O vento gelado que sopra nas praias do Rio Grande do Sul durante boa parte do ano sequer fez cócegas na pele da estudante de nutrição e operadora comercial Paula Ouriques quando ela decidiu que faria uma sessão de fotos à beira-mar, em Tramandaí:
— Entrei na água, molhei o cabelo. Tinha vento, mas eu não sentia frio. Na natureza, fico à vontade. As fotos no mar ficaram maravilhosas, parece que, naquele momento, eu brilhava mais — relembra.
O ensaio clicado em outubro de 2021 pela fotógrafa Bárbara Fischer, de 30 anos, marcava um momento de libertação na vida de Paula, e a força irreprimível do mar precisou fazer parte das imagens, porque tem tudo a ver com sua nova fase: aos 31 anos, a gaúcha de Novo Hamburgo está em um processo de renovação, superação de traumas e ganho de autonomia.
A vontade de fazer as fotos, embora tenha partido dela, contou com o incentivo de sua psicóloga no entendimento de que serviria como um complemento ao trabalho de terapia. A ideia inicial era que, através do olhar de uma fotógrafa focada em mostrar sua real beleza, a jovem conseguisse consolidar uma nova visão de si. Por muitos anos, a gaúcha teve uma relação difícil com sua imagem, motivada, em parte, por um abuso que sofreu quando era criança. A violência deixou marcas profundas no seu emocional.
— Afetou várias partes da minha vida, sempre fui muito insegura. Eu tinha medo de usar roupas mais justas, não queria que homens me olhassem, assim como eu também não me olhava como mulher em vários momentos. Com a ajuda da terapia, fui ressignificando o que me aconteceu, entendi que tiraram minha inocência na infância, mas abracei o fato de que sou mulher e não tenho que ter vergonha do meu corpo. É um processo lento, mas estou vendo meu amadurecimento — afirma Paula.
A fotografia não promete curas. Tampouco os profissionais vendem essa ideia, mas, para Paula, o que foi captado pelas lentes de Bárbara complementou sua jornada de tratamento e reconexão com seu corpo e com sua potência enquanto mulher. E o resultado, garantem elas, só foi possível por causa da conexão profunda que se formou entre as duas.
Antes dos cliques, houve muita conversa e empatia para mapear os caminhos que as levaram a se encontrar naquela sessão e para entenderem onde queriam chegar. Meses depois de fazerem as fotos, quando se encontraram por acaso em uma festa, a modelo fez questão de agradecer novamente pela experiência e recomendar que suas amigas tivessem coragem de viver o mesmo.
— Ela me olhou com os olhos cheios de lágrimas e falou algo como “tu não tens noção do efeito que isso teve na minha vida”. É muito gratificante. Nós, mulheres, temos a mania de nos olharmos no espelho e procurar defeitos, né? Então, tu te veres através de um olhar que quer focar nas tuas qualidades é muito especial. Muitas vezes elas me contam que, depois de se verem nas fotos, começam a olhar seu reflexo com mais carinho e buscando o seu melhor ângulo, suas qualidades — afirma a fotógrafa, que atua em Novo Hamburgo.
Mais do que simples vaidade
Além de Bárbara e Paula, também conhecemos as histórias das fotógrafas Marina Blanguer e Fernanda Nickkel com suas modelos Cris De Luca e Janete Mezzomo, respectivamente. Ao longo das conversas, fica evidente que há muita coisa acontecendo para além das poses, sorrisos e rendas. Para as fotografadas, os ensaios femininos ganharam relevância ao marcarem o ponto alto de jornadas de autoafirmação, aceitação do próprio corpo, cicatrização de antigas feridas e virada na carreira. Segundo o relato das profissionais, também há muitos casos em que as fotos são feitas para simbolizar a libertação de relacionamentos infelizes.
— Os motivos são os mais diversos, mas sempre têm a ver com se reconectar consigo. Já me contrataram para comemorar fim de namoro, para se olhar com mais carinho depois de anos dentro de relacionamentos sem se perceber. Tem gente que faz para retratar mudanças na sua aparência e se reconhecer em um “novo corpo” após perda ou ganho de peso, ou mesmo alguma cirurgia por motivo de saúde ou estética. Muitas também curtem registrar como eram aos 20, 30, 40 anos, para depois olharem para essas fotos e lembrar do que estava acontecendo naquela etapa da vida, e o que mudou desde então — diz Marina Blanguer, de 25 anos, que atua em Porto Alegre.
É uma conexão de almas, uma relação de intimidade que acontece entre as mulheres.
FERNANDA NICKKEL
Fotógrafa
As sessões podem ser realizadas em estúdio, na casa da modelo, em um ambiente aberto — como uma praia, parque ou praça — ou, se for mais confortável para ambas, no lar da própria fotógrafa, já que a moda do home studio pegou e os ambientes instagramáveis, com sofás, tapetes felpudos, janelas amplas e cortinas esvoaçantes estão entre os favoritos para esse tipo de foto. O cenário e a luz são pensados com cuidado, para que a mulher se sinta tranquila, bonita, e para que a pós-produção, no que tange os retoques, possa ser o mais suave possível. As profissionais detalham que, na maioria das vezes, o Photoshop fica restrito a uma espinha, uma manchinha na perna, um ralado no joelho, já que o objetivo é que a mulher se reconheça com alegria e que a foto a represente em sua essência.
A fotógrafa porto-alegrense Fernanda Nickkel, de 38 anos, lembra que muitas mulheres optam por fazer as fotos com profissionais do sexo feminino por entenderem que é um ritual onde compartilham experiências comuns a elas e criam uma relação de entendimento mútuo.
— Isso acontece muito e eu acredito que é por causa da liberdade de mostrar o corpo sabendo que quem está do outro lado da câmera é alguém que vai tentar mostrar o melhor da cliente, sem julgá-la pelo seu corpo ou suas escolhas, e sim se conectar com ela. É uma conexão de almas, uma relação de intimidade que acontece entre as mulheres — opina Fernanda.
Presente de aniversário
Um ensaio aos 40, outro aos 41 e mais um aos 42. Se a relações públicas e jornalista Cris De Luca continuar a tradição de se presentear com fotos, a quarta sessão com a fotógrafa Marina Blanguer será em novembro deste ano, na comemoração do seu aniversário de 43 anos. Para ela, trata-se de uma maneira de refletir sobre as suas mudanças e experiências no ciclo que passou e abraçar o que está começando.
— Fazer o primeiro ensaio aos 40 me trouxe aquele marco de “aqui eu sou quem eu realmente sempre quis ser”. E continuo a fazer para conseguir enxergar como eu estou naquele ano, as fotos materializam esse processo. Tenho me conectado mais comigo e me entendido melhor na última década, mas foi só nos 40 que comecei a notar a potência de aceitar o meu corpo e olhar as possibilidades que ele me dá. As pessoas falam dos 30, mas os 40 são realmente libertadores, é quando a gente vive a vida do jeito que quer mesmo — afirma Cris.
Uma das bandeiras do trabalho de Marina é a de que a fotografia auxilia nos processos de autoconhecimento e de fazer as pazes consigo mesma, já que o espaço seguro e livre de julgamentos onde as fotos são feitas permite que as mulheres se enxerguem com mais carinho. As fotos de Cris, feitas em seu estúdio, são repletas de luz solar, sorrisos, taças de vinho e sensualidade — de uma forma delicada e não com traços tão latentes de sexualidade, uma característica que Cris atribui ao fato de ser uma mulher quem está operando a câmera. Para ela, não se trata de seduzir a câmera, mas sim de mostrar quem realmente é.
— Eu nunca fui uma mulher de corpo padrão e sempre o aceitei da forma que ele era, sem transtornos de imagem ou alimentar. Mas vivemos em uma sociedade machista que faz com que a gente sofra uma pressão estética absurda, em relacionamentos, na família. As fotos são uma maneira de mostrar “essa sou eu, essa aqui é minha essência, é assim que eu me vejo” — afirma.
Virada de chave profissional
Natural de Alegrete, aos 51 anos Janete Mezzomo está embarcando em uma novíssima jornada de carreira. Ela se despede — com amor e gratidão, reforça — de quase 30 anos de advocacia na área trabalhista, profissão em que se realizou e na qual conseguiu conciliar a criação de dois filhos com o dia a dia de trabalho. O foco agora serão atividades relacionadas à consultoria de moda e bem-estar da mulher 35+.
— Não é fácil encerrar ciclo, eu tive um luto, chorei muito. Mas decidi rever valores e prioridades, começar a contribuir para a sociedade de uma outra forma. E eu estou numa fase linda, trabalhando a minha autoestima, me sentindo bonita. As fotos são para mostrar o marco inicial dessa nova vida, registrar esse meu momento importante — comemora.
No ensaio, realizado há pouco mais de uma semana, a nova Janete já deu as caras, vestindo looks elegantes e mais despojados. Quem foi escolhida para captar a virada de chave profissional foi Fernanda Nickkel, que tem uma carreira de mais de 18 anos na área. Segundo Janete, as conversas nos bastidores lhe deram a confiança de que precisava para assumir frente à câmera o seu novo momento:
— Ela foi maravilhosa, fez um cafezinho, me deixou muito à vontade. Chegou um ponto em que deitamos as duas no chão, uma do lado da outra. Ela me deu paz, serenidade e conduziu tudo muito bem, já que eu não tinha experiência com fotos. Foi um momento de sintonia — revela a advogada e aspirante à consultoria da moda.