A fabricante de veículos foi encerrada nos anos 1990, mas a paixão pelos carros esportivos da Miura continua viva entre admiradores, colecionadores e fã-clubes. É por conta desse afeto que oito exemplares do clássico veículo chamam atenção de quem passa por uma rua do bairro Vila Jardim, na zona norte de Porto Alegre.
Estacionados na calçada, em frente a um edifício, os carros estão expostos a sol, chuva e poeira. Alguns modelos estão bem conservados e funcionais, mas outros apresentam a lataria recortada e a pintura bastante descascada, como é o caso de um Saga 87 prateado — sexto modelo criado pela Miura. Publicações nas redes sociais chegaram questionar quem seria o dono dos veículos e o motivo do aparente abandono.
O dono da pequena frota é Genuíno Pesente, um colecionador tão apaixonado que ganhou o apelido de Gino dos Miuras. O empreendedor de 69 anos, natural de Santo Antônio da Patrulha, sonha em montar um museu para expor os carros e outros itens da fábrica porto-alegrense, como injetoras de fibra de vidro e relógios-ponto, que reuniu ao longo dos anos. Mas as dificuldades financeiras que enfrenta desde o início da pandemia o impedem de dar um abrigo melhor para os veículos, que têm ficado estacionados em frente à sua oficina de antiguidades. Ele também costumava deixar os carros nas garagens de amigos e familiares, mas, com o uso por terceiros, vieram batidas e arranhões que o motivaram a recolher os carros de volta à sua casa.
— Eu não gosto que eles estejam assim, jogados, mas eu trabalho com locação de móveis e objetos de decoração para festas, e há 18 meses está tudo muito parado. Vamos ver se melhora, para eu poder gastar um pouco em cima dos Miuras — afirma Genuíno.
Gino sonhava em ser dono do seu próprio Miura desde os anos 1980, quando a marca era febre nacional. Mas era um carro caro, o que fez com que a paixão precisasse aguardar alguns anos para se concretizar.
— Se nos anos 1980 tu perguntasse para uma pessoa que tem grana "que carro tu quer?", ela diria: "Eu quero uma Miura". Na época, personalidades como a Xuxa, o Agnaldo Timóteo, o Jô Soares, o Renato Gaúcho e o Zico tiveram Miura — elenca.
Quando o sonho do primeiro Miura aconteceu, contou com um empurrãozinho de Zero Hora. Por volta dos anos 2000, Gino viu nos Classificados o anúncio de um Sport 2, fabricado em 1981, à venda. Aproveitou que seu filho estava prestes a fazer 18 anos e comprou o veículo de um funcionário da Varig, só que o carro não foi do agrado do filho e acabou ficando para o desfrute do pai.
— Já que eu não pude ter um Miura nos meus 18 anos, pensei em comprar para ele. Era um Miura prateado, bonito. Entreguei a chave para ele, mas ele me devolveu e disse "não quero, quero um Gol bolinha". Aí eu comecei a andar com o carro — conta o colecionador.
Assim que começou a rodar com o automóvel, percebeu que "Miura chama Miura" e conheceu diversos outros proprietários. Formaram o grupo de colecionadores "Clube do Miura", que promove encontros de admiradores dos esportivos e viagens em conjunto. Gino é dono de nove Miuras atualmente: modelos Sport 77 vermelho, Sport 79 branco, Sport 2 prateado (ano 1981), Sport 2 preto (ano/modelo 1982/1983), Targa prateado (1983), Saga prateado (1987), X8 vermelho (1989),Top Sport azul (1989/1990) e um X11 vermelho (1991), o 11º e último modelo lançado pela fabricante.
O colecionador conta que não tem favoritismo, mas que dois carros recebem um carinho especial: o primeiro que comprou e um Top Sport azul, o décimo modelo lançado pela marca. O veículo é um dos que mais roda por Porto Alegre, e chama atenção pelos bancos de couro branco e o painel Alfa Romeo.
O plano do colecionador é construir uma garagem para abrigar os carros no bairro Rubem Berta, mas, pelas dificuldades financeiras, levará alguns meses até conseguir retirar os carros da calçada. Por esse motivo, os moradores da Zona Norte ainda têm chance de deparar com esses clássicos gaúchos a céu aberto.
Febre gaúcha e nacional
A Miura foi uma marca de veículos esportivos inspirados em modelos europeus como Porsche e Lamborghini, da empresa gaúcha Besson, Gobbi S.A. Foi fundada em 1976 na Avenida Sertório, em Porto Alegre, por Aldo Besson e Itelmar Gobbi. Os empresários investiram na fabricação de 11 modelos entre 1977 e 1992, feitos em fibra de vidro, com interior revestido em couro.
De acordo com Genuíno, os primeiros modelos eram feitos com chassi de Brasília, da Volkswagen. Depois, passaram a ser fabricados com chassi da própria Miura, mas ainda com motor e caixa de câmbio da Volkswagen. Alguns modelos chegaram a ter direção elétrica, sintetizador de voz e sensor de crepúsculo, e se tornaram febre nacional. A marca chamou atenção inclusive do boxeador Muhammad Ali, que visitou a fábrica em Porto Alegre, em 1987.
Leonir Zanchettin, natural de Bento Gonçalves, entrou aos 21 anos no quadro de funcionários da Miura. Trabalhou como auxiliar na colocação de portas e para-choques e, com o tempo, assumiu uma vaga na fabricação de moldes. Ele conta que que não era fácil fazer parte da empreitada de produção do esportivo nacional.
— A fibra de vidro dava coceira no corpo inteiro, era complicado. No dia em que entrei na Miura, éramos 17 pessoas começando. Ao final daquele mesmo dia, sobraram apenas dois funcionários. Entres entradas e saídas, trabalhei lá por seis anos, em cinco modelos de Miura. Não foi fácil, mas me deu experiência com fibra de vidro, que depois utilizei pra trabalhar por conta — lembra Leonir.