Olavo Machado da Silva deixou o Vale do Rio Pardo em 1970. Adolescente, queria trabalhar na Capital. Encontrou uma cidade pouco acolhedora nos primeiros anos. Viveu nas esquinas, sob marquises, e montou um barraco no parque da Redenção. Comia o que era descartado, no chão ou no lixo.
A experiência de 50 anos atrás moldou o Olavo de 2021. Com 64 anos, dedica parte do salário de zelador para a compra de alimentos que irão amenizar a fome de quem não conseguiu o mesmo que ele: sair das ruas.
– Quando vivi na rua, vi muita gente sofrendo. E criei esse sonho, de que quando tivesse um emprego e um salário, ajudaria – justifica.
A garagem do prédio comercial pelo qual é responsável, no bairro Santana, em Porto Alegre, tem uma mesa com inúmeras cadeiras empilhadas. O espaço foi adaptado para receber os andarilhos da região. Quando estes fazem aniversário, festinhas eram recorrentes. Colado na parede, o adesivo que imita um quadro negro tem a placa "Boteco do Olavo", inscrição que remete à época das celebrações com canhões de luz, música e balões decorativos.
Desde o ano passado, garante, os eventos foram suspensos. Como a necessidade de quem não tem teto ou emprego cresceu no período, manteve os encontros para receber os amigos, com oferta de uma refeição semanal.
– Eu arrumo tudo como se estivesse esperando um príncipe na minha casa – diz, sorridente.
Seu próprio aniversário, em 2 de fevereiro, não teve o pagode tradicional. Mas uma surpresa o emocionou.
– Ouvi uma batida no portão e era um morador de rua com uma caixa de bombom. Como pode, ele, que vive na rua, ter um coração tão bom? - questiona, mesmo sabendo a resposta.
Olavo vive em uma espécie de sobrado nesse mesmo subsolo do edifício, ao lado do estacionamento. Após vencer os degraus, ele chega à cozinha e a um quarto. A peça tem móveis simples. Na despensa, poucos pacotes de comida.
Todo sábado, independentemente da data, o zelador prepara o suficiente para servir de 20 a 30 pratos. Como a renda é limitada, por vezes não consegue atender a todos que o procuram. Chega a dizer que “parecem andorinhas, vêm de tudo que é lugar”, ao se referir ao aumento do público que precisa do seu voluntariado.
Da parte de quem é presenteado com as quentinhas, ouve agradecimentos emocionados. Relembra momentos em que recebeu de volta algum ingrediente, como ossos recolhidos em um açougue, ou uma cebola guardada entre as roupas velhas.
Mais uma vez preocupado com quem é alimentado por suas ações, o morador do bairro Santana convida os vizinhos:
– Um quilo de arroz, um quilo de feijão, isso não vai fazer falta. O que é um quilo? Há mais felicidade em dar do que receber, Deus diz – afirma.
A fé do trabalhador é reforçada em citações da Bíblia, sentenças memorizadas por quem tem nos escritos o único livro já estudado. Olavo não frequentou a escola.
– Eu aprendi a ler e a escrever pela Bíblia. E sei que Deus vai me dar muito mais pela ajuda que eu dou. Como Ele diz, "parai de armazenar para vós tesouros na terra, onde traça e a ferrugem consomem" - afirma, citando o evangelho de Mateus.
Na manhã desta terça-feira (20), o homem de voz grave contou sua história na Rádio Gaúcha. Logo que teve o número de telefone divulgado, viu o aparelho vibrar com chamadas em sequência. Quinze minutos após a entrevista, tinha mais de 50 conversas novas no WhatsApp, de ofertas de colaborações via depósito bancário à entrega de cestas básicas. Uma mulher, em especial, queria apenas falar com ele.
– Meu pai fazia o mesmo. Cozinhava, e eu entregava com ele as marmitas aos moradores de rua. Dava fila. Me emociona muito conhecer o senhor – disse a voz chorosa do outro lado da linha.
Por alguns instantes, o zelador deixa o telefone de lado. Precisa colocar o feijão na água, para continuar a arrecadar as riquezas que irão garantir um bom lugar no céu, como resume seu papel na Terra.
O contato com Olavo Machado da Silva pode ser feito pelo telefone (51) 9-9834-9537.