No bairro São José, em Porto Alegre, a ONG Coletivo Autônomo Morro da Cruz se tornou uma referência para sua comunidade. Atuando há mais de uma década, o grupo realiza diversas atividades sociais, auxiliando pessoas em situação de vulnerabilidade. A atuação da ONG já foi mostrada em diversos momentos pelo Diário Gaúcho.
Devido aos impactos de seu trabalho, no dia 9 de novembro a ONG foi premiada na categoria Referência Educacional no prêmio Líderes e Vencedores, que valoriza lideranças da comunidade gaúcha e é promovido pela Assembleia Legislativa e pela Federasul.
A vice-presidente da ONG, Nira Martins Pereira, 56 anos, cresceu no bairro. Com 18 anos, começou a se envolver em trabalhos sociais. Após conhecer Lucia Scalco, presidente do Coletivo, passaram a trabalhar juntas. Confira, a seguir, a entrevista feita pelo Diário Gaúcho com Nira e Lucia.
DG – Já são 15 anos de atuação no Morro da Cruz. Quais os objetivos que movem o trabalho de vocês?
Nira – Eu nasci na comunidade. E na questão social, acho que desde os 18 anos já não me conformava com a desigualdade social. Sempre procurei melhorar a realidade do local onde eu nasci. A gente acredita que somente a educação com qualidade vai transformar a juventude. Então, o objetivo da nossa ONG é unir a comunidade, proporcionar conhecimento e qualificar as pessoas que vivem em situação muito vulnerável.
Lucia – Comecei a trabalhar na comunidade como pesquisadora. Eu olhava a realidade deles e levava para a universidade. Isso começou a me incomodar muito. É difícil tu estudar a pobreza só no nível teórico. Chegou o momento em que eu precisei intervir. Eu não queria mais ficar como uma espectadora. Nunca neguei que eu tenho outra condição social, que eu nasci em outra realidade, mas eu posso, sim, ter amizades verdadeiras com eles, ter empatia, e eu aprendo todos os dias. Então, acho que por isso que a ONG é tão bacana, porque tem esse encontro de pessoas diferentes com o mesmo propósito.
DG – Quais os principais projetos que, atualmente, vocês têm realizado na ONG?
Nira – Nós temos 55 crianças e 20 adolescentes que, no contraturno da escola, praticam aulas de dança ou inglês. E as nossas educadoras estão ali com elas, fazendo reforço escolar, aulas de artesanato, cidadania. Para nós, a inclusão social é um olhar para o futuro. Eu falo para eles não terem vergonha de ter nascido e morar no Morro da Cruz. Falo que eles podem, que eles conseguem, que irão descer desse morro dignamente, com uma qualidade de vida e com visão para o futuro.
Lucia – A gente foi descobrindo que atender uma criança sozinha também não faz sentido, mas sim apoiar a família. A ONG surgiu para apoiar estas famílias, para poderem educar seus filhos. Então, o Coletivo atua em função de também pensar nas famílias.
DG – E como é para ti, Nira, sendo parte da comunidade, ver os impactos que o projeto tem trazido para tantas famílias?
Nira – Como a vice-presidente da ONG, é uma realização muito grande. Há um resgate da minha infância, um resgate da minha juventude. Assim como eu, todos os jovens buscavam coisas que não se tinha naquela época. Hoje, a gente consegue ajudar. Cada criança que é atendida pela nossa ONG, quando vejo um sorriso, também me representa naquele sorriso.
DG – O que representa esse reconhecimento e como a comunidade recebeu a notícia de que a ONG foi agraciada com o Líderes e Vencedores?
Nira – Para nós, foi muito importante receber esse prêmio, porque é um reconhecimento de que a nossa comunidade existe. É um reconhecimento de que a periferia trabalha. E a gente trabalhou muito no sentido de ver o crescimento local dessa comunidade. Então, esse prêmio veio para abrir caminhos, para abrir portas para nós e para a periferia.
Lucia – Parecia que a gente tinha ganhado uma medalha olímpica. Ter sido indicado já mostra que a gente tem chamado atenção, que a gente está no caminho certo. E a ONG estando lá, era a periferia. A gente estava ocupando aquele espaço. Representou a voz da periferia. Nos sentimos muito felizes, honrados e valorizados.
DG – Quais os desafios que o Coletivo enfrenta para garantir a continuidade do trabalho?
Lucia – O trabalho é muito desafiador, porque a gente não tem nenhuma verba oficial. Nós somos uma ONG totalmente apartidária e sem religião. Nós não temos uma ordem religiosa ou filantrópica que nos ajude. O que nos ajuda é a solidariedade e a doação de pessoas individuais. Agora, a gente está tentando procurar algum tipo de ajuda de empresas, mas é muito difícil. A gente vive da solidariedade das pessoas, da contribuição das pessoas. É a sociedade que nos financia.
DG – Que planos e novos projetos vocês têm pensado para o próximo ano?
Lucia – A gente tem bastante projetos. Temos parceria com um empreendedor local que quer abrir um hostel no Morro da Cruz, para o turismo periférico. E a gente quer fazer essas pontes, de trazer as oportunidades que existem para o Morro e também mostrar os talentos do Morro. Chamar atenção para todas as coisas bacanas que acontecem lá, as oportunidades que tem lá, inclusive econômicas. Então, a ONG descobriu que é preciso trabalhar em rede com as outras instituições e com os outros trabalhos que já existem para poder crescer.
Produção: Émerson Santos