Coube a um americano, nascido no Havaí e radicado desde criança em Porto Alegre, conseguir certificar a primeira placa preta a um legendário carro criado no Rio Grande do Sul: o Miura, um esportivo que habitava os sonhos de motoristas dos anos 1980 devido a suas linhas, para a época, arrojadas. Peter Johnstone enfrentou uma forte burocracia até conseguir o registro para o seu modelo Sport2, de 1981. De acordo com o documento emitido pelo Detran, o carro está 93% original – para ser declarado obra de colecionador, o mínimo exigido é 80%.
– Tem peças que são originais, mas avaliadores desconheciam que o Miura, em 1981, as utilizou. Já estou providenciando documentação para provar isso e, também, consegui mais peças originais que encontrei em São Paulo – conta o professor de Inglês, que comprou o veículo há seis anos e, desde então, dedica-se a deixá-lo em ordem.
Mas a história de Peter com a fábrica Miura começou muito antes. No início dos anos 1970, ele fazia faculdade de Arquitetura na Unisinos e foi colega de aula de Nilo Laschuck, o homem que, em 1975, desenhou o carro gaúcho, colocado à venda no ano seguinte. Na década de 1980, a fábrica chegou a vender mais de 100 unidades (todas por encomenda) por temporada. Mas, em 1992, com a abertura ao mercado internacional proposta pelo então presidente Fernando Collor de Mello, a despreparada indústria nacional não teve como sobreviver. Miura, Gurgel e outras pequenas fábricas chegaram ao fim. Até hoje, porém, em todo o país existem clubes de apaixonados por esses carros raros.
Pelo menos uma vez por semana, Johnstone desfila com o carro pelas ruas da Capital e faz sucesso entre os saudosistas. Ele também participa de encontros de carros antigos, como o da Epatur, no primeiro domingo de cada mês.
A carroceria do Miura era feita de fibra de vidro pela própria fábrica. No que diz respeito às peças, o carro é um Frankenstein: utiliza algumas de VW (a maioria), Fiat, Ford e GM, marcas que existiam no mercado nacional na época. O motor é um Volkswagen 1.6, com dois carburadores e refrigeração a ar, utilizado na Brasília. O modelo Sport de Johnstone conserva a pintura amarela da época. Ele garante desconhecer noções de preço. Se os Cr$ 238.752 fossem convertidos para valores atuais, daria cerca de R$ 120 mil.
– Não tenho o menor interesse em vender. Nem adianta perguntar – adianta-se o americano.
Ele assegura que reformar carros antigos "é um passatempo tão bom que faz a pessoa dispensar o psiquiatra" e, para quem quiser se aprofundar no meio, sugere o carro ideal:
– O Fusca é o melhor para começar, pois se acham peças em qualquer lugar. Se a pessoa for tomando gosto pela coisa, pode passar a reformar outros carros. Gostei tanto da coisa, que aprendi a fazer peças em fibra e eu mesmo faço algumas reformas.
CASSIUS CLAY QUASE COMPROU
A fábrica esteve bem perto de se tornar internacional em abril de 1987, quando o então ex-pugilista Cassius Clay, grande ícone internacional, veio a Porto Alegre para negociar a exportação de Miura para o Oriente Médio. Os negócios evoluíram, mas justamente nessa época o ex-campeão mundial começou a ter problemas com o Parkinson, e o negócio não saiu. Ele morreu no dia 3 de junho deste ano.