Na semana do Dia dos Namorados, uma das melhores datas do ano para vendedores de flores, 10 floristas que comercializavam suas rosas, girassóis e margaridas na Rua Otávio Rocha até o final de maio agora ocupam casinhas de madeira no Largo Glênio Peres. Eles foram realocados pela prefeitura da Capital para a realização de reformas na via original onde ficam seus estabelecimentos, o que deve ocorrer até setembro. Na manhã desta terça-feira (7), outras quatro brancas, de jornais e revistas, também começavam a ser transferidas.
O objetivo de reposicionar os comerciantes é que eles continuem trabalhando enquanto as obras estão em andamento na Otávio Rocha. Entretanto, até as 15h desta terça-feira (7), ainda não havia fornecimento de energia elétrica nem pontos de água potável no local para onde eles foram encaminhados. Apesar de otimistas com a revitalização do chamado Quadrilátero Central, a dificuldade para ligar luzes, carregar celulares e maquininhas de cartão — e até mesmo para regar as plantas que são vendidas — decepciona e preocupa os vendedores.
— Prometeram uma banca nova para cada um da rua, padronizada, daqui a três meses, mas até lá precisamos ter condição de trabalhar aqui — pondera Valdair Câmara, 49 anos, natural de Venâncio Aires, que vende jornais e revistas desde 1998 na Rua Otávio Rocha.
Ele foi o primeiro comerciante a ter sua banca realocada. Entre o local provisório e o tradicional, são 40 metros. A distância não impediu que seus clientes o encontrassem na manhã desta terça. O empecilho era outro: a falta de energia elétrica. Nos 10 minutos em que a reportagem o entrevistava — enquanto ele abria uma caixa de cigarros e distribuía as carteiras nas prateleiras às 10h —, precisou explicar para quatro clientes que não poderia vender nenhuma delas naquele momento nem fazer recarga de crédito em celulares, pois estava sem bateria na maquininha de cartão.
Apesar do transtorno, Valdair se mostra confiante com o resultado das reformas:
— Tudo que vier para melhorar é bom. Agora o movimento de venda está começando a melhorar, e com as reformas acho que vai valorizar ainda mais nossos pontos aqui no Centro, pois acho que a cidade poderia ser melhor preparada para receber visitantes.
Valdair garante que a venda de jornais e revistas caiu 90% nos últimos 10 anos e lamenta a crise financeira e a queda de movimento decorrente da pandemia. Ele diz que seus maiores compradores de Diário Gaúcha e Zero Hora eram idosos, que estariam mais fechados em casa. A alternativa encontrada por ele e outros colegas comerciantes foi diversificar a oferta de produtos. Valdair investiu em uma máquina de café e em uma geladeira com bebidas sem álcool para venda — ambas, porém, também estavam desligadas nesta manhã por conta da falta de energia elétrica.
Márcio Mello, 42 anos, e Rodrigo Rodrigues, 38, observavam suas bancas serem suspensas por um guindaste a serviço da prefeitura, na manhã desta terça, para a mudança de local. Para isso, a energia elétrica já fora desligada na sexta-feira (3).
Na sexta, trabalhei com lanterna, pois já estávamos sem luz, para tentar vender algo. Depois levei todos os produtos para casa, pois ficamos sem alarme e são coisas com valor que não posso perder em um roubo. Investi e tenho boas expectativas para o futuro da rua, mas é preciso ter muita paciência
MÁRCIO MELLO
Comerciante
Mello desistiu de vender jornais e revistas com a chegada da pandemia, em março de 2020, e reabriu seu espaço vendendo fones, dispositivos de áudio e outros acessórios para celulares.
— Na sexta, trabalhei com lanterna, pois já estávamos sem luz, para tentar vender algo. Depois levei todos os produtos para casa, pois ficamos sem alarme e são coisas com valor que não posso perder em um roubo. Investi e tenho boas expectativas para o futuro da rua, mas é preciso ter muita paciência — contou.
Rodrigues estava mais receoso com a possibilidade de danos provocados pela realocação. A banca dele é mais antiga, e caso o custo de eventuais prejuízos causados pela remoção da estrutura seja maior do que o seu faturamento, terá de buscar uma alternativa:
— Desligaram nossa luz na sexta e era para terem feito o resto dessas mudanças de banca no domingo, mas choveu. Se fizerem hoje e eu não conseguir arrumar a minha, vou pra fila do Sine.
A cem metros dali, os outros 10 comerciantes da Avenida Otávio Rocha já estavam com suas tendas de madeira instaladas. Flores coloriam a fachada e atraíam a atenção de pedestres.
A florista Maria Silvia dos Passos, 54 anos, afirmou que pagou pela estrutura e madeira ainda estava sem fornecimento de água e luz elétrica. A solução encontrada por ela e pelos colegas floristas para seguir vendendo foi carregar as maquininhas em casa ou em algum ponto de comerciante amigo da região, de onde também vem a água, que, trazida em baldes, mantêm suas mercadorias vivas.
— Nos deram só o chão, paguei R$ 2,5 mil para construir a minha (banca). Está chegando o Dia dos Namorados, uma data fundamental para nosso comércio, e não temos as condições para vender. Nessa época, já fica escuro pelas 17h30min, aqui é um local perigoso — argumenta a vendedora, que mantém a Toca das Flores desde 1999 na Otávio Rocha.
Nos deram só o chão, paguei R$ 2,5 mil para construir a minha (banca). Está chegando o Dia dos Namorados, uma data fundamental para nosso comércio, e não temos as condições para vender. Nessa época, já fica escuro pelas 17h30min, aqui é um local perigoso
MARIA SILVIA DOS PASSOS
Florista
Sua venda campeã é o arranjo com flores sortidas, que reúne duas dúzias de quatro espécies diferentes em um ramo que é entregue ao comprador em um vaso com água. O preço cobrado de R$ 150 compensa menos enquanto ela tiver que caminhar 150 metros até a antiga banca para buscar um balde com água. Isso sem contar a inflação, que, segundo os comerciantes, fez dobrar o preço das rosas, importadas de São Paulo.
João Carlos Ramos, 65 anos, florista há 30 anos, está mais esperançoso com a chegada da data romântica que pode impulsionar as vendas, mas faz coro sobre o transtorno da falta de água.
— Estamos otimistas para o Dia dos Namorados, pois o cliente até nos encontra, já que a mudança foi bem rápida, não ficamos muito fechados. Nosso trabalho maior está sendo buscar água ali adiante — comenta, ao lado da esposa, Maria Isabel, 59, apontando para o terminal Parobé, em frente à sua calçada.
O que diz a prefeitura da Capital
Por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET), a prefeitura alega que não prometeu novas instalações de luz ou água no local. O combinado entre o Executivo municipal e os comerciantes, segundo a pasta, era que as cabanas de madeira, os postes e os relógios de energia seriam todos custeados pelos comerciantes. Para o fornecimento de água dos floristas, a solução apontada foi o Mercado Público.
Veja a nota na íntegra:
"A Prefeitura começou a dialogar com todos que seriam afetados pelas obras tão logo o projeto foi definido e o cronograma passou a ser elaborado.
Foi combinado com floristas e bancas de revistas, que precisariam ser removidos temporariamente para a realização da obra, que estes seriam os responsáveis pela compra do poste e do relógio para iluminação. Desta forma, a CEEE faria a ligação.
Quanto à água, foi oferecido a eles o uso no Mercado Público.
A Prefeitura ofereceu ainda bancas já existentes, o que foi recusado pelos floristas que, em reunião, votaram unanimemente por fazerem suas próprias lojas.
Tanto as bancas de revistas, quanto os floristas, ganharão novos e modernos equipamentos, já previstos no projeto do Quadrilátero."