A prefeitura de Porto Alegre cogitava definir em fevereiro o destino de sete escolas infantis inacabadas, cuja construção foi abandonada entre 2013 e 2015. A mudança na chefia da Secretaria Municipal de Educação adiou o plano. Mas o problema não se limita a essas obras paralisadas.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) cobra providências a respeito de 22 creches na Capital, entre as abandonadas e outras, que tiveram defeitos de projeto e falhas arquitetônicas. A medida se embasa em inspeção especial pedida pelo Ministério Público de Contas (MPC) em obras do programa Proinfância, que previa recursos do Ministério da Educação (MEC) e de prefeituras.
Feita em 2016, a análise resultou em decisão, do tribunal, de determinar tomada de contas especial relativa às escolas defeituosas, para quantificar prejuízos. A prefeitura respondeu aos questionamentos, mas o TCE mandou refazer a análise, por falta de detalhamento (não tinha atualização monetária e havia carência de documentos e de pareceres emitidos pelas instâncias técnicas). Isso agora está em elaboração. Porém, muitos dos problemas apontados permanecem. Das oito escolas inconclusas na época, por exemplo, sete continuam inacabadas.
O MPC cobra R$ 292,1 mil (valores de 2016, não atualizados) da prefeitura e a conclusão ou reforma dos prédios. E cita nominalmente o ex-prefeito José Fortunati (União Brasil) como responsável, porque era o gestor na época das obras.
Fortunati nega que tenham ocorrido irregularidades na construção de escolas, durante sua gestão. Em reunião com integrantes da área técnica que foram ligados à pasta da Educação, ele analisou os questionamentos do TCE. E diz que não só a prefeitura tinha dever de fiscalizar, mas também o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), impulsionador do financiamento das creches.
Fortunati ressalta que na tomada de contas especial determinada pelo TCE será possível à prefeitura esclarecer melhor as dúvidas:
— Todos os documentos e projetos estão à disposição. Ressaltamos que as obras provenientes de recursos do PAC foram fiscalizadas pelo FNDE, através de empresa contratada pelo próprio MEC/FNDE.
GZH visitou duas escolas inacabadas, a Jardim Leopoldina II (bairro Rubem Berta, Zona Norte) e a Clara Nunes (bairro Lami, Zona Sul). Ambas estão sendo dilapidadas por saqueadores, pichadas e destruídas. Nas duas, a estrutura aparenta ser boa, mas as esquadrias, fios e portas foram levadas por ladrões.
— Nenhum engenheiro vai retomar essa obra, por causa do risco de uma parede cair sobre as crianças. É uma vergonha — resume Allan Souza, vizinho da Jardim Leopoldina II e que já trabalhou em construção civil.
No dia 21 de fevereiro, GZH publicou reportagem mostrando que 9,75 mil projetos de obras escolares estão parados no Brasil, 633 delas no RS.
A situação
1) As inacabadas (contrato findou antes do término do prédio) ou paralisadas (incompleto, mas com contrato em vigor).
Percentual se refere ao total construído.
- Moradas da Hípica (82,46%), Clara Nunes (64,13%), Raul Cauduro (60%), Colinas da Baltazar (56,04%), Jardim Leopoldina II (38,17%), Jardim Urubatã (27,05%) e Ana Paula (6,81%)
2) Canceladas (nem receberam investimento)
- Vila Nova e Vila Tronco
3) Com problemas construtivos, mas concluídas
- Jardim Floresta, Jardim Paraíso, Nossa Senhora das Graças, Vila dos Sargentos, Senhor do Bom Fim, Irmãos Marista, Santo Expedito, Bonanza, Jardim Leopoldina I, Ville Jacques da Rosa, Moab Caldas, Capitão Pedroso e Cascais
A relação
Resumo dos principais problemas, segundo inspeção pedida pelo Ministério Público de Contas, e as respostas do ex-prefeito José Fortunati enviadas à reportagem:
1) Erros nos projetos das fundações
- Inspeção: conforme os auditores, as fundações das escolas Jardim Floresta e Jardim Paraíso (que foram concluídas) foram projetadas com estacas encravadas. Só que a presença de um lençol freático levou à substituição delas por estacas pré-moldadas. Recomendação é de que a prefeitura devolva R$ 34 mil (valores de 2016), gasto que poderia ser evitado se a sondagem tivesse sido corretamente avaliada.
- Resposta de Fortunati: a empresa que realizou sondagens alterou as estacas escavadas para pré-moldadas porque encontrou solo arenoso e lençóis freáticos. “Ou seja, a solução final foi absolutamente técnica”, diz.
2) Falta de repasses levou à deterioração
- Inspeção: as creches Jardim Urubatã, Ana Paula e Colinas da Baltazar tiveram construção paralisada (e jamais retomada) por falta de contrapartida financeira da prefeitura aos recursos federais aplicados. Recomendação é de devolver R$ 47,3 mil (valores de 2016).
- Resposta de Fortunati: a desestruturação por parte das empresas é que levou a rescisão contratual e consequente paralisação das obras e não o atraso de pagamentos. A situação financeira e administrativa das empresas não permitiu que o repasse dos recursos fosse realizado, conforme orientação do TCE.
3) Uso de terrenos sem regularização fundiária
- Inspeção: cinco obras foram iniciadas em terrenos não regularizados (Jardim Floresta,Nossa Senhora das Graças, Clara Nunes, Vila dos Sargentos e Senhor do Bom Fim). No caso de Senhor do Bom Fim e Irmãos Maristas, foram feitas em loteamentos inconclusos.
- Resposta de Fortunati: todas as áreas onde foram construídas escolas infantis são de propriedade do poder público. A prefeitura emitiu as respectivas declarações de dominialidade, amparadas na legislação.
4) Umidade, infiltrações e materiais de má qualidade
- Inspeção: foi detectada umidade ascendente na base das paredes, com deterioração precoce do revestimento em todas as escolas concluídas. A impermeabilização das vigas, da base das paredes e dos contrapisos estava prevista no memorial descritivo dos projetos. Foi também constatada infiltração na cobertura e na laje de algumas escolas, com risco de incêndio na Jardim Leopoldina I e falta de impermeabilização da calha na escola Bonanza. A drenagem nas escolas Ville Jacques e Bonanza é deficitária, com acúmulo de água nas áreas cobertas e hall de entrada. Além disso, há escolas com instalações hidrossanitárias de má qualidade, com torneiras plásticas, sem sifões nas pias, com tubos de esgoto que não seguem normas técnicas, além de desalinhamento das válvulas das cubas com as ligações de esgoto.
- Resposta de Fortunati: a Secretaria Municipal de Educação (Smed) sempre exigiu a solução das pendências apontadas pela fiscalização, a respeito das empresas executoras contratadas. Sob pena de terem valores retidos a título de garantia.
5) Subcontratação de empresas
- Inspeção: ocorreu subcontratação de empreiteiras nas escolas de metodologia inovadora, vetada pelo edital de licitação.
- Resposta de Fortunati: município não procedeu subcontratação pois a responsável pela obra era a empresa MVC, contratada pelo governo federal, que detinha, naquele momento, segundo informações à época, a tecnologia inovadora. Era a única com a metodologia. Iniciaram duas obras. Uma foi abandonada com 90% da obra e concluída pelo município, e outra com 30% da obra e sem continuidade.