— Isso me deixa louco... Lou-co!
Repetiu duas vezes a palavras louco com uma inflexão na voz que não deixava dúvida de que ele estava, mesmo, em outro estado de consciência. Manteve os olhos fechados e balançava a cabeça para o lado, em movimentos curtos e ritmados, como se fossem espasmos provocados por um estímulo interno. Era um maestro regendo uma orquestra, sentado na poltrona de sua pequena sala de estar. Escutava Strauss.
O que o deixava louco era a percepção de que seus sentimentos se expandiam, saltavam de dentro para fora, dominando-o. Não se sentia solitário, mesmo vivendo tão só. Sua sensibilidade deixava de ser invisível e impalpável: transbordava. O que muitos sentem através da palavra de Deus, numa missa, ou visitando Machu Pichu, no Peru, ou ainda na sala de parto, durante o nascimento de um filho, ele sentia igual, com a mesma intensidade, sem sair de onde estava.
Era como estivesse sob efeito de um narcótico. Apartado da miséria da vida, a salvo do vazio da mesmice, protegido contra a banalidade do mundo. Um homem embriagado de beleza e fantasia, mas sem perder a noção de que aquele momento era, antes de tudo, uma experiência real.
É uma droga muito viciante, a arte. A única que não nos enjaula, ao contrário.
As páginas de um livro de Guimarães Rosa. Bailarinos dançando uma coreografia de Deborah Colker. Os murais de Portinari. As fotos de Sebastião Salgado. Benditos todos os “malucos” que nos proporcionam viagens sensoriais, liberdade de pensamento e o êxtase das emoções inesperadas. A arte subverte a castração a que somos submetidos pela rotina dos compromissos. Alivia nossas dores existenciais e nos dá a sensação de que nada poderá nos ferir. A vida é boa (sim, David!) enquanto escutamos belas canções, enquanto as cortinas dos palcos não fecham, enquanto circulamos pelos corredores dos museus.
Fuga. Escape. Sonho. É preciso saltar o muro deste nosso hospício diário e ir ao encontro da delicadeza. Essa crônica foi inspirada pelo comovente livro Esperando Bojangles, de Olivier Bourdeaut, pelo importante depoimento de Walter Casagrande no programa Bem Juntinhos, do GNT (“Tive que procurar outra forma de prazer depois de largar as drogas. Açúcar? Não. Teatro. Cinema.”) e principalmente pelo meu pai, que sempre fez uso abusivo desse entorpecente mágico, lícito e transgressor, e que agora adotou a música como sua mais constante companhia, aos 85 anos.
“Dizem que sou louco por pensar assim, mas louco é quem...”, você sabe. Um viva aos Mutantes, que compuseram a Balada do Louco, em 1972, e a todos os milhões de seres extraordinários que não se contentam com a mediocridade. Que a gente morra tentando capturar o sublime.