Um dia após a prefeitura de Porto Alegre anunciar a demolição do Anfiteatro Pôr do Sol, apesar de ainda não haver resultado dos estudos de dois consórcios sobre soluções para a revitalização do trecho 2 da Orla do Guaíba, uma visita ao local ajuda a entender a decisão do Executivo municipal. Abandonado e interditado, o local se deteriora claramente, uma situação que vem desde 2020, por falta de Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI).
O efeitos do abandono e do passar do tempo são visíveis na estrutura do prédio. Há dezenas de pichações, marcas de fogueira e sujeira. A vegetação cresceu no entorno, o que torna o lugar inóspito e ainda mais perigoso. A parte de madeira do palco cedeu em alguns trechos e também apresenta marcas de fogo. A impressão é de que o anfiteatro está há muito mais tempo sem utilização.
Traficantes e usuários de drogas estão sempre no entorno do anfiteatro. A chance de alguém sofrer um assalto nas imediações é considerável. Além disso, há espaços que podem ser utilizados como esconderijos para delinquentes dentro da estrutura, onde se percebe que pessoas estiveram recentemente consumindo drogas e acendendo fogueiras. Não bastasse o cheiro ruim, pombas que fizeram do lugar seu lar espalham fezes pelo chão em grande quantidade.
Se atualmente o Anfiteatro Pôr do Sol é o retrato do descaso, o mesmo não pode ser dito dos primeiros anos de sua existência. Inaugurado em 13 de maio de 2000, o lugar recebeu o nome em votação popular, que contou com a participação de quase 200 mil pessoas. Tornou-se uma espécie de cartão-postal da cidade.
Atividades como o Fórum Social Mundial de 2001, shows musicais, o aniversário de Porto Alegre, com presença do cantor e compositor Roberto Carlos, passaram por ali. Eventos ligados à Copa do Mundo de 2014 e à Copa América de 2019 também tiveram o espaço cultural como ponto de encontro. O anfiteatro também recebeu serviços especializados voltados à saúde e ao bem-estar da comunidade, e até alguns eventos da Semana Farroupilha. Foi local de começo e término de passeatas e manifestações.
Realizado em 18 de maio de 2019, o VillaMix Festival acabou sendo o último show realizado na região do Anfiteatro Pôr do Sol, com direito a dois telões e um palco montado à frente da edificação. Ou seja, já não ocorreu propriamente dentro da estrutura. Entre as atrações estiveram o DJ Alok, o sertanejo Gusttavo Lima e o funkeiro Kevinho.
Em 14 de março de 2020, um incêndio atingiu o palco. Na ocasião, partes de metal da edificação foram atingidas. Dois caminhões de bombeiros precisaram ser chamados para apagar as chamas. Ninguém ficou ferido, e as causas nunca foram esclarecidas.
Questionada se a construção de um novo centro de eventos no lugar do atual não poderia significar a repetição do mesmo destino do anfiteatro, a secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, explicou que não:
— A primeira coisa que o município vai fazer é melhorar a questão do esgoto ali onde vai haver a marina pública. Vai ter iluminação, atividades, pessoas caminhando e ocupação. Todo o restante será dedicado aos eventos — antecipa.
Segundo a titular da pasta, câmeras de monitoramento serão espalhadas pelo trecho 2 no futuro, a exemplo do que já ocorre nos demais espaços revitalizados:
— A Orla é o local mais vigiado de Porto Alegre, por câmeras e de forma presencial. Temos lá Brigada Militar, Guarda Municipal e segurança privada.
Eventos e marina
A área de 50 mil metros quadrados do entorno do anfiteatro vai abrigar a marina pública, que oferecerá atracadouro permanente para os barcos, pequenos consertos e limpeza, local para abastecimento das embarcações, além de proporcionar eventos náuticos para o público.
Serão necessárias conexões para os pedestres entre o trecho 2 e os demais. O espaço, que depois de revitalizado estará apto a receber milhares de pessoas, seguirá abrigando grandes eventos musicais, em especial por não ter moradias nos arredores.
É o único lugar que a gente tem de fácil acesso em que se pode fazer um show sem incomodar a vizinhança. Esse trecho tem de ficar dentro desse conceito
ANA PELLINI
Secretária municipal de Parcerias
— É o único lugar que a gente tem de fácil acesso em que se pode fazer um show sem incomodar a vizinhança. Esse trecho tem de ficar dentro desse conceito — diz a secretária, salientando que os projetos que serão apresentados poderão ser rejeitados, aprovados ou aproveitados em parte.
Os dois consórcios de empresas, que têm mais 90 dias para a apresentação dos estudos, após acordo com a prefeitura por mais prazo, não antecipam detalhes do que será feito.
— Sobre o tema, informamos que ainda estamos desenvolvendo os estudos, e, portanto, não é possível anteciparmos nenhum detalhe sobre o projeto de revitalização — respondeu Fernanda Munaretti Michaelsen, engenheira de Orçamento e Planejamento da Construtora Pelotense, uma das empresas participantes.
Foram selecionados pela prefeitura dois consórcios para apresentarem estudos sobre soluções para a revitalização do trecho 2. Um deles reúne as empresas CHEETAH Consultoria Empresarial, Photo Arquitetura, PierBrasil Engenharia e Soluções Tecnológicas, Arvut Meio Ambiente e Superfície Engenharia. O outro é formado pela Construtora Pelotense e pela RGS Engenharia.
Outros anfiteatros e arenas
Mesmo que nem todos os anfiteatros existentes pelo país e ao redor do mundo sejam gratuitos, alguns oferecem entrada livre em várias ocasiões. Outra característica comum a muitos deles são as constantes reformas, o que garante o funcionamento e as condições ideais da edificação. O Palco Bell’Anima foi inaugurado em 25 de março deste ano, com direito a um concerto de abertura, no interior do Rio Grande do Sul. Inspirado nos moldes gregos, possui capacidade para 450 espectadores e fica no Centro Internacional de Arte e Cultura Humanista Recanto Maestro, entre os municípios de Restinga Sêca e São João do Polêsine, a cerca de 30 quilômetros de Santa Maria.
Em Brasília, a Concha Acústica é uma referência para encontros culturais. O arquiteto Oscar Niemeyer desenhou uma estrutura composta por três projeções retangulares. Também acrescentou uma plataforma em forma de trapézio, com um setor circular côncavo. O palco possui uma concha acústica de 42 metros de comprimento, além de cinco de altura (na parte mais alta). Já passou por duas reformas desde sua inauguração.
Por sua vez, a Concha Acústica do Taquaral, em Campinas, no interior de São Paulo, é composta por um palco de 140 metros quadrados, além de uma concha acústica de 14 metros de altura. Fica no Parque Portugal e recebe espetáculos. Em uma reforma feita em 2013, passou por troca do piso do palco, melhorias na iluminação e recuperação da parte de concreto de sua estrutura. Houve obras, ainda, nas arquibancadas e a construção de rampas para acessibilidade para pessoas com algum tipo de limitação física.
O Teatro L’Occitane, situado em Porto Seguro, na Bahia, é outro exemplo de sucesso. Possui uma extensa área de mais de 6 mil metros quadrados, em meio à Mata Atlântica. Tem capacidade para receber 2,1 mil pessoas e foi concebido para abrigar eventos variados. Há dois palcos sobrepostos (um aberto e outro fechado) e o sistema de refrigeração do ambiente é natural.
Fora do país há muitos exemplos. Um deles é o Parco della Musica, localizado em Roma, na Itália, onde ocupa uma área de 55 mil metros quadrados. Oferece ao público três salas de concerto, um parque e um teatro ao ar livre. No total, o lugar possui 7,6 mil assentos. Mais de 1 milhão de pessoas visitam o lugar por ano. Em comum, quase todos passaram por reformas ou melhorias constantes para estarem ainda em funcionamento.