos, no final da manhã desta segunda.
Vendedores mais tradicionais da rua, os atendentes da loja Avenida Moda Masculina — fundada em 1935 — afirmam que aos poucos o movimento defasado durante os dois primeiros anos de pandemia volta a ser visto nas ruas do Centro. Eles veem com bons olhos as reformas prometidas pela prefeitura, e ainda não percebem efeitos negativos nas adaptações necessárias por conta da revitalização.
— Tivemos dois anos difíceis de pandemia. Agora, aos poucos as vendas vão melhorando. Tende a melhorar ainda mais com a reforma — comenta o gerente, Orides Selau, 59 anos, funcionário da rede há 40 e naquela rua há oito.
— O nosso Centro estava abandonado há uns anos, e esse movimento é positivo — complementa Nelson Mazzocco, 63, vendedor no local desde 2002.
Do outro lado da calçada, dois comércios mais novos e com perfis de clientes diferentes também entendem que o movimento não foi prejudicado pela interdição da circulação de carros e do canteiro central para pedestres. Na loja de bolsas, malas e mochilas É Leal Bolsas, que tem mercadorias na calçada a partir de R$ 60 e fluxo intenso de pessoas perguntando preços e informações, o pior efeito sentido foi no começo da noite. Sem a iluminação pública nesta primeira semana de obras, as vendedoras viram o movimento cair a partir das 17h, quando normalmente há alta no fluxo de quem sai do serviço e passa ali.
— Dia dos Namorados teve boas vendas, mas mais durante a semana do que no sábado. A calçada ficou mais visível durante o dia, pessoas enxergam do outro lado da rua e também passam mais perto, sem as bancas e flores no meio — conta Nathalia Nascimento, 18, que passa atendendo clientes das 9h às 19h, de segunda a sábado.
A visibilidade de uma calçada para outra e a proximidade com a porta de entrada da loja é mencionada da mesma forma por Paulo Vidal, 26, vendedor da Elite Eletrônicos. Ele acredita que as obras não vão impactar tanto na comercialização de acessórios para celular, apesar da persistente queda nas vendas que já era vista nos últimos dois anos.
— As pessoas vão passar mais perto da loja na calçada. Esperamos que neste segundo semestre seja melhor, principalmente depois que as reformas ficarem prontas — ressalta.
Na quadra seguinte, em direção à Avenida Alberto Bins e à Praça Otávio Rocha, a sex shop Hot Pepper sentiu de outro jeito essas mudanças na rotina da rua. O sócio Rodrigo Albuquerque diz que precisou contratar seguranças para a entrada de sua loja, visando manter o funcionamento após as 17h na semana anterior ao Dia dos Namorados. Ele ressalta que esse investimento inesperado diminuiu o lucro na principal data para o seu comércio.
— Apostamos bastante na retomada este ano, estávamos esperando um crescimento, pois ano passado tivemos ainda várias restrições da pandemia. A expectativa era de crescimento nas vendas, e isso não se confirmou — lamenta.
Ainda sem energia
Por outro lado, tanto os floristas quanto os donos de bancas de jornais e revistas que foram removidos provisoriamente do canteiro central da Otávio Rocha para o Largo Glênio Peres e a Praça Parobé seguem sem energia elétrica nem fornecimento de água. As vendas do Dia dos Namorados empataram com as do ano passado, afirmam dois floristas consultados pela reportagem.
Em pior situação do que os vendedores de rosas está Rodrigo Rodrigues, 38. Depois de ver, feliz, que a estrutura da sua banca de jornais resistira aos impactos da remoção e do transporte com guindaste na semana passada, ainda não conseguiu voltar a trabalhar como antes. O principal produto de venda dele é o café de máquina — ao preço de R$ 2 o tradicional e R$ 3,50 o capuccino com variações.
Sem ligação de energia feita pela prefeitura, ele testa alternativas. Entre a quinta e a sexta passada, utilizou um gerador movido a gasolina para ligar a geladeira em que guarda os refrigerantes, a máquina para pagamento com cartões e a campeã de vendas que esquenta a manhã dos pedestres.
— Não podemos nos entregar, seguimos tentando. Mas o preço do gerador é muito alto, coloquei só para ver como seria e não consegui manter — explica.
Em local privilegiado, entre a Praça Parobé e o Mercado Público, Rodrigo tem a única banca de jornais de frente para um terminal de ônibus. Em 10 minutos, cinco pessoas procuraram a banca dele pedindo para comprar um café. Rodrigo precisou explicar a todos que não tinha como servir a bebida.
— Mesmo ligando o gerador só nos horários de pico, o lucro fica mínimo. Cabem cinco litros no tanque, que faz ele ficar ligado por três horas, mais R$ 120 de aluguel diário. Em dois dias gastei R$ 500, não tem como — detalha.
Segunda semana de impasse
Pesa contra os vendedores das bancas que nos últimos 20 anos sua ligação de luz elétrica na Otávio Rocha não era regularizada pela CEEE. Além disso, os pontos comerciais são cedidos pela prefeitura, o que torna delicada até mesmo a cobrança deles por melhores condições de trabalho. Segundo relatos de comerciantes que estiveram em reuniões com a prefeitura antes do início das obras, o Executivo municipal havia se comprometido a ajudá-los com as instalações de energia. A Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi) argumenta que a combinação foi que cada grupo de donos de banca de jornal e floristas providenciasse postes para a própria energia.
— Ainda que as vendas do Dia dos Namorados tenham sido boas, seguimos sem luz. Querem que a gente coloque poste, mas não temos como investir ainda mais dinheiro para trabalhar aqui só nos três meses da obra, sendo que já compramos as cabanas de madeira por R$ 2,5 mil — pondera o florista João Carlos Ramos.
— As flores e as bancas de jornais são comércios simpáticos desta região. Não queremos prejudicá-los de nenhuma maneira — resume o secretário da Smoi, André Flores.
As obras nesse trecho da Otávio Rocha estão dentro do calendário previsto pela prefeitura. A primeira parte da revitalização do chamado Quadrilátero Central deve ser concluída nos próximos 90 dias, devolvendo os vendedores de bancas de jornais e flores ao canteiro central da via com novas estruturas padronizadas para seus empreendimentos.