As cores do arco-íris tomaram conta do Parque da Redenção neste domingo (12), com a realização da 25ª Parada Livre de Porto Alegre, primeira presencial desde o início da pandemia. Desde as proximidades da Avenida Setembrina, onde estava montado o palco do evento, até o Monumento do Expedicionário, as pessoas se concentraram para participar do dia de celebração e de luta por direitos da população LGBTQIA+.
O evento deveria ter ocorrido no domingo passado (5), mas acabou sendo transferido por conta da previsão de chuva. Desta vez, São Pedro colaborou. Com sol, tempo seco e o frio intenso dos últimos dias dando uma trégua, o público chegou cedo para curtir as atrações no palco, que iniciaram por volta das 12h, com shows artísticos e manifestações de entidades.
Já às 17h teve início a tradicional marcha de trios elétricos. Entre os milhares que acompanhavam estava o auxiliar administrativo Eduardo Rius, 26 anos. Natural de Ibirubá, ele se mudou para Porto Alegre em 2014 e, desde então, dificilmente perde uma Parada Livre. Por isso que, depois de dois anos sem edição presencial do evento, que ele define como "de festa, mas também de luta", estava só alegria.
— Poder voltar a viver essa militância de uma forma presencial, ter esse contato e esse diálogo direto com as pessoas, é extremamente importante para que a gente possa reafirmar o nosso direito, reafirmar a nossa existência e celebrar a nossa diversidade — disse.
Do lado da organização, a Coordenadora de Diversidade Sexual e de Gênero da Prefeitura de Porto Alegre, Camila Rodrigues, emitiu opinião semelhante. Mulher negra e transsexual, a gestora pública defendeu que o evento é uma oportunidade de mostrar a força da comunidade LGBTQIA+ porto-alegrense.
— A Parada Livre vem para mostrar a força e a resistência que nós temos, frente a uma sociedade que tanto nos discrimina. E mostrar a força da nossa união, na rua, com essa multidão, é muito significativo — comentou. — Há dois ou três anos, eu estava atrás, participando. Hoje, estive em cima do palco falando com milhares de irmãs — emocionou-se.
Quem também deixou a emoção tomar conta foi a cantora Lou, que subiu ao palco do evento pouco antes de a marcha iniciar. A sambista já tinha o hábito de frequentar a Parada Livre, mas sempre como público. Ao encerrar o show, seu primeiro no evento, mal conseguia falar, tamanha a adrenalina que estava "passando por todo seu corpo", como definiu.
Por dois motivos: primeiro, porque cantou ao lado de Valéria Barcellos, uma das mestres de cerimônia da edição, a quem tem como referência. E com direito a elogios da ídola.
— Ela canta muito! É uma deusa! — disse Valéria, uma das artistas de maior destaque na cena LGBTTQIA+ do Rio Grande do Sul.
A segunda razão, fora os elogios recebidos, foi a possibilidade de celebrar o Dia dos Namorados no palco da Parada Livre, ao lado da esposa Ana. A sambista embargou a voz ao lembrar que o evento deste domingo veio a calhar não só com a data romântica, mas ainda com outro momento importante da vida dela: a aceitação da família.
— Minha mãe não me aceitava de jeito nenhum, mas mês passado eu tive a graça de ela me pedir perdão e realmente aceitar a minha mulher. É algo que está culminando com essa festa linda. Esse é um momento de cura para a gente que passa por tanta coisa — contou.
Lou e Ana, aliás, não foram as únicas a escolherem a Parada Livre como "date" para o Dia dos Namorados. A coincidência causada pela necessidade de adiar a data planejada inicialmente veio a calhar para muitos casais, que decidiram unir o útil ao agradável e celebrar junto ao evento. O amor estava no ar. Pelo dia temático, pelo lema "Contra o ódio, amor", repetido inúmeras vezes por quem falava do palco ou dos trios elétricos, e pelas inúmeras demonstrações de afeto entre os pombinhos espalhados pela Redenção.
O casal Roberta Kelly Oliveira de Freita, 38 anos, Lucia Helena Silveira de Avila, 46 anos, estava entre a leva de enamorados que escolheram passar seu dia na Parada livre. As duas moram em Sapucaia do Sul, mas vieram a Porto Alegre para prestigiar o evento e curtir um Dia dos Namorados diferente, depois de 12 anos de união.
— Viemos comemorar com gente que nem a gente — disse Lucia, explicando: — Esse é um lugar onde tu te sentes respeitado. Fora daqui, tem muito preconceito, porque se tu és casada com uma mulher, as pessoas já te olham de forma diferente. Mas eu não sou diferente, só amo uma pessoa do mesmo sexo. Já aqui, a gente vê casais héteros, casais gays, casais lésbicos, e todo mundo fica à vontade.
Quem também estava para lá de à vontade era a pequena Martina Ribeiro, nove anos, que pediu uma brecha à organização do evento para subir no palco e tirar fotos com os artistas que passavam por lá. Com a entrada autorizada, aproveitou para registrar todos os seus momentos ao lado de drag queens como Cassandra Calabouço e Charlene Voluntaire, sob a supervisão da mãe, Vanessa Machado Ribeiro, que também atacou de fotógrafa particular da pequena.
— Elas são maravilhosas, perfeitas, são minha vida. Eu quero ser igual — disse Martina, celebrando as fotos conquistadas ao lado das divas. — Estou achando o evento magnífico, quero vir todo ano. Vou até dormir aqui, botar um colchãozinho e já esperar o ano que vem — animou-se, levando a mãe às gargalhadas.
Já Miguel Oliveira, nove anos — quase dez, como fez questão de frisar —, não conseguiu chegar tão perto assim dos artistas. Acompanhava tudo de longe, das proximidades do Espelho D'água, ao lado dos pais Rodrigo e Deise. Os dois levaram o pequeno porque consideram importante que o filho vivencie experiências como a Parada Livre. E fez efeito, pois ele já dá um show de respeito à diversidade.
— Eu não suporto pessoas que têm preconceito com outras pessoas — finalizou o menino.