O sonho de produzir um avançado carro esportivo nacional foi muito além do desejo e transformou o Miura num dos automóveis mais importantes da sua época. O design, a tecnologia e o processo de produção marcaram a história do Miura, da indústria automobilística brasileira e dos seus idealizadores. Resultado da ousadia, criatividade e determinação dos gaúchos Aldo Besson e Itelmar Gobbi, o esportivo conquistou o país e avançou no mercado internacional - chegou a diversos países nas asas da Varig. Besson faleceu em 2011 e Gobbi, na sexta-feira passada (23), em Porto Alegre.
O sucesso do Miura foi um marco na indústria brasileira e gaúcha. Foram produzidos 11 modelos entre 1977 a 1992. Presença marcante nos salões do automóvel de São Paulo, o esportivo gaúcho atraiu a atenção e foi disputado por artistas, empresários, personalidades, jogadores de futebol. Na fábrica da Avenida Sertório, com os saudosos Aldo e Itelmar, conheci o mítico lutador e ativista Cassius Clay, o Muhammad Ali, que veio para Porto Alegre conhecer os empresários gaúchos, o Miura e sua fábrica.
A história do esportivo fora de série líder de sua época começou nos anos 70 a partir da Aldo Auto Capas, especializada na personalização de bancos e acessórios automotivos.
Da parceria dos empresários Aldo Besson e Itelmar Gobbi nasceu a Besson Gobbi que por 15 anos foi a principal fabricante do seu segmento.
Os Miura trouxeram recursos como direção elétrica, sintetizador de voz e sensor de crepúsculo.
Com o mercado fechado para carros importados, nasceu a ideia de fazer um automóvel esportivo premium.
Aldo assumiu a administração e finanças, e Gobbi, o desenvolvimento do projeto, design e produção.
A parceria foi perfeita, a BG avançou rapidamente e conquistou o público de alta renda que procurava um automóvel avançado, tecnológico e exclusivo.
Gobbi criou os 11 modelos do Miura que venderam quase 10 mil unidades.
Ousadia gaúcha
A produção do primeiro protótipo começou no final de 1976 e foi concluída no começo do ano seguinte. O nome remetia ao famoso modelo da Lamborghini. O Miura surpreendeu por sua ousadia. Trazia tecnologias indisponíveis em veículos de produção de série no país.
A frente em forma de ponta e os faróis escamoteáveis facilitavam a aerodinâmica e o comportamento esportivo. Mas foi o interior revestido em couro de dois tons que trazia as principais novidades. A regulagem de altura da coluna da direção tinha acionamento elétrico. Para completar, bancos reclináveis, ar-condicionado e rádio AM/FM. A carroceria de fibra de vidro era montada sobre a plataforma Volkswagen.
O protótipo foi montado no segundo semestre de 1977 com o nome de Miura Sport. A Besson Gobbi acumulava mais de 100 pedidos quando a produção começou e as filas de espera não paravam de crescer. Chegaram a mais de seis meses.
O Miura Sport trazia o conjunto propulsor do VW Brasília. O motor 1600 a ar e dupla carburação combinado com o câmbio manual de quatro marchas levava o esportivo gaúcho à velocidade de 160 km/h.
O Sport II foi produzido de 1980 a 1983 e trazia apenas aperfeiçoamentos em detalhes externos e internos.
Atração nos salões
A BG voltaria ousar no Salão do Automóvel de 1980 quando mostrou um novo e avançado protótipo. O Miura MTS trocava o conjunto propulsor do Brasília pelo do Passat TS. Gobbi foi mais longe em 1982 com o Targa, novo protótipo do MTS. A família Miura trazia o motor 1.600 refrigerado a água e tração dianteira.
Na esteira das inovações introduzidas pelo Targa chegaram versões com o Targa Teto Solar e o Spyder, a opção conversível. Mais simples, o pequeno também conversível Cabrio, manteve a mecânica do Brasilia.
Apesar do sucesso e das filas de espera, a BG não estava satisfeita e ousaria novamente no Salão do Automóvel de 1984. Trocou o conjunto propulsor do Passat TS pelo do Gol GT de 96 cv e lançou o Saga. Ainda mais sofisticado, trazia revestimento em couro, computador de bordo, televisão, frigobar e acionamento elétrico da abertura do porta-malas, entre outras novidades.
A versão 787 do Saga foi ainda mais longe em 1986 ao valorizar a esportividade com detalhes como o generoso aerofólio na tampa do porta-malas e luzes de neon acompanhando a base da carroceria. Também adotou o motor AP 1800 a álcool com 106 cv.
Em 1987 foi a vez do X 8 com inédito sintetizador de voz no computador de bordo, que falava detalhes e emitia e alertas ao motorista. No ano seguinte, no Saga II, o AP 2000 de 116 cv substituiu o AP 1800, entre outros aperfeiçoamentos.
O Top Sport foi lançado em 1989. Além de uma atualização visual, com a frente mais arredondada, trouxe o motor VW AP 2000 com injeção eletrônica de 125 cv, freios ABS e amortecedores eletrônicos. Como opcional, o câmbio automático de três marchas do Santana.
A chegada dos importados
Em 1990, o governo liberou a importação de veículos estrangeiros, o que bateu forte principalmente nos esportivos fora de série como o Miura. Com as vendas em queda, o último Miura foi o X11, o Top Sport, sem modificações. Depois de uma ousada trajetória, em 1992, o sonho futurista de Besson e Gobbi chegava ao fim.
O golpe provocado pela invasão dos importados não abalou os empresários gaúchos. Partiram para a transformação de picapes em luxuosos veículos. A partir da Chevrolet D20 surgiu a BG Truck. Fabricada sob encomenda até 1997, trazia o luxo, a sofisticação e boa parte dos recursos eletrônicos do Miura.
Como jornalista tive a felicidade de acompanhar a ousadia, o sucesso e a simplicidade do Aldo e do Gobbi, como eram conhecidos. Foram tantas visitas à fabrica da Avenida Sertório para ver e mostrar as novidades na Zero Hora. Foram 15 anos de convivência em que aprendi admirar a determinação, a garra e a obsessão de Aldo e Gobbi para provar que no Sul do país poderia ser produzido um dos esportivos mais avançados entre os veículos da sua época. Ficou, acima de tudo, a amizade.