É desnecessário muito tempo de conversa para identificar a origem simples de Noeli Maria Silva dos Passos, 69 anos. Não pelo tropeço nas palavras, tampouco pela casa de construção inacabada. O que se destaca na moradora da Vila Cruzeiro, zona sul de Porto Alegre, é a gratidão: ao receber kits com ovos de Páscoa, brinquedos e sacolas com alimentos variados, a mulher não conseguiu ir além de um “muito obrigado” antes de ter a fala interrompida pelo choro.
— Eu não tenho palavras, foi Deus que colocou vocês aqui pra mim — complementa, ainda com a voz embargada.
As doações são frutos de uma corrente do bem iniciada há uma semana, em 7 de abril, quando sua história ficou conhecida dos ouvintes da Rádio Gaúcha. Noeli foi uma das entrevistadas em uma reportagem sobre as dificuldades enfrentadas nas compras diárias, devido à frequente alta no preço dos produtos. À audiência do Gaúcha Atualidade, ela admitiu que a única carne que tinha condições de comprar era coração de gado, a R$ 14 o quilo. A proteína precisava ser dividida com os sete netos, criados pela avó e por uma de suas filhas.
— Faço tudo pelos meus netos. Sou avó, mãe e pai. Se tiver comida pra eles, eu não preciso nem comer, porque criança não aguenta a fome — diz.
Logo o público ofereceu ajuda, valores convertidos em um rancho em um mercado da região. Nesta quinta-feira (14), ela foi surpreendida com a entrega dos chocolates, um para cada criança, além de uma cesta para as duas adultas. Os doces foram comprados pela publicitária Rosani Sartori Müller da Silva, 48 anos, em uma vaquinha feita com um grupo de amigos do Vale do Sinos.
— Páscoa é um momento de reflexão. As pessoas podem aproveitar o momento para criticar menos, julgar menos e ajudar quem precisa — sugere.
A família ganhou ainda oito quilos de coxa e sobrecoxa de frango, 20 quilos de arroz, pacotes de massa, feijão, sal e açúcar, óleo de soja, polenta, farinha, café e margarina, além de produtos de higiene e limpeza. A campanha teve doações em dinheiro de pessoas que nunca se conheceram: Alexandre Corrêa Torres, Denise Sottili Machado, Damiane Santos e Ana Lúcia.
Em um segundo ato solidário, foi garantida a refeição especial da Sexta-Feira Santa: tainha assada na taquara e filé de cabrinha no palito. Os presentes foram entregues por Paula Araújo e Rosana Coelho, moradoras da Ilha da Pintada e expositoras na Feira do Peixe do Largo Glênio Peres, no centro da Capital.
— Hoje a gente ia comer arroz com sambiquira de frango, que eu tinha separado. Mas olha meu pote de arroz, tava no fim. Agora tem pro mês inteiro — calcula Noeli.
Uma das netas, Lorrany, 5 anos, viu o chocolate embalado sobre a mesa:
— É pra mim? — perguntou, retirando uma das embalagens.
Pollyanna não esperava ganhar nada do coelhinho, pois mesmo aos oito anos, sabe da realidade financeira a qual são submetidos.
A idosa recebe cerca de R$ 850 da aposentadoria — o restante é debitado automaticamente, por um empréstimo consignado que visava concluir o imóvel. Há três anos, o marido morreu de câncer e era ele o empreiteiro da própria residência. Para vencer contas de água, telefone e despesas com alimentação, roupa e material escolar da família, ela faz bicos de faxineira, assim como a filha que mora com ela.