Embalada pelo Dia dos Namorados, me veio à lembrança uma cena do clássico Annie Hall, de 1977, que no Brasil ganhou uma tradução engraçadinha e comprida demais: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. No filme, Alvy, protagonizado pelo próprio diretor, Woody Allen, é um comediante que inicia um relacionamento com Annie, vivida pela graciosa Dianne Keaton.
Em determinado momento, estão ambos no terraço de um edifício em Nova York e engatam um papo cabeça, numa evidente tentativa de seduzir um ao outro. Enquanto isso, na tela aparecem legendas revelando o que cada um está, na verdade, pensando naquele exato instante. O debate entre os dois é sobre arte, mas Alvy está mais preocupado com outra coisa: “como ela será pelada?”. E Annie parece muito segura de suas opiniões, mas, no fundo, se pergunta: “será que ele está me achando inteligente?”.
Os começos de relação se parecem entre si. As primeiras conversas são uma mistura de entrevista de emprego com campanha de marketing. Fala-se brevemente sobre a família de cada um e logo começa o exibicionismo de um pretenso bom gosto, a fim de encantar os olhos do “cliente”: os filmes preferidos (“Godard era um gênio”), as músicas que amamos (“Leonard Cohen, e você?”), os locais para onde gostamos de viajar (“uma pousadinha na montanha me basta”), nossos hobbies (“ioga, leitura, violoncelo”) e nossa lucidez ao opinar sobre política, tudo verbalizado com orgulho, enquanto matutamos em silêncio: será que excluí do Instagram aquela minha foto abraçada no Alexandre Frota?
No fim das contas, tudo o que falamos nos primeiros encontros é uma carta de intenções muito bem redigida e pode até ser 100% honesta (médio: você não pisa numa pousadinha há séculos, só se hospeda em resorts all inclusive), mas o que vai determinar o sucesso ou o fracasso do relacionamento é e sempre será o imponderável.
Hobbies? Música? Ajudam, mas o que apaixona, antes de qualquer coisa, é o jeito. O jeito que a pessoa tem de andar, de mexer no cabelo, de piscar os olhos. O jeito de falar em um tom tranquilo e maduro, de ser charmoso nos pequenos detalhes, de possuir um universo particular a ser descoberto lentamente. O jeito de beijar, de pegar pela nuca, de ficar sério. O jeito de sorrir, de brincar e de fazer silêncio na hora certa.
O que desencanta? O jeito bobo, sem timing, infantil. A piada sem graça, a chatice de quem bebeu demais, a dramatização por bobagens, o ciúme clichê, a falta de humor, a ausência total de subjetividade. Todas as encrencas virão no pacote e poderão, aos poucos, desgastar o idílio amoroso, mas se houver fascínio recíproco, ficarão juntos, mesmo sem entender o porquê. É o jeito.