A história de amor de Mocita Fagundes e Tarcísio Filho já tem quase 13 anos e, desde o começo, é vivida em uma “linda e maluca” ponte aérea. A produtora de filmes publicitários, de 57 anos, tem residência fixa em Porto Alegre, enquanto o ator, da mesma idade, mora no Rio de Janeiro. É um casamento a distância, do qual os dois dizem se orgulhar muito.
Mocita falou publicamente sobre a relação em abril deste ano, por meio do seu perfil no Instagram. No post, relatou que o casal não se encontrava havia quase um mês, mas que isso não mudava em nada o amor entre eles, que aprenderam a conviver bem com a saudade. “Casamento, para mim, não é acordar e dormir todos os dias juntos. É ter liberdade, respeito e admiração”, escreveu ela.
A relação a distância não foi planejada, mas aconteceu por ser a forma mais racional de levá-la adiante, já que suas vidas profissionais estão alicerçadas em Estados diferentes. Para além disso, os filhos de Mocita ainda eram crianças e adolescentes quando o namoro começou, o que demandava a presença da mãe no Rio Grande do Sul.
— Casamento, para mim, é muito mais do que um dia a dia compartilhado. Eu me sinto próxima ao Tarcisinho emocionalmente. Gosto do olhar dele sobre as minhas coisas. Respeito sua opinião, ouço seus conselhos. Morro de tesão por ele. Não preciso estar grudada nele o tempo inteiro. Nem acho isso legal. Casamento é cumplicidade e também liberdade. É daí que vem o respeito e a admiração — afirma Mocita.
O post do casal foi divulgado em um perfil de notícias sobre famosos com mais de 20 milhões de seguidores e suscitou centenas de comentários de toda sorte. Alguns elogiosos ao formato não-convencional, mas outra parte em tom de espanto ou deboche. Mocita conta que os comentários “preconceituosos, machistas e cruéis” revelam uma incompreensão sobre relações mais “fora da caixa”, mas em nada abalaram o casamento ou sua autoestima, já que é uma mulher realizada — no amor, na profissão e na maternidade.
Seu relacionamento com o marido, explica, é baseado em um interesse mútuo de estarem juntos para o que der e vier. Já Tarcísio argumenta que, mesmo diferente da maioria, o arranjo funciona para eles e não tem menos ou mais valor do que um casamento tradicional, em que se divide o teto.
— As pessoas são diferentes e têm necessidades diferentes. Para nós, funciona assim. Para outra pessoa, não há de funcionar e está tudo bem. Mas estar junto todo dia não valida nada. Isso, sim, é um mito. Conheço um monte de casais que não fica afim de estar junto o tempo todo, apesar de estar. A presença física diária pode ser muito boa, mas não determina o encanto que você tem por aquela pessoa. Relacionamento é você dividir a sua vida, não importa como seja — pontua ele.
A relação amadureceu ao longo dos anos e não deixou espaço para insegurança. É alicerçada no respeito, na confiança e no entendimento de que cada um é livre em suas escolhas. Mocita conta que, enquanto o marido é mais discreto e curte os momentos em que pode ficar em casa, lendo um livro, ela é fã do agito, do Carnaval, das maratonas de corrida, coisas que são dela e que realiza individualmente. O tempero é a torcida um pelo outro, seja nas conquistas solo ou em dupla.
— Não há insegurança. Aquela mulher é louca por mim e sabe que eu sou louco por ela. Eu faço propaganda da minha mulher, e ela também. Diz “olha meu gato, como tá lindo” e vice-versa, porque a gente admira muito um ao outro. Na verdade, a paixão e o tesão iniciais, quando viram amor, se transformam em respeito e admiração. Essas são as palavras-chave da nossa relação e poderiam ser de qualquer outra, se vendo todos os dias ou mais espaçado.
Nossa relação, do jeito que é, faz muito sentido para nós. Nosso amor é maduro.
MOCITA FAGUNDES
Produtora de filmes publicitários
Estando “no bico dos 60 anos”, como define Tarcisinho, e com os filhos de Mocita já adultos, o casal estuda a possibilidade de morar junto no futuro. Até lá, continuam abusando da tecnologia — desde o MSN, nos primeiros anos da relação, ao WhatsApp e o Facetime — para conversar. Do primeiro “bom dia, amor!” ao último “até amanhã”. E se encontram quando podem, quando a passagem de avião não está tão cara e quando a saudade aperta.
— Entendemos que nossas prioridades do cotidiano são bem diferentes e convivemos muito bem com isso. Nossa relação, do jeito que é, faz muito sentido para nós. Nosso amor é maduro. Se tivermos que abrir mão de algo, está tudo certo. Eu adoro ir para o Rio ficar com ele e com a Glória, e Tarcisinho adora vir para o Sul — comenta Mocita.
Vivendo juntos separadamente
Essa configuração conjugal em que vive-se em residências separadas já chamou a atenção de pesquisadores e tem sido tema de teses e análises de comportamento, ganhando o nome de Living Apart Together (LAT), em inglês, que significa “vivendo juntos separadamente”. A psicóloga e terapeuta de casais Rafaela Klaus argumenta que, embora casais nessa dinâmica não sejam a maioria observada por ela na prática clínica, eles existem e mostram, inclusive, alguns fatores em comum.
A independência financeira é um deles, já que morar separado quer dizer boletos vezes dois — o que pode inviabilizar a dinâmica — e também implica em um investimento de tempo para se encontrar. A maturidade é outro ponto importante, já que o entendimento de que cada um precisa do seu espaço e da sua liberdade, mesmo dentro de uma relação, é um aprendizado que costuma vir com o tempo.
— Me parece que esse arranjo é um pouco mais comum na segunda, na terceira relação, no recasamento. Geralmente acontece que a pessoa já tem uma vida organizada dentro do seu trabalho, da sua casa, do seu ambiente, com seus filhos (mesmo que não morem mais juntos), sua rotina e liberdade. Por isso, muitas vezes, o casal acaba escolhendo não “juntar as escovas de dentes”, no sentido físico da coisa. Optam pelo “a gente se gosta, mas cada um tem seu espaço, suas manias e funciona melhor assim”. E aí um vai passar o fim de semana na casa do outro, viajam juntos, mas escolhem não morar no mesmo local — explica Rafaela.
Existe uma mística envolvendo o tema: a de que, convivendo menos presencialmente, sobraria menos tempo para desentendimentos. Se o casamento a distância vai ter ou não brigas, aponta a terapeuta, depende muito dos envolvidos. Tarcisinho e Mocita afirmam que brigam igual. Já Drica Albuquerque e Nelson Motta, que, desde 2017, vivem seu relacionamento em diferentes configurações, afirmam que as briguinhas cotidianas — a bagunça, a toalha molhada em cima da cama — praticamente não existem quando vivem em casas separadas.
Durante os primeiros três anos do romance, a escritora, de 52 anos, morava em Brasília e o jornalista, escritor e produtor musical, de 77 anos, no Rio de Janeiro. Os encontros ocorriam a cada 15 dias e nas viagens de férias, algumas vezes ao ano. Depois, com a chegada da pandemia e as possibilidades do home office, Drica se mudou para a capital carioca, mas para um apartamento só dela.
— Aprendi a dar muito valor à minha própria companhia ao longo da vida. Aí, quando eu pensava em me relacionar, decidi que seria só com alguém que valesse muito a pena. Deus foi bastante generoso comigo nisso — brinca ela, e complementa: — Também entendi que poderia existir essa possibilidade de viver uma relação, um casamento que não precisasse dividir a casa, a rotina, o dia a dia, o estresse, o mau-humor. Tive a sorte de encontrar uma pessoa que gosta da solitude como eu. Eu não gosto de dormir de conchinha, preciso de espaço e ele também — conta Drica.
O seu casamento tem uma “regra de ouro”, que foi verbalizada por Nelson, mas é adotada pelos dois: “Você pode fazer tudo o que quiser, desde que não me obrigue a ir junto”. A frase tem tudo a ver com um casal que afirma lutar “com unhas e dentes” em defesa da liberdade e da independência do outro, quer estejam juntos ou separados. Se Drica quer ir a um show da Nação Zumbi e Nelson — que já foi a uma infinidade de apresentações ao longo da carreira — não quiser, não há motivo para atrito. E vice-versa.
— Eu escrevi um poema, um papo irônico sobre casamento. Dizia que, nos anos 1970, dos hippies e da contracultura, tudo era contra as instituições. Então, ninguém queria casar no papel para não se submeter ao Estado, à Igreja. Mas eles não sabiam que o grande problema não é assinar o papel ou receber uma benção. O problema é a coabitação. Ao longo do tempo, todo mundo vai entendendo isso. Há certos dias em que nem eu me aguento, então como é que a pessoa que está ao meu lado, vai aguentar? Quando estou assim eu espero passar, sozinho. No dia seguinte, já estou ótimo — diz Nelson.
O casal passou a coabitar pela primeira vez neste ano, pois estão passando uma temporada juntos em Lisboa, Portugal. Levam na bagagem aquilo que aprenderam sobre o outro e sobre a relação quando não dividiam o mesmo teto. No entanto, um arranjo não tradicional permanece, já que têm banheiros e quartos separados. Eles se admiram nas suas individualidades e, quando querem, se encontram na sala “para dançar um pouquinho”.
De Venâncio aires a Porto Alegre
Lisandra Pacheco De Leo, de 53 anos, não planejou uma relação a distância. Foi algo que começou com naturalidade e que lhe satisfaz “plenamente” há 21 anos. No idos de 2001, a advogada de Venâncio Aires conheceu pela internet o seu grande amor, Paulo De Leo, de Porto Alegre. Desde então, quase toda quinta ou sexta-feira, ela dirige até a Capital para passar alguns dias com ele. Se não vai, o marido, de 73 anos, se encaminha para o Vale do Rio Pardo para estar com ela.
— Em 21 anos, nosso amor só aumentou. Casamento, para nós, é quando as coisas casam: os sentimentos, os ideais. Não adianta morar sob o mesmo teto se as vontades não casam. Uma comunhão de vida não demanda dividir uma casa. Meu casamento é de comunhão de ideias, vontades, gostos. E temos muita empatia um pelo outro — reflete Lisandra.
No início da relação, a advogada já tinha vários clientes e o companheiro, que então atuava como engenheiro de produção, também passava o dia ocupado. Decidiram manter-se cada um na sua cidade e se surpreenderam com uma dinâmica que tem funcionado bem. No futuro, provavelmente, vão juntar as escovas de dentes, mas não há pressa.
— Nem parece que já se passaram mais de 20 anos. É uma dinâmica legal, a gente se dá muito bem. Ela vem nos finais de semana ou vou para lá. E também não tem problema se acontece algo e não conseguimos ir. Mas estamos começando a pensar em ficar mais juntos. Vai chegando um momento da vida em que temos vontade de sossegar um pouco, fazer menos essas idas e vindas — afirma Paulo.
No momento, os encontros presenciais são repletos de carinho e conversas longas, enquanto compartilham uma cuia de chimarrão. E foram justamente o diálogo e a sinceridade que deram estrutura à confiança necessária ao relacionamento, revela Lisandra, sem mágoa ou desconfiança.
— Os dias são tão corridos que eu pisco, já é sexta-feira. Quase não dá tempo de sentir saudade, pois nos falamos várias vezes ao dia. E, mesmo assim, quando chego, cada um quer falar mais que o outro, parece que fazia um tempão que não nos víamos. Acho que quando a gente mora junto, pega algumas frustrações do dia a dia e desconta em quem está mais perto. Toda vez que nos vemos, é só alegria. E quando um precisa, o outro larga tudo e corre para ajudar — conta ela.