Dois meses após a prefeitura de Porto Alegre decretar situação de emergência em cinco bairros da cidade (Partenon, Vila São José, Vila João Pessoa, Coronel Aparício Borges e Santo Antônio), em razão de problemas de abastecimento, a distribuição das caixas de água segue ocorrendo em áreas do Morro da Cruz, na zona leste. Até este sábado (9), um total de 137 caixas com todo o material completo para instalação já haviam sido distribuídas pela prefeitura. O processo teve início em 18 de fevereiro.
— A questão da água está como era antigamente: falta de manhã e volta à noite; falta em um dia e retorna no outro. Já era assim antes — relata Nira Martins Pereira, vice-presidente da ONG Coletivo Autônomo Morro da Cruz.
O problema, na soma dos cinco bairros que vivem situação de emergência, atinge 120 mil habitantes. Segundo Nira, a entrega do equipamento já foi concluída na região do Altos do Morro da Cruz, e agora o material começaria a ser distribuído na Baliza Alta Tensão, que, por ser de difícil acesso, teve problemas para o recebimento de água dos caminhões-pipa.
— As caixas ainda estão sendo instaladas pelos próprios moradores, e há aqueles que optaram por esperar a instalação feita pela prefeitura, o que é um processo mais demorado — atesta.
A dificuldade para o material passar e até chegar a determinados pontos do Morro da Cruz é um entrave desde o começo das operações. A presidente da ONG, a antropóloga Lucia Scalco, conta que a própria organização promoveu uma campanha e conseguiu comprar 25 caixas para distribuir na comunidade. Mas repete um alerta já feito por outros moradores afetados:
— Não adianta só comprar e entregar a caixa d’água. Precisa instalar com segurança.
Ao menos duas caixas instaladas pela prefeitura em fevereiro haviam sido colocadas de forma inadequada, o que obrigou os funcionários da prefeitura a refazerem o trabalho. Na ocasião, uma estava depositada sobre uma pilha de tijolos em uma moradia, enquanto outra foi deixada em cima de uma churrasqueira.
Aqui diariamente falta água. Se a gente reclama dizem que somos ruins. Se não falamos nada ficamos sem água
MADALENA VIEIRA DE MORAES
Moradora do Campo da Lixa
— Fizeram melhorias na bomba da Rua Primeiro de Setembro, o que amenizou o problema. Não falta mais água durante três ou quatro dias seguidos — diz Any Moraes, uma das líderes da Comissão de Moradores do Morro da Cruz.
Porém, a irregularidade no abastecimento persiste em algumas partes da região. Os moradores do Campo da Lixa reclamam da inconstância da água na torneira:
— Aqui diariamente falta água. Se a gente reclama dizem que somos ruins. Se não falamos nada ficamos sem água — desabafa Madalena Vieira de Moraes, salientando que dois dias antes não estava com água em casa.
Madalena disse que a situação gera muitas dificuldades, até para a família obter água para colocar na descarga do vaso sanitário.
— O pior é para as crianças. Não dá para ficar sem água tendo crianças dentro de casa — lamenta.
Na área do Paraíso do Bugre, conhecido como Recanto do Bugre, a prefeitura instalou três grandes reservatórios, sendo que dois comportam 15 mil litros de água, e o outro, 20 mil litros. Ainda falta fazer a rede para os equipamentos começarem a funcionar, o que deve melhorar a situação de cerca de 100 famílias.
A moradora Delci Castro, que cortava a grama enquanto a chuva fraca dava uma trégua, confessa que não enfrenta problema de falta de água, mas que ela é uma exceção:
— O pessoal aqui em volta da minha casa não tinha água. Sempre falta.
O diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Alexandre Garcia, acredita que apenas distribuir caixas de água para a população não resolve o problema.
— Apenas as caixas não criam a água lá em cima, servem para estabilizar o sistema em situações como a enfrentada neste ano de forte estiagem. O que ajuda são os investimentos feitos, que já chegam a R$ 1 milhão para levar água ao Morro da Cruz.
Segundo o dirigente, redes formais estão sendo criadas e até o próximo verão todos os moradores da região que tiveram problemas de abastecimento viverão outra realidade:
— Neste momento, não há reclamação de falta de água no Morro da Cruz — afirma.
O problema também afeta a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Professora Judith Macedo de Araújo, localizada no bairro São José. A instituição de ensino enfrenta há muito tempo os problemas da falta de água no Morro da Cruz. O motivo vem desde 2019, quando a caixa d'água da escola foi interditada. Dessa maneira, quando falta água, o local fica com as torneiras secas e deixa 1.050 estudantes sem aula.
Segundo informa a Secretaria Municipal de Educação (Smed), uma força-tarefa da equipe de obras atende questões envolvendo caixas de água e reservatórios nas escolas. O grupo está fazendo as análises técnicas. A previsão é de que na próxima semana seja concluído o cronograma.
O Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge/RS) auxiliou as equipes da prefeitura em vistorias e participou de reuniões com a comunidade.
— Doamos uma carga de pedra para ajudar na construção das bases onde as caixas de água seriam instaladas. A quantidade de pedra atendia entre 50% a 60% das necessidades das pessoas naquele momento — estima Cezar Henrique Ferreira, presidente do Senge.
Na época do cadastramento realizado pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab), foram cadastradas 599 famílias no Morro da Cruz, sendo que 221 possuíam caixas d'água, enquanto 378 estavam sem o equipamento. O total de moradores sem o reservatório de água chegava a 1.279. Isso significa que, se 137 caixas foram entregues até agora, ainda faltariam 241.
Na próxima quinta-feira (14), deverá acontecer uma reunião entre representantes da comunidade e da prefeitura da Capital, onde o trabalho de distribuição e instalação das caixas d'água será avaliado. O encontro será realizado no gabinete do prefeito Sebastião Melo.