O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul (Crea-RS) vai anular as Anotações de Responsabilidade Técnica (ARTs), para edificações acima de 1 mil metros quadrados, emitidas por técnicos de nível médio para os Planos de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCIs). A revelação foi feita nesta quinta-feira (21) pela presidente da entidade, Nanci Walter, que defende a elaboração dos projetos apenas por profissionais com curso de nível superior.
As ARTs são os documentos que determinam os responsáveis técnicos por um projeto. Trata-se de uma ferramenta pela qual o profissional registra as atividades técnicas solicitadas por intermédio de contratos, que podem ser escritos ou verbais, para o qual o mesmo foi contratado. O registro da ART ocorre após o seu cadastro ser efetivado no sistema eletrônico do Crea-RS e acontecer o recolhimento do valor correspondente.
— Vamos anular aproximadamente quase 2 mil ARTs que os técnicos fizeram com relação a PPCIs. Esses técnicos de nível médio não podiam fazer isso e venderam essa história nos gabinetes dos deputados de que tinham que fazer uma mera adequação do que já faziam — disse a mandatária.
Atualmente, é preciso formação superior para realizar esse trabalho. Apesar de o próprio Crea-RS ter permitido a emissão de documentos por técnicos de nível médio antes, agora a situação é outra. E Nanci Walter antecipa como será realizada a filtragem do que valerá, daqui em diante, e do que será tornado sem efeito:
— Estou de posse dessas ARTs e criei um filtro acima de uma certa metragem. As ARTs acima de 1 mil metros quadrados serão tornadas sem efeito — antecipa a presidente, dizendo que vai entregar essa decisão ao Comando-Geral do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar na próxima segunda-feira (25).
O critério utilizado pela dirigente, que afirmou não estar sendo tão restritiva na decisão, foi realizar uma busca nas ARTs recolhidas e definir que as edificações acima de 1 mil metros quadrados de área terão suas PPCIs tornadas sem efeito.
Os contratantes dos PPCIs que serão tornados sem efeito, e ficarão descobertos pela lei, serão notificados pelo Crea-RS. Ou seja, haverá a necessidade de ser realizado um novo PPCI, o que vai gerar custos. Porém, se o PPCI já estiver regularizado por outro profissional qualificado, a situação segue inalterada.
— Provavelmente, o contratante vai ter de pagar caso tenha contratado um profissional não capacitado — diz Nanci, salientando que a ideia da entidade não é onerar ninguém.
A presidente ainda aprofunda as explicações legais da situação:
— O técnico em edificações não pode fazer PPCI. Ele pode auxiliar outro profissional, legalmente habilitado, em alguma atividade. O que o técnico em nível médio sempre pôde.
Ela teve reunião com o secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos Junior, para tratar do tema esta semana, acompanhada da superintendente da entidade, Denise Russo, e do gerente do departamento jurídico, Alexandre de Oliveira.
Votação
O tema está cercado por polêmicas. O Projeto de Lei Complementar (PLC) 39/2020, apresentado pelo deputado Paparico Bacchi (PL), modificando a Lei 14.376/2013, conhecida como Lei Kiss, está para ser votado na próxima terça-feira (26), na Assembleia Legislativa. A proposta, que tem expectativa de ser analisada, permite a técnicos industriais de nível médio com registro no conselho regional da categoria ficarem responsáveis por projeto e execução de PPCIs. Além do Crea-RS, os engenheiros e arquitetos também são contrários ao projeto.
— É um projeto de lei importantíssimo que vai devolver aos técnicos industriais a possibilidade de fazerem aquilo que sua formação proporciona — alegou o deputado durante entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na segunda-feira (18).
O político, que destacou a possibilidade de 24 mil técnicos ficarem à disposição para emitirem os documentos do PPCI, caso o projeto seja aprovado, ainda questionou as ações do Crea-RS:
— O Crea-RS deve explicações a si mesmo. Em 2008, concordou que os técnicos emitissem as ARTs. O Crea-RS precisa se entender primeiro consigo próprio. Por que permitia a emissão antes e agora não permite?
O projeto, que já passou por três comissões na Assembleia (tendo parecer favorável de todas), ainda obteve unanimidade no texto na Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (CEDS).
— Essa questão dos PPCIs é um entrave e está atrapalhando o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul. Vamos lutar até o último minuto para colocar mais profissionais no mercado e desburocratizar o Estado — acrescentou o político.
Durante o programa Plenário da TV Assembleia, exibido na terça-feira (19), o deputado foi mais incisivo em sua manifestação:
— O que está acontecendo é um verdadeiro tapa na cara de todos os técnicos do Rio Grande do Sul. Não queremos flexibilizar nada da Lei Kiss. Os técnicos já fazem o trabalho deles, inclusive debaixo do guarda-chuva do Crea-RS — observou, reiterando que considera uma injustiça o que a entidade quer fazer com os técnicos.
Por sua vez, a presidente cita o decreto federal 90922/1985, que regra as atribuições profissionais do técnico em edificação:
— O técnico em edificação só pode fazer edificações até 80 metros quadrados de área construída. Para esse tipo de edificação, não existe exigência de PPCI.
O Projeto de Lei Complementar nº 39/2020 era o segundo na ordem do dia na sessão da tarde de terça-feira (19) e foi movido para o final da fila. O Crea-RS avisou que irá novamente tentar explicar para os líderes do governo gaúcho as questões envolvidas no projeto. A ideia é tirar o tema da ordem do dia na próxima semana.