Está longe de um denominador comum o impasse envolvendo a prefeitura de Porto Alegre e as responsáveis pela Casa de Referência Mulheres Mirabal, no bairro São João, na Zona Norte. Desde 1º de setembro, o imóvel – que funciona nas dependências onde outrora foi a Escola Benjamin Constant – está sem luz por falta de pagamento.
Na segunda-feira (6), houve uma audiência envolvendo as responsáveis pela Mirabal e representantes da prefeitura na Cejusc (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) do Tribunal de Justiça.
— Há cláusulas de sigilo que nos impedem de entrar em detalhes sobre a audiência. O que eu posso dizer é que depois de três audiências produtivas em busca de consenso, aconteceu ontem uma clara mudança de tom na prefeitura que nos surpreende e preocupa — declara Nana Sanches, integrante da coordenação da casa.
Atualmente, há quatro mulheres e seis crianças abrigadas no local. A casa tem usado um gerador movido a gasolina para manter alguns eletrodomésticos em funcionamento, mas está sem chuveiro quente. A Mirabal atende mulheres vítimas de violência doméstica ou em busca de auxílio social. Ao longo da pandemia, por exemplo, organizou distribuição de alimentos a mulheres que atuavam como diaristas e ficaram desamparadas. Desde o início da crise sanitária, conforme a Mirabal, 550 mulheres procuraram algum tipo de apoio na casa.
Nesta terça-feira (7), a prefeitura publicou uma nota em seu site dizendo que pretende “acolher mulheres e crianças que estão abrigadas em imóvel sem condições de habitabilidade ocupado irregularmente”. Ainda segundo o texto, “o movimento não dispõe de regularidade na atividade nem de credenciamento para prestar esse tipo de serviço”.
O impasse entre prefeitura e Mirabal começou em setembro de 2018, ainda na gestão passada, quando a organização deixou um prédio no Centro Histórico que pertencia a uma entidade privada e negociou com o governo do Estado e a prefeitura a cessão de um novo imóvel. Ficou acordado que a nova sede ficaria onde era a Escola Benjamin Constant, que funcionava em terreno da prefeitura cedido ao governo do Estado.
O Estado devolveu o imóvel ao município mediante “compromisso na utilização do imóvel para prestação de serviço de atendimento às mulheres vítimas de violência, o que poderá ser ajustado entre as partes”. Todavia, a prefeitura pediu reintegração de posse do imóvel na Justiça, argumentando que a finalidade de uso seria apenas uma sugestão do governo do Estado e que não poderia doar um bem público a uma entidade privada.
Em julho de 2019, a 5ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre julgou improcedente a reintegração. Na decisão, magistrado Murilo Magalhães Castro Filho arbitrou que "antes da decisão de retomar o imóvel, o município promova tratativas diretas com os representantes da entidade ré, no objetivo de buscar uma solução definitiva e um local onde a atividade pública e social possa ser realizada". O caso, então, foi encaminhado à Cejusc.
Sobre a conta de luz, Nana declara que a Casa Mirabal não poderia pagar o débito – que chega a R$ 25 mil – mesmo que dispusesse do montante, dado que a Unidade de Cadastro do imóvel da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) está em nome da prefeitura e as contas nunca foram repassadas à Mirabal. Elas pretendem arcar com a conta de luz tão logo o município repasse o imóvel à entidade. Dizem ainda que já contam com parceria para instalação de placas solares na casa tão logo o impasse se resolva. Uma nova audiência na Cejusc está marcada para 16 de setembro.
O que diz a prefeitura
De acordo com o secretário municipal de Desenvolvimento Social, Leo Voigt, a Mirabal opera na ilegalidade, sem personalidade jurídica nem registro nos conselhos de assistência social, tampouco convênio com a prefeitura. Voigt também afirmou que o imóvel teria sido invadido pelo movimento Olga Benário e não possui condições de habitação, com janelas sem vidros, buracos no telhado e, agora, sem energia elétrica.
— É ilegal elas abrigarem mulheres e crianças sem ter o reconhecimento dos órgãos reguladores. O prédio é precário, foi invadido, nós não temos que pagar a conta de luz de invasor. O que podemos fazer é acolher as pessoas que precisam de assistência social e estão lá depositadas — afirma.
O secretário defende a transferência imediata das quatro mulheres e seis crianças, mas espera que o Judiciário faça a mediação. Voigt diz que inclusive já ofereceu novo prédio para servir de sede à Mirabal, desde que a situação da entidade seja regularizada.
— Não houve evolução. O movimento Olga Benário existe desde 2017 e até hoje nunca apresentou nenhuma documentação, nenhum registro público. As mulheres que lá estão supostamente sendo atendidas estão convidadas a serem abrigadas em um espaço digno, público, conveniado com o município. Já oferecemos isso ao Cejusc e acho que agora pode haver uma orientação nesse sentido — completa.
Colaborou: Fábio Schaffner